Sob Olhar das Erínias — Parte VII

Ao voltar para o quarto junto de Arthur, Apolo perguntou:

— Como é que tá a guria?

— Bem melhor do que quando a encontramos. — respondeu o outro, puxando a cadeira da escrivaninha para sentar-se. — Mas pelo que percebi, ela precisa desabafar. E só uma conversa com quem ela confia de verdade poderá ajudá-la. E, mudando de assunto, qual era o problema mesmo?

— Ah, é! Tinha até me esquecido... É o seguinte: mudaram o dia de folga da Thalia. De terça passou pra domingo. E ela vai vir de manhã.

— Tem certeza? Que coisa... — Arthur coçou a cabeça como se procurasse solução para o caso.

— Fiquei sabendo hoje pela irmã dela. Tive que pedir emprestado o celular de todos os meus colegas pra poder deixar a galera avisada! — comentou rindo, ao de lembrar de toda a correria que passou atrás dos telefones.

— Hahaha! Só imagino como foi.! O Apolo apavorado atrás de créditos. Deve ter pedido até pro chefe!

— Hehehe! Eu teria mesmo, se ele não fosse um pé no saco... — e recuperando-se do momento de euforia, mais sóbrio continuou: — Mas é isso, domingo pela manhã, a Thalia vai ta aí.

Arthur recostou-se bem na cadeira e deu uma olhada pela janela.

Então mais sério, disse:

— Pois é... Agora vamos ter que acelerar tudo. Amanhã já é sábado...

— Correto. — concordou o amigo, acomodando-se na sua cama. Logo que este pôs a mochila no colo, prosseguiu: — E já está acertado que metade do pessoal vai vir as onze e a outra depois das quatro da tarde.

— Hum... — sempre que era pego por surpresas, Arthur começava com sua mania de ficar puxando o topete.

— O que foi? Algum problema?

— Não, nenhum. Só fiquei um pouco nervoso. Hehehe!

— Ah ta... Bem, tenho que te entregar uma coisa. — ele abriu a mochila e dela retirou um envelope gorducho, que entregou a Arthur. — Esse é o dinheiro da festa.

— Tá... Que bom que conseguiram juntar a tempo...

— É só que não sei se vai dar pra muita coisa.

Arthur conferiu o dinheiro e disse:

— Olha, pra começar essa festa não ia nem sair. Então já é grande coisa nossa intenção.

— Isso é verdade... — consentiu Apolo, meneando a cabeça. E após um longo bocejo, continuou: — Bem, já que apareceu uma hóspede inesperada, acho que vou ficar por aqui mesmo, né?

— É. Já quer deitar? — inquiriu Arthur, também sendo dominado por um bocejo.

— Aham. — o outro pegou o celular do bolso e viu que eram quase duas da manhã — Já está tarde, e vou ter que levantar cedo.

— Tá certo, tá certo. — Arthur ergueu-se. — Vou pegar um colchão e umas cobertas ali no outro quarto.

No momento que abre a porta, sua mãe gritou da cozinha:

— Ó os seus filhos aí!

Logo passam por seus pés os gatinhos magricelos que ele salvara mais cedo. Vendo-os espalharem-se pelo aposento, surpreso, Apolo perguntou:

— Quem são esses? Nem sabia que vocês tinham gatas, e muito menos que deixavam entrar no cio...

— Calma aí, garoto! — disse Arthur com um sorriso orgulhoso, pegando um dos pequeninos com as duas mãos — Encontrei eles dentro de um saco de lixo, no lixo! E bem amarrado, diga-se de passagem...

— Báh, sério? E amanhã é sábado, dia da coleta de lixo... Sabiam o que estavam fazendo. De certo queriam que esses coitadinhos morressem asfixiados!

Apolo apanhou outro gatinho. O que estava sentado sobre seu tênis e brincava com seus cadarços. Fitou os verdes olhos inocentes e grandes do animalzinho e, num tom baixo, porém, audíveis e firmes, largou:

— Somos todas manifestações da vida, e todas suas formas devem ser respeitadas. Os humanos não são mais importantes que os animais, que não são mais importantes que as plantas e assim por diante. Os seres humanos precisam entender isso urgentemente.

— É verdade. Mas só falar não adianta, tem que dar exemplo. Sabe como é, ninguém gosta de ter as coisas empurradas goela abaixo. Tanto que os cristãos vivem se metendo em confusão por querer mudar a cabeça dos outros a força...Vou lá pegar as coisas,fica cuidando aí dos meus filhotes.

