Capítulo 0
O despertador não funcionou. Eu estava atrasada, mas não com pressa. Minhas pálpebras se erguem desanimadas. Meus olhos por baixo, mortos de sono. Que dizer deles? São os únicos que acham que nunca precisam dormir, e minha mente acha que nunca seria preciso acordar, por que apenas os sonhos querem ser reais.
Mais um dia...
Mais um dia em que eu olho lá pra fora e não enxergo nada além de gente, de bicho, de mato, buzinas, barulho, de nada. Olho para os meus pertences e pergunto aonde que minha auto-estima tinha ido parar. Minha câmera, na qual eu adorava me esconder, carregava tantos sorrisos que ela mesma parecia sorrir pra mim.
"Vamos! Levante! Vem trabalhar comigo!"
... E eu ia.
Naquele hotel eu via os hóspedes felizes e relaxados. Achando que estavam fugindo dos problemas, dos falatórios de problemas, do barulho que os problemas causam. Mergulham e afundam na piscina, Jogam sinuca, jogam tênis... Dormem. Tudo o que não conseguiriam. Nos dez minutos em que observo isso minha cliente troca de roupa no banheiro. Um ensaio de casal. Como era esperado, seu parceiro não tinha levado 5 minutos pra trocar a única camisa extra que tinha levado. E ela, bom, não sei. Não me sinto confortável num banheiro com outra mulher, seja trocando de roupa ou falando sobre homens ou sobre uma maquiagem nova e que vai morrer se não comprar.
Ela volta.
Vestido estampado longo e uma sandália de salto baixo. Linda demais pra uma bermuda capri e uma camiseta amarela daquele cara. Óbvio que quando estiverem juntos numa mesma casa podem se dar muito "bem", com tantas opiniões diferentes.
Direção. Adoro quando alguém me diz que não sabe o que fazer para tirar fotos. Eu já tenho um roteiro na minha cabeça. Cabeça inclinada, testa com testa, mãos dadas, quadris soltos. Isso apenas pode fazer parecer uma hora de ensaio, se tornar duas.
No visor da câmera eu vejo tudo. Vejo o sorriso quando é falso e se eles estão felizes. Vejo se brigaram mais cedo ou se realmente estão ali por que os dois querem. Eles eram bons em fingir. Seria o álbum mais feliz de todos. Será que eles eram? Pra desmanchar o sorriso logo após o click da câmera? Não sei. Não julgo por que, de bagunça na vida, eu já tenho o suficiente pra tentar arrumar.
Me despeço, recebo, e sigo para saída do teatro... Quer dizer... Hotel. No portão ao olhar a hora vejo que foi mais rápido do que esperado, e quando levanto os olhos, vejo uma figura desconhecida e semelhante a uma memória que nunca existiu de verdade. Não pessoalmente. Era como uma foto em movimento.
Fazia sol e não havia olhar de cansaço. Os cabelos loiros saltavam enquanto não havia vento. Um leve sorriso para me cumprimentar enquanto os olhos verdes desviavam por simples timidez. Linda por si só, eu soube nos dois segundos que a vi. Eu parei na frente do hotel para encarar o fim da estrada de onde vinha o ônibus. E aproveitei para olhar pra trás. A caminhada dela era de alguém que tinha muitos planos, e que eles estavam se realizando. Ela olhava para frente e acima, confiante de ser uma pessoa que seria alguém. Que bom, espero que ela seja.
Ela me lembrou alguém. Seriam os vinte minutos mais longos naquele ponto pra recordar de certos pecados enquanto o ônibus não chegasse.