Sob Olhar das Erínias — Parte VI

Da rua adjacente a uma igreja saíram dois adolescentes tagarelas. Ambos, cambaleantes, traziam, cada um, uma garrafa de vinho na mão. Após um gole, um deles avistou três garotas vindo na contramão.

Elas estavam tão entretidas em conversar entre si, que não notaram a presença deles.

O que as enxergou cutucou o companheiro e, empolgado, disse:

- Olha aquelas gurias ali!

- O que têm? - perguntou o outro, zonzo de tanto vinho.

Logo que toma mais um trago, o primeiro, malicioso, respondeu:

- Vê só o que vou fazê com a de calça vermelha...

No momento que passaram pelas jovens, o garoto desferiu uma palmada no traseiro da que usava uma legue escarlate.

A garota, sobressaltada, virou-se e esbravejou:

- Ficô loco, idiota?! Vai bater na bunda da tua mãe!

Enquanto o amigo do atrevido dava risada, ele gesticulando ridiculamente e sem mais controle da própria língua, exclamou:

- Tá brabinha por que, novinha?! Quem anda com essa calça colada na bunda tá pedindo pra levar um tapa!

Enraivecida, a adolescente tentou partir para cima do abobalhado. Mas foi impedida pelas amigas.

Ainda assim, a menina vociferou:

- Isso não é da tua conta, da minha vida cuido eu! E vocês seus vagabundos bêbados, estão pedindo para serem presos! A cadeia é o futuro mais provável pra vocês!

As amigas, segurando-a com todas as forças para que sua amiga não pulasse na criatura insolente, diziam preocupadas: "Não, Paola! Não entre na dele!", "Deixa esse babaca pra lá e vamo!", "Pode ser perigoso, vamos logo!".

Sentindo-se ofendido, o encachaçado atirou a garrafa na rua asfaltada (CRÁS!), em sinal de ameaça, e mais exaltado, berrou:

- Deixem vir! Dô só assim na amiguinha de vocês! - e fez num brusco movimento obsceno com os quadris e braços - Aí ela vai ficar bem calminha.Isso é falta de pau!

Rindo da atitude dele, sem deixar-se intimidar Paola respondeu:

- Rá! Tá pensando que eu sou essas galinhas que gostam de pouca coisa que nem você?! Eu me respeito o suficiente para desejar coisas melhores!

Por fim, enquanto o outro resmungava sozinho, a menina deu meia-volta e disse as amigas:

- Vamos, gurias! A noite desse aí vai ser longa!

Vendo as garotas afastarem-se cada vez mais sem dar-lhe mais nenhuma atenção, o energúmeno berrou:

- Volta aqui, gata! Tu é mulher pra me obedecer! Volta aqui sua vagabunda!

O amigo dele que, acovardado, permaneceu quieto a discussão toda, deu-lhe um soco de leve no ombro, dizendo:

- Alá, Roney! Que gatinha...

Ao fitar o ponto para onde o outro, fascinado,estava olhando, avistou Agnes. Ela, cabisbaixa, atravessava a rua a passos lentos. Então, esboçando um sorriso velhaco, Roney, cheio de desejo, concordou:

- É sim... Dá um caldinho legal... - seguiu, esforçando-se para ver melhor, pois a bebedeira lhe afetara a vista: - E aí, Lucas, tá a fim de se divertir...?

Após entornar o vinho, o guri respondeu:

- Capaz que não! - complementou, depositando a garrafa na calçada: - Quem vai saber né?

- Beleza. Então vamo por essa rua, aí pegamos ela na outra esquina. Lá a luz dos postes tá queimada. Vamo pegar ela de surpresa!

E saíram correndo por outra rua, para desembocar na mesma que Agnes sairia. Esta, perdida nas lembranças de sua briga com Cristhian, não percebeu o som de passos apressados em sua direção. Apenas quando sentiu ser agarrada voltou a si, mas já com o coração disparado e a pernas amolecendo com o susto.