Tempo depois quando todos já dormiam Arthur ainda encontrava-se acordado. Sentado na cozinha, preso no passado...

O pequeno garoto voltava da escola, lendo um livro cuja capa trazia o desenho de uma grande estrela de cinco pontas dentro dum círculo. Estavam tão distraídos em sua leitura que não percebeu Cristhian e seus amigos parados mais adiante, na esquina. Conversavam animadamente ao mesmo tempo em que enchiam a paciência das meninas que passavam por perto.

Até que notaram Arthur aproximando-se.

— Olha quem vem vindo... — falou Cristhian, desdenhosamente.

— E olha o que ele carrega no pescoço! — reparou outro menino, escandalizado, por causa do pentagrama que pendia do pescoço de Arthur. Este, símbolo igual ao que havia na capa do livro que ele lia. — Minha mãe falou que aquele é o símbolo do Diabo!

— É verdade, até meu pai já disse isso. — afirmou Cristhian. — Eles usam em sacrifícios de gatos e cachorros.

— Sério?! — indagou outro dos garotos, de olhos arregalados.

— Aham! — asseverou Cristhian. — Aliás, o teu cachorro, o Bocão, ainda não voltou né, Diego?

— É... Já faz mais de uma semana que ele sumiu. — respondeu, antes de fitar Arthur e, espantado, começar a relacionar as ideias. — Será que eles...?

— Bem provável! — confirmou Cristhian.

— Ah, Bocão... — murmurou o pobre menino, desolado. Superconfiante, Cristhian deu uns tapinhas nos ombros do amigo e disse:

— Não esquenta Douglas. Vamos vingar ele!

— Como?

Cristhian fitou Arthur e, esboçando um sorriso maldoso, respondeu:

— Hehehe... Dando uma surra naquele bruxo do capeta! Vamo lá galera!

Liderados por ele, Douglas e mais três garotos, foram de encontro a Arthur. Este, entretido na leitura do seu livro, não percebeu a aproximação deles e levou um susto quando se deu conta que estava cercado.

Antes que pudesse esboçar qualquer reação, foi empurrado por um deles no chão e começou a sofrer uma série de chutes. Enquanto o agrediam, as pestes bradavam coisas como "Assassino de cães!", "Toma, maluco!", "Satanista do Diabo!", entre outros absurdos...

Todos aqueles que passavam ali perto naquele momento, pararam para assistir a cena, por conta dos berros de Arthur que implorava para eles pararem. A cada instante mais chegavam para aumentar o número de espectadores curiosos.Porém ninguém mexeu um dedo para parar com a violência.

Arhtur era conhecido como o filho estranho da bruxa, pois sua mãe era praticante de magia. Ninguém queria ser tachado como amigo da bruxa,para não ser mal visto pelos vizinhos.Ajudando Arthur isso poderia acontecer...

De repente, uma voz soou como trovão, abrindo caminho pelo povo berrando:

— Larguem meu filho, seus demônios!

Apavorados e com as pernas tremendo, Cristhian e seus capangas viram quem chegava. Então este berrou:

— Putz! É a mãe dele!S ebos nas canelas!

Dispararam dali, trombando com quem estivesse pela frente.

A mãe de Arthur, desesperada, agachou-se rente ao filho, enquanto ele tentava se levantar. Seu nariz sangrava, e lágrimas escorriam por seu rosto.

— Eu sabia que devia vim da casa da nova cliente antes do que planejei! Intuição de mãe não falha! — exclamou ela, preocupada, ajudando Arthur a se levantar. — Vamos meu filho.

— Eles não me deixam em paz, mãe! — esbravejou o menino, segurando o choro que ansiava ser derramado, mas que aos poucos se transformava numa raiva crescente.

Entre dentes, disse:

— Juro pelo meu sangue derramado, que um dia eles vão me pagar! E Cristhian vai ser o primeiro!

— Não diga isso, Arthur!V ingança é fraqueza da alma! — falou sua mãe com firmeza. — Em casa conversaremos melhor... — concluiu delicadamente, conduzindo-o em direção do lar.

De volta no presente...

Sentindo aquele ódio do passado retornar, o rapaz esmurrou a mesa.

Em seguida, furioso, murmurou consigo:

— Aquele miserável me fazia de trouxa quando bem queria! Riam dos meus Deuses, de minha família, de mim...!

Depois de mirar o chão, com ainda mais raiva soltou consigo:

— Mas o mundo dá voltas... Num dia você é caça... E o no outro o caçador... Gentinha como você, Cristhian, só se preocupa com uma coisa...

A imagem de Agnes veio a sua mente.

