ELE ME ODEIA - capítulo XIV

A tarde ia caindo e até aquele momento Dante e eu conversávamos na lanchonete, à respeito do jantar que armei. Dante dizia:

- Sabe o que Júlia vai fazer quando me vir e saber que foi tudo uma armação? Vai me dar uma bofetada daquelas!

E eu, por minha vez, falei:

- E por acaso você não sabe resolver o momento?

- Lembre que foi você quem ocasionou tudo isso.

Emudeci naquele instante, retomando a culpa, contudo, eu reconhecia meu esforço para solucionar tais problemas e retruquei:

- Eu sei disso, mas não estou te obrigando a nada, somente estou querendo te ajudar. Se quer mesmo se reconciliar com Júlia aconselho que aceite minha idéia, se não...

- E eu tenho escolha? Já está tudo combinado mesmo...

- Eu marquei às oito horas, então...

- Já sei, não posso me atrasar.

- Não, você deve se atrasar!

- Hã?

- Se Júlia já te ver sentado na mesa não vai em hipótese alguma se sentar junto a você. Vou ligar para ela e dizer que vou, no caso: você vai, se atrasar um pouco, assim você poderá chegar de surpresa e se sentar junto a ela.

- Nossa, você planejou tudo mesmo, hein!?

- Mas, por favor, não vá fazer que tudo seja em vão e deixar que ela vá embora. Prenda-a.

- Eu vou tentar.

- Dante, esta é a chance, você não pode falhar.

- Já entendi.

Ele disse, levantando-se da cadeira e se despedindo. Gritei para ele:

- Ah, não esqueça das rosas!

À noite, tudo era emoção e ansiedade, mais o nervosismo de Dante, que só aguardava minha ligação para aparecer no restaurante, porquanto eu estava escondida atrás de uma árvore próxima ao local, a vigiar se Júlia aparecia. Minutos se passaram e nenhum sinal dela, no que Dante me ligou para perguntar:

- Ela já chegou?

E eu respondi:

- Ainda não. Onde você está?

- Bem atrás de você, dentro do carro.

Eu me virei e vi Dante do outro lado da rua em seu carro e sorri. Continuamos esperando e esperando... Até que Dante decidiu descer do carro e vir até mim.

- Ela está demorando muito...

Dante falou, atribulado, e segurando um belíssimo buquê de rosas. E eu disse:

- Vou ligar para ela...

Liguei para Júlia de meu celular, confidencial, mas ela não me atendia, nem na primeira, nem na segunda e nem na terceira tentativa. Dante já estava agoniado e deu um passo para frente, então eu o perguntei:

- Aonde você vai?

- Vou esperá-la na mesa.

- Mas se ela ver você vai dar meia volta!

- E daí?

Ele caminhou até a mesa e se sentou, ali ficou esperando Júlia, por horas. Com cada minuto que se passava as esperanças iam se perdendo e o olhar de Dante ia caindo e escurecendo com a decepção, ele dividia a mesa com os seus medos, pessoas chegavam, saíam e Dante permanecia ali, sozinho. Quando já dera 22h:45min e não restava mais nenhuma esperança, eu fui até a mesa em que Dante estava e, fitando-o com constrição, falei:

- Eu sinto muito...

Ele me fitou com um olhar parado e disse-me:

- Eu já esperava por isso... Afinal, por que você não senta aí e jantamos nós dois?

Eu abri um vívido sorriso e, quando ia me sentar, o garçon foi até a mesa, recolheu os cardápios e disse para mim:

- Nem sente, já estamos fechando. Sinto em dizer, é que agora fechamos mais cedo, um bem para a sociedade, pois este restaurante é uma porcaria! Eu queria é que fechasse para sempre.

Dante olhou para mim e falou:

- Deixa pra lá.

- Bom, então... Vou para casa.

Falei, e Dante se punha de pé, pegou com indelicadeza o buquê sobre a mesa e disse:

- Eu te levo.

