ELE ME ODEIA - capítulo XVII

Apesar de eu conhecer o padecimento na alma de Dante, eu tentava de todas as formas diverti-lo com minhas ditas bobagens e brincadeiras. Até que num exato momento, ele pausou seus olhos em mim, deixando-me intimidada... Tomei meu milk shake e ele continuava me fitando.

- Você... Está com um bigode aí.

Disse ele, rindo para mim, e eu igualmente ri e limpei minha boca com o guardanapo. Mas Dante persistia me olhando, era como se procurasse algo valioso no fundo dos meus olhos... Vi as sombras escuras da noite vestirem as ruas e perguntei para Dante:

- Você poderia me dizer a hora?

Ele esticou o braço esquerdo sobre a mesa, mostrando-me seu relógio, o relógio que lhe presenteei e eu segurei seu pulso e olhei a hora... Eram seis e meia da noite e eu precisava voltar para casa, facilmente Dante decifrou isso em minha expressão, por isso falou:

- Não vá agora...

O fitei com desentendimento e perguntei:

- Por quê?

- Porque sinto que se me deixar sozinho aqui eu posso enlouquecer...

- É que meu tio pode ficar preocupado e...

- Liga pra ele e diz que vai demorar um pouco...

Eu entendi que Dante necessitava de consolo, estava com os pensamentos turvos e tinha medo... Então meu coração, muito mais do que Dante, implorou-me para ficar e cuidar do meu amor.

- Tudo bem, posso ficar mais um pouco.

Falei, e Dante sorriu e disse:

- Mas eu não quero ficar aqui...

- Então... Onde?

- Liga para o seu tio e diga que vai demorar.

Sem muitos esclarecimentos, liguei para o tio Ricardo e disse que jantaria na casa de Paloma, pobre Paloma, sempre vítima de minhas mentiras.

- Pronto.

- O que ele disse?

- Para eu tomar cuidado e não demorar muito.

- Hhmmm...

- Aonde vamos?

- A qualquer lugar.

Sem mais explicações, Dante e eu entramos no carro e volta e meia eu refiz a pergunta:

- Para onde vamos?

Dante então respondeu:

- Estou afim de fazer algo com você...

- O-o quê?

Perguntei, com cisma. Até que Dante parou o carro de frente a um salão e eu li a placa iluminada...

- Boliche?

- É.

- Mas eu não sei jogar boliche!

- Boliche não é para saber, é para tentar. Vem.

Descemos do carro e entramos no clube. Eu nunca que imaginava que um clube de boliche pudesse ser tão animado e ter tanta gente, achei que as pessoas estivessem presas no trânsito ou fissuradas nas redes sociais! Dante apanhou uma bola de boliche e disse:

- Veja como se faz...

Ele fez a bola rolar sobre a pista e conseguiu acertar oito pinos e eu aplaudi.

- Sua vez.

Ele disse. Peguei uma bola e me preparei, mas eu não fazia ideia de como fazer uma bela jogada! Bom, a bola rolou tão devagar que quase parou no meio da pista para se espreguiçar. Dante sorriu, dizendo:

- Hhmm... Uma garrafa?

- Eu disse que não sabia jogar isso.

- Espera, eu te ajudo...

Ele veio por trás de mim e segurou meu braço e estava com o rosto perto de meu pescoço, o que me fez arrepiar toda a pele, e disse:

- Você tem que deixar o braço assim... Isso... Agora mire bem o centro dos pinos e lance a bola, mas um pouco mais forte.

- Tá.

Joguei a bola e ela rolou pela pista e acertou seis pinos, no que vibrei e Dante falou:

- Está vendo? Nem é tão difícil.

De repente, apareceu do nosso lado um homem alto e bem forte e, gabando-se, disse-nos:

- Eu faço um strike!

Dante me olhou e sacudiu os ombros e deixou que o homem fizesse sua jogada.

- Mas eu preciso de muita concentração, então vocês dois fiquem em silêncio.

Disse o fortão, se preparando, e eu e Dante ficamos absolutamente quietos. Até que meu celular tocou e Dante riu de mim, porque eu havia tirado o homem de sua total concentração. Falei, me afastando:

- Desculpa, desculpa!

Fui atender o celular e Dante foi até mim e perguntou, com curiosidade:

- Quem é?

- É meu tio...

- E que parte do "vou demorar" ele não entendeu? Me dá aqui, deixa eu falar com ele...

- O quê? Não!

Dante tomou o celular de mim e atendeu, dizendo:

- Seus créditos estão abaixo de cinco centavos, estamos encerrando essa ligação... Tum, tum, tum...

Ele desligou o celular e sorriu, e eu, abismada, perguntei:

- O que você fez?

- Fica tranquila.

Ao chegar em casa, com uma generosa carona de Dante, abri discretamente a porta e fui caminhando direto para escada, até que tio Ricardo apareceu na porta da cozinha, com os braços cruzados e me interrogou:

- Que historinha foi aquela de crédito abaixo de cinco centavos?

Sorri, sem jeito e dei meia volta. Falei:

- Sabe o que é, tio...? É que, bem, foi o irmão de Paloma que pegou meu celular sem eu ver e disse aquilo, mas de brincadeira.

- Puxa, como foi engraçado... Veja como estou emocionado de tanto rir! Ha-ha-ha.

- Eu avisei que ia demorar.

- E quem era aquele que te trouxe?

- Aquele... Qual?

- Que estava dirigindo o carro. Quem era?

- Ah... É um amigo meu.

- Hummm...

- Mais alguma pergunta?

- Não, mas você está proibida de chegar tarde em casa.

- Tio, eu já sou de maior.

- Eu também, e nem por isso passo toda a noite fora. Ah, inclusive, tenho uma novidade...

- Qual?

- Consegui um novo emprego.

- Puxa, até que enfim!

Falei, com sarcasmo, jogando-me no sofá e relaxando. Perguntei, por fim:

- Onde?

Tio Ricardo se sentou, olhou para as unhas das mãos e, simplesmente respondeu:

- Na empresa em que você trabalha.

Me sentei ligeiramente, com espanto, quase cuspi meu coração fora, sem acreditar no que eu acabara de ouvir e assim perguntei:

- Na empresa?

- Siiim... Vou ser o novo vigia.

- Novo vigia? Então, o que houve com Alessandro?

- Quem é Alessandro?

- Era o antigo vigia da empresa.

- Ah. Sei lá! Vai ver ele não mantinha os olhos bem abertos.

- Mas, tio, o senhor não conseguiu nem manter guarda sobre as costas de uma senhora! Acha que vai conseguir guardar uma empresa?

- Aquela velha era uma danada, não parava quieta no canto! Ficava se expondo e à casa em tudo que era canto... Uma hora ou outra teriam que carregar ela. Mas não se preocupe, eles não poderiam conseguir um vigia melhor do que eu.

Não sei o que era mais assustador para mim, se era saber que meu tio trabalharia no mesmo lugar que eu e por isso me sondaria a todo instante, ou saber que agora sim aconteceria constantes arrastões na empresa. Agora eu estava, mais do que nunca, convencida de que a vida é uma caixinha de surpresas... Quem foi que abriu essa bendita caixinha?

Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 10/11/2015
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