Lucas, com uma mão tapando a boca da guria e a outra firme no flanco direito dela, aplicou-lhe uma rasteira. Aí, sem destampar a boca da menina, a manteve com o peito prensado contra o solo, imobilizado-a.

Mas pelas pernas estarem livres, Agnes debatia-as descontroladamente.

Porém, logo Roney agarrou-as firme, abriu-as com violência e fixou-as no chão.

- Gatinha arisca, hein? Hehehe... - comentou Lucas, excitado.

- É sim... - respondeu Roney, malévolo, mirando a virilha da menina feito um cão faminto.

Após substituir as mãos pelos joelhos, mantendo assim as pernas da menina sob controle, Roney começou deslizar as mãos pelas coxas dela, rumo ao cinto. Então quando já havia afrouxado-o e começado a abrir a braguilha da calça, Roney, babando de desejo, disse:

- Hora de começar a festa, gracinha...

Agnes soltava gritos abafados até que, após uma ideia relâmpago, mordeu impiedosamente a mão de Lucas. Este, gritando de dor, levantou-se depressa, libertando-a. Aproveitando-se do momento, a adolescente sentou-se reto e, com as duas mãos juntas, esmurrou a cara de Roney, fazendo-o rolar de cima dela.

De um salto, a jovem ergueu-se. Mas quando pensava em fugir, Lucas, por trás dela, passou o braço em torno de seu pescoço, prendendo-a.

Irado, e um tanto zonzo, o garoto vociferou:

- Já chega! Vai morrer vagabunda!

Com o coração a mil e sentindo-se sufocar-se, Agnes teve a impressão de ver uma mulher armada com uma espada, montada sobre uma égua vermelha, cavalgando velozmente em sua direção. As batidas de seu coração e o forte pisotear dos cascos do animal pareciam ser os mesmos; e empregando tremenda e misteriosa força que surgia lá das profundezas de seu ser, Agnes voltou à consciência e aplicou uma cotovelada no estômago de Lucas.

Tremendo golpe fez com que o forte braço do rapaz amolecesse, possibilitando a libertação da garota que, num girar de calcanhares, voltou-se a ele e deu-lhe um pontapé no saco, fazendo-o cair de joelhos aos berros de dor.

Enquanto isso, Agnes já havia disparado dali. Porém, o poder e a coragem que repentinamente a invadira, passou, dando lugar ao choro desesperado pelo acontecido.

Enquanto isso na parada próxima a uma fruteira, Apolo, levando uma, mochila nas costas, desembarcou de um ônibus.

Esperando-o estava Arthur que, após um cumprimento, indagou:

- Ué, estava no Centro de Porto Alegre?

- Não, não. Eu tava em Alvorada, na casa da Diana.

- Hum... Folgou hoje, então? - quis saber Arthur, saindo andando dali junto de seu amigo.

- Também não. Na verdade foi uma passada rápida.

- É? Pelo jeito deve ser um problemão mesmo, pra tu se dar todo esse trabalho!

- E é... Compromete a realização da festa da Tha...

- ARTHUR! - ouviu-se de repente um grito. Era Agnes que reconhecera o colega de escola.

Toda suja de terra e de roupa amarrotada, ela, em meio a tropeços e lágrimas, corria o máximo que podia.

- Sabe quem é? - interpelou Apolo, intrigado.

- Sim, sim. É uma colega lá da escola... Mas... Ei, algo aconteceu com ela! Olha como ela está! - disse Arthur preocupado, tão logo notou o estado da garota e os seus olhos inchados por causa das lágrimas. - Ela precisa de ajuda!

Seguido pelo amigo, alcançou-a e, apreensivo, perguntou:

- O que aconteceu...?

Aos prantos, Agnes se jogou nos braços dele, em busca de consolo.

