ELE ME ODEIA - capítulo IV
Eu acompanhava o movimento na casa que me causava tontura, e queria me aproximar de minha avó, no entanto, ela me renegava como se eu fosse-lhe estranha e esquecera dos cuidados que tive para com ela. Tudo o que eu queria era saber quando aquilo acabaria e como acabaria, somente algum tempo depois, o enfermeiro veio até mim e disse:
- Demos um tranquilizante à ela e está dormindo agora.
- Ela vai ficar bem, não vai?
- É o que esperamos. Mas caso ela volte a se descontrolar, nos avise, porquanto será o jeito enterná-la.
Horas depois, as viaturas e a ambulância abandonaram o cenário, nisso, fechei a porta e andei cabisbaixa pela sala. Fui discretamente até o quarto de hóspedes para ver minha avó, os enfermeiros a deitaram naquele quarto para evitar que ela tivesse alguma má reação para com meu avô. Ouvi seus suspiros de sono e a deixei dormir em paz, encostando devagarinho a porta. Entrando no quarto de meus avós, sentei-me ao lado de meu avô e alisei seus cabelos cinzas. Ele me perguntou:
- O que estava acontecendo lá fora, Iva?
- Vô, acho que a vovó não está muito bem...
Ele tociu e lhe dei um pouco d'água para beber, ele tomou um gole e disse:
- O que ela fez?
Me senti encorajada para dizer-lhe e toquei em sua mão... Lembrei-me de quando eu era criança e eles me enchiam de doces e quando me fizeram um balanço no quintal e me balançavam tão alto que eu quase alcançava as nuvens. Meu avô olhou para mim, para minha expressão abatida e eu lhe disse, enfim:
- A vovó feriu o tio Ricardo com uma garrafa de vidro, porque ele pediu para ela parar de tricotar um pouco... A polícia veio, e também enfermeiros...
- Sua vó fez... Coff! Coff! Sua vó fez isso?
Lágrimas caíram de meus olhos quando lhe respondi:
- Fez, vô...
- Mas ela nunca faria algo assim...
Ele ficou pensativo e eu abaixei a cabeça a chorar. Falei:
- Eles querem a enternar num azilo, ou num hospício... Não sei...
- Deus...
- Eu não vou deixar, vô! Não vou!
- E onde ela está?
- No outro quarto, para a segurança do senhor. Está dormindo.
Aquela conversa se prolongou e muito ouvi de meu avô e muito chorei, no que, ao final da conversa, nos convecemos de que se a vovó voltasse a agir de tal maneira, permitiríamos que cuidassem dela numa casa de idosos. E aquilo não tardou a acontecer... No meio da noite, ouvi o balançar da cadeira da sala e me levantei. Caminhei até lá e minha avó estava a tricotar novamente. Eu falei para ela:
- Vó, o que faz aí? É muito tarde. Vem, vou te levar para o quarto.
Quando eu ia me aproximar, ela gritou irritada:
- Saia daqui, menina malcriada! Me deixe tricotar em paz!
Me assustei e disse:
- Vó, são quase uma da manhã, a senhora precisa dormir...
Ela agiu de forma inesperada e atacou meu braço com as agulhas, me distanciei dela, pasmada, meu tio apareceu aos bocejos e perguntou:
- O que foi, Iva?
Eu estava muda, a fitar minha avó se balançando na cadeira e tricotando sem parar. Depois, olhando com receio para meu tio, murmurei para ele:
- Ela me furou com as agulhas...
No dia seguinte, às sete horas da manhã, bateram na porta e eu fui abrir, era a enfermeira. Ela disse:
- Olá, querida, sua vó está pronta para ir?
- Acho que sim...
- E onde ela está?
- Ali, tricotando. Mas não sei se vocês conseguirão apartá-la da cadeira.
A enfermeira se chegou até minha avó e, curvando-se para ela, falou:
- Está pronta, dona Esmeralda?
- Veja como está ficando linda essa toalha.
- Dona Esmeralda, vamos levar a senhora para um lugar bem tranquilo e lá a senhora fará muitos amigos e...
- Pra onde vão me levar?
Ela perguntou, cessando o tricô e demonstrando um olhar assustado. A enfermeira então respondeu:
- A senhora vai gostar, é um lugar muito bonito!
- Lá tem linhas para tricotar?
- Sim... Tem muitas linhas e também outras senhoras que tricotam assim como a senhora.
- Então me tire logo desse inferno e me leve para lá!
Me surpreendi com a disposição com a qual ela se punha de pé e acompanhou a enfermeira. Antes dela entrar na ambulância, quis eu abraçá-la, porém, ela negou meu abraço e disse-me:
- Você é igualzinha à sua mãe, chaaata...
Meu tio veio junto a mim e envolveu seu braço em minhas costas, juntos assistíamos minha avó entrar na ambulância e ir embora.
- Não fique assim... Poderá visitá-la todos os dias.
Disse ele, vendo como escorriam lágrimas de meus olhos. Abracei-o muito forte e chorei em seu ombro toda a minha tristeza, agora não tinha mais o bolo da vovó e nem o relato da novela das sete. Agora a cadeira não balançava mais.
Passado um dia sem ir ao trabalho, tomei coragem para aparecer na empresa, Paloma tratou logo de saber o por que de minha ausência e eu lhe contei o acontecido. Eu estava tão melancólica e tinha dormido tão mal noite anterior que minha expressão estava abatida. Embora assim eu me sentisse, algo fez-me sentir um alívio e uma luz raiar de frente aos meus olhos... Dante havia chegado e minha atenção estava agora voltada só para ele.
- Bom dia...
Eu o cumprimentei, no entanto, ele me ignorou e passou direto. Paloma balançou a cabeça com negatividade e disse:
- Não liga pra ele, é um tolo.
Mas era impossível não prestar atenção em Dante, embora este só me desprezasse. Dediquei-me em atender as ligações e evitei pensar em Dante, o que para mim era coisa inviável. Na hora de sair, vi Dante caminhar até