"É... Será através dela que aplicarei minha vingança! Tenho que aproveitar essa nossa aproximação inesperada... Nada é por acaso, nada! Essa é minha chance... Posso sentir! Mas o que fazer...?",pensou consigo,enraivecido.

Resolveu dar uma volta pelo pátio, a fim de pensar melhor sobre o assunto. Foi dentre muitas árvores e à escuridão silenciosa, que ele soube como...

— Isso! Uma "Rosa Negra"! Tsc, mas vai levar mais de um mês para fazer um poção dessas... E ela tem que beber o quanto antes... Amanhã mesmo! Ah, mas co...?

E um nome faiscou em sua mente:

— Mas é claro, Lexus!

Voltou correndo pra dentro de casa atrás do celular. Já de volta ao pátio com ele, digitou um número. Eis que para sua surpresa,pelo canto do olho,notou que alguém lhe observava...

Olhou rápido para direção da qual parecia estar esse "alguém" e não encontrou ninguém. Apenas o balançar dos arbustos.Mas não estava aventando... sequer uma brisa...

Balançou a cabeça com força para afastar pensamentos absurdos. Tô dormindo pouco.

E voltou a digitar no celular.

01h06m

No final da Vila Elza começava um vasto campo cheio de bosques e lagos. Ali havia as ruínas de uma casa antiga, vítima há muito tempo dum terrível incêndio, cujas paredes ainda achavam-se firmemente de pé.

Sentados sobre os restos da parede de concreto do que um dia foi um banheiro, havia dois casais de adolescentes tagarelando e bebendo, enquanto outro casal, no cômodo onde era uma sala, "ficava".

Os beijos e carícias foram interrompidos quando o celular do garoto tocou.

— Não atende Lexus... — murmurou a guria, mordiscando o pescoço do rapaz.

— Eu devo Roxana... Pode ser um cliente... — em seguida que deu-lhe um beijo, ele prometeu: — Já voltou!

— Tá, não demora então! — resmungou a menina, cruzando os braços.

Ao sair das ruínas, o rapaz atendeu:

— Alô?

Do outro lado da linha, Arthur soltou as patas:

— Báh, demorô, hein!? O que tava fazendo?

— Hehehe! Minha ficante não queria me largar! Mas e aí, Arthur, o que seria? Outra poção pra sonambulismo...?

— Não. Quero uma Rosa Negra!

— Heh! Problemas pra conquistar mulheres? — caçoou Lexus.

— Não tem nada a vê com isso! — rebateu Arthur, secamente. — Quero tirar uma garota de alguém...

— Hum... Certo... Mas saiba que só funciona se o alvo te conhece e já sente algo por você.Pode ser uma fagulha de sentimento ou atração...

— Eu sei! Quanto custa?

— Vejamos...

O adolescente curvou a cabeça, fechou os olhos e apertou o pentagrama invertido que pendia de seu pescoço. Após olhar por cima do ombro como se ouvisse com atenção alguém falar, respondeu satisfeito:

— Trezentinhos.

— O quê?! Fico maluco?! Não to encomendando uma poção da Caveirinha!

— De fato. Mas precisa pra amanhã cedo. — comentou o outro, sentindo-se vitorioso com o trunfo na manga.

— Hã?! — largou Arthur, desconcertado. — Como sabe?

— Ora, Arthur, parece que não sabe que trabalho com criaturas poderosas e muito inteligentes. – proferiu Lexus, presunçoso.

— Ah, mas e daí? Vai arrancar o olho só por ter de levantar cedo?! Vai te esconder!

— Não fala bobagem! O caso é que tenho apenas mais um frasco de Rosa Negra. Este, já reservado pra levar pra um cara amanhã. Como fui informado de que você está com pressa, acredito que não se importará de pagar o triplo. É pegar o largar. Ou esperar até o mês que vem!

— Grrr!Tá, eu pago o que quer! Ainda bem que fiquei dois anos naquele supermercado...

— Beleza! — exclamou o outro mais animado. — Onde e que horas?!

Às nove da manhã, na Lan House do Daniel.

— Lan House? — questionou Lexus, desconfortável. — Não acha movimentada demais pra nossa pequena transação? Sabe que a discrição é a alma do meu negócio...

— Relaxa, não é uma Cyber Vision. Só vai tá nós nesse horário lá.

— Então tá. Até amanhã! — e fechou o celular, satisfeito.

Gian Felipe Author e A. Henrique SR
Enviado por Gian Felipe Author em 23/11/2015
Código do texto: T5458441
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