Distante do trio Roney e Lucas deteram-se. Vendo que agora a menina estava acompanhada, na hora desistiram de persegui-la.

- Putz! Sujô! - afirmou Roney, antes de darem meia-volta e se mandarem.

- Sujou mesmo, tu viu aquilo?! - inquiriu Lucas, apavorado com algo que vira perto de Arthur.

- O quê?!

- Não viu o vulto negro atrás do cara que tava abraçando a guria?!

- Não! Do que tu tá falando,cara?

- Ah, nada! Vamo dá o fora!

- Calma, calma... Já entendi...Mas eles já foram...E nós estamos aqui... - disse Arthur com um sorriso terno, enquanto acariciava os cabelos de Agnes. Logo a levou para sua casa,junto de Apolo

Sentada sobre a cama de Arthur e ainda trêmula, Agnes bebia um copo de água com açúcar. A mãe dele era uma senhora em torno dos cinquenta anos de idade, embora aparentasse possuir pouco mais de trinta. Sua pele era morena e seus cabelos curtos e encaracolados. Vestindo uma larga túnica rosa sobre o pijama branco,ela,parada junto da porta do aposento de Arthur,escutava com atenção as palavras deste sobre o ocorrido.

Por fim Arthur disse:

- E foi isso que ela disse que aconteceu.

- Nossa... Que bom que vocês estavam lá. Imagina o que teria acontecido se não tivessem aparecido? - falou a mulher, com a mão na boca, pasma com o que ouviu.

- O pior, sem dúvida. - largou Apolo, austero, olhando pra garota.

- O estranho é isso acontecer por aqui. De certo são marginais que vieram de outras vilas. - comentou dona Eda, intrigada. - Bem, eu não fiz janta hoje. Mas tem café novinho e bolinhos de banana. Vocês querem?

Apolo aceitou prontamente, pois estava com o estômago roncando de fome. Então seguiu a mãe de Arthur até a cozinha, deixando os outros dois a sós.

- Tá mais tranquila agora? - inquiriu o rapaz, sentando ao lado da colega.

- Sim, estou... Obrigada por ter me trazido pra tua casa. Os meus pais acabariam me xingando por andar tarde na rua.Iam até me culpar por ter sido atacada por aqueles desgraçados,e não tô a fim de ouvir isso..

- Sinto muito, Agnes, só que eu tenho que te dizer. que você deixou brecha pra esse tipo de coisa acontecer. Deu sorte por naquela hora o Apolo e eu estar passando por lá.Mas nem sempre pode se contar com ela. A vila até que é um lugar tranquilo, mas não dá pra abusar. Não hoje em dia. O que você fazia sozinha na rua tão tarde da noite?

Agnes mirou o assoalho, arrumou o cabelo, puxando-o para trás, e séria respondeu:

- Não quero falar nisso...

- Como queira. - proferiu Arthur, assentindo pelo silêncio pesaroso dela. - Quer mais um copo de água? Talvez comer alguma coisa?

- Tá tudo bem. - soltou ela, com um meio sorriso, ao voltar-se a ele.- Gostaria de me deitar, se não se importa.

- Capaz. É bom que faça isso mesmo. Só deixa arrumar a cama onde tu vai dormir. - pediu ele, pondo-se de pé.

- Oh, sim. Obrigada. Mas antes, onde fica o banheiro?

Depois de apontar para a única porta do corredor em frente ao quarto, onde havia uma placa de madeira escrita bem grande "BANHEIRO", ele respondeu:

Ali em frente. Não tem como errar.

- Haha! Dãã! Não prestei atenção nela.

- Haha! Imagina.

Mal a adolescente entrara no banheiro, Arthur levou a mão ao queixo e, pensativo, esboçou um sorriso malicioso...

Gian Felipe Author e A. Henrique SR
Enviado por Gian Felipe Author em 15/11/2015
Reeditado em 16/11/2015
Código do texto: T5449774
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