ELE ME ODEIA - capítulo XII
Antes de me recolher para o quarto, me virei para meu tio e falei:
- Amanhã meu turno só será pela manhã... Eu gostaria de visistar minha avó à tarde. Se o senhor pudesse me levar...
Tio Ricardo olhou para mim, pensou um pouco e disse:
- Sem problemas, eu te levo.
- Então tá. Boa noite.
- Boa noite.
No dia que veio em seguida, eu ia entrando na empresa e Dante vinha logo atrás de mim, no que decidi andar um pouco mais devagar. Quando ele se aproximou, não sei o que, mas algo me fez sorrir para ele e este falou comigo:
- Bom dia, Iva... Tudo bem?
- Tudo...
Respondi, sem crer que aquilo estava mesmo acontecendo, pois, as boas palavras de Dante eram como relíquias para mim, por razão de que raramente eu as escutava, e já não era "bom dia" nem "bom dia, Iva", era "bom dia, Iva. Tudo bem?" e o melhor, Dante aparentava estar de muito bom-humor, exultante! E não foi só impressão minha, deveras ele passou toda a manhã risonho e tranquilo.
Ao meio-dia, Dante ia saindo da empresa, pois também estava liberado, e eu corri para ter com ele.
- Dante, espera!
Gritei e ele parou para me ouvir.
- O que foi, Iva?
- É que eu queria ter uma conversinha com você.
- Humm... Vai ser rápido?
Ele perguntou, olhando para o relógio em seu pulso, o que me deixava eufórica, pois era o relógio que lhe dei com todo meu amor.
- Sim, vai ser rápido.
- Está bem, diga.
- Não poderíamos nos sentar em algum lugar?
Eu perguntei, olhando de um lado para o outro, e Dante ressaltou:
- Iva, eu tenho que...
- É rapidinho!
- Está bem... Vamos para o carro.
- Para o carro?
- É.
Eu esperava que fóssemos conversar numa lanchonete ou num banco da praça, mas tudo bem, fomos para o carro de Dante e ali eu disse:
- É sobre Júlia...
- Júlia? Você falou com ela?
- Na verdade não, ela não atendeu ao telefone. Mas sei de algo que pode te ajudar a reconquistá-la.
- É? O quê?
- Uma serenata.
- Você está brincando comigo, não é?
- Dante, Júlia precisa saber que seu amor por ela é sincero e...
- Tudo o que ela sabe é que sou um mentiroso e um completo idiota.
- Você não tem escolha, vai tentar ou não?
- E... Como eu vou fazer isso?
- Vou te explicar tudo...
Tivemos uma longa conversa ali e Dante nem lembrou-se do que ainda precisava fazer, porquanto estava muito interessado no assunto. Já às 15:00h da tarde, meu tio me levou de carro para visitar a vovó na casa de ajuda psiquiátrica, para não dizer "hospício", sendo que esta palavra não me agrada.
- Por que o senhor não entra comigo dessa vez?
- Péssima idéia, Iva, você sabe que sua avó não vai com a minha cara, não sei por quê.
- Ela não vai com a cara de mais ninguém, tio. Vamos lá!
- Tá, tá...
Vovó estava sentada no banco e conversava sozinha, no momento em que eu e meu tio nos aproximamos. Eu sorri para ela e disse:
- Olá, vovó Esmeralda, como a senhora está?
- Menina mal-educada, cumprimente também o Pedro!
- Mas, quem é Pedro?
- Meu grande amor.
- E onde ele está?
- Aqui do meu lado! Por acaso não está vendo?
Olhei para o lado e o banco estava vazio, então falei:
- Vó, não tem ninguém aí.
Então ela se chateou e voltou a falar sozinha:
- Não, meu amor, não dê ouvidos à ela! É uma menina sem escrúpulos e muito má!
Tio Ricardo tomou a frente e, chamando a atenção de minha avó, falou:
- Olá, dona Esmeralda...
Ela o fitou tão profundamente, como se buscasse vestígios de alguma lembrança adentro de seus olhos e, por fim, disse:
- Adolfo? Você aqui? Como cresceu e... Onde está sua mãe? Sinto tanta falta dela...
Tio Ricardo olhou estupefato para mim e vice-versa. Ele sussurrou:
- Ela está delirando.
E eu baixei a cabeça e dei um suspiro de tristeza, era extremamente doído vê-la naquele surto, onde já nem mais reconhecia as pessoas a quem amava e que a amavam. Ao saírmos de lá era sempre do mesmo modo, eu não queria dar uma palavra e me afogava em lágrimas amargas e tristes. Mas aquele dia ainda prometia surpresa ao longo da noite, pois Dante se dispós a seguir meu plano e tentar uma serenata para Júlia. Só bastava eu aguardar o próximo dia para saber no que aquilo resultou.
Quando o próximo dia veio, prontamente procurei por Dante para saber como ele havia se saído, mas, por seu semblante desanimado dava-se para imaginar que não foi tão bom.
- E então, Dante, como foi?
- Eu comprei o buquê de rosas e a caixa de bombom, como você me falou...
- Que bom. E que mais?
- Levei os músicos até a frente da casa e comecei a recitar um poema e depois tocaram a nossa canção...
- E o que aconteceu? Vai, diz!
- Daí, a janela se abriu e uma senhora jogou um balde d'água na gente e pediu para pararmos de fazer barulho, porque ela queria dormir.
- Oh, meu Deus, você errou a casa!?
- Não, Júlia se mudou faz uma semana, segundo a nova dona da casa.
- Puxa...
- Mas que... Droga! Será que tudo tem que dar errado para mim?
Dante voltara ao seu estado normal, irritado e nervoso. Eu tentei acalmá-lo, ainda que com um pouco de receio, lhe disse:
- Calma, vejamos o lado bom: agora sabemos que Júlia ainda está aqui na cidade e não resolveu voltar para Londres.
- E como eu vou saber se aquela velha maluca estava dizendo a verdade? Pode ser que somente os pais de Júlia tenham se mudado e que Júlia já esteja bem longe.
- Acho que não... Ou ela teria me dito por telefone.
- Será que você ainda não entendeu? Ela está querendo se livrar de mim!
- Hummm... Você sabe pelo menos o novo endereço deles?
- Não. Eu ia perguntar àquela velha lunática, antes dela começar a jogar coisas em mim.
- Bom, deve haver outro jeito...
Eu filosofava, enquanto o olhar de Dante estava caído ao chão e ele reclamava em lamúria sua dor. Falei:
- Vou tentar ligar para ela mais uma vez, pode ser que...
E ele, permanecendo cabisbaixo, me perguntou:
- Você quer fazer um lanche comigo, assim que saírmos da empresa?
- Cla-claro!
- Quero te contar umas coisinhas.
Dante recuperou sua postura e foi para sua cabine. Aguenta, coração.
Continua...