Olhei carinhosamente para ele e alisei os braços, aquecendo-me, pois a noite estava fria e ventanosa. Entramos no carro e Dante dirigia, pelas ruas que nunca dormiam, com uma expressão vazia e morta, eu sabia que era a tristeza habitando seu coração. Após minutos de silêncio, falei eu:

- É uma pena que Júlia não tenha aparecido, eu cria que tudo ia dar tão certo!

- Vai ver ela não acreditou muito nessa história de amigo da faculdade. Aliás, que amigo ela imaginava que fosse?

- Um tal de Gabriel Alcântara.

- Gabriel Alcântara?

Dante revirou os olhos e passou a mão no rosto, disse em seguida:

- Gabriel Alcântara é o irmão dela.

Eu o fitei, estupefata, meu queixo caiu e meus olhos se abriram, no que falei:

- Então, ela... Não acreditou na história...

- Não, Iva, não acreditou.

- Por que não me disse isso antes?

- Por que você não me disse isso antes?

Comecei a bater em minha testa e repetir:

- Como sou burra! Burra!

Dante virou o rosto para mim e observou minha ira, então meneou negativamente a cabeça e segurou minha mão. Disse:

- Pára com isso! Você não teve culpa, não sabia de nada...

- Tenho culpa sim, Dante, sou uma tonta, não calculo bem as coisas e tudo o que faço é maior burrice!

- Não é verdade... Não tudo que você faz... Só algumas coisas, não todas, bom... É.

- Também, a imitação que eu fiz ao celular foi horrível.

Dante sorriu, embora não estivesse feliz, e eu me alegrei em ver aquele sorriso. Finalmente chegamos à minha casa e Dante parou o carro, eu ia abrir a porta, mas ele me impediu com suas palavras, disse:

- Estou cada vez mais convencido de que Júlia não brincava quando disse que tudo entre nós havia acabado.

Direcionei meu olhar ao rosto melancólico de Dante e sua aflição refletiu nas íris de meus olhos, sua voz saía como uma canção de luto e eu podia apanhá-las com as palmas de minhas mãos e ouví-las bem próximas aos meus ouvidos. Neste clima sombrio, eu falei:

- Ainda não é tarde, a última esperança ainda não está morta...

- Não sei... Pressinto que pode ser eu mesmo que a mate.

- Acho que esta noite te fez muito triste, é melhor descansar um pouco os pensamentos das coisas ruins. Bem, obrigada mais uma vez pela carona.

Eu ia abrir a porta, mas fui interrompida outra vez, quando Dante segurou meu braço e falou:

- Deixa eu me despedir direito...

Ele chegou mais perto e grudou seus lábios em minha bochecha, meus olhos se fecharam devagar e minha respiração sufocava-me, até seus lábios descolarem de minha pele e deixar aquela lembrança molhada.

- Quem está na casa?

Ele perguntou-me, mirando pela janela do quarto para minha casa. E eu respondi:

- Meu tio.

- Você está morando sozinha com seu tio?

- Era isso ou dormir na cazinha do cachorro.

- Humm...

Dante subiu o vidro escuro da janela e agora estava com a boca mais próxima de meu ouvido, para sussurrar:

- Vou te pedir um favor: quero que você esqueça tudo o que vai acontecer aqui, porquanto eu também esquecerei...

Ele chegou seu rosto bem perto do meu e, inesperadamente, celou seus lábios nos meus e foi aprofundando o beijo, descobrindo o sabor da minha ânsia, me fazendo sentir a delícia da sua boca.

- Eu pensei que você sentisse algo bem mais forte por mim... Mas está tão tímida...

Ele dizia ao pé do meu ouvido e meu corpo extremecia, minha pele arrepiava, ao passo que ele me empurrava contra a porta do carro e me beijava.

- Está assustada?

- Claro...

- Então vou parar.

Ele se afastou de mim e passou a língua nos lábios, e eu, quase sem fôlego, perguntei:

- Por que você fez isso, Dante?

Ele segurou em meus braços e disse:

- Porque você vai esquecer tudo... E eu também esquecerei.

Continua...

Lyta Santos
Enviado por Lyta Santos em 06/11/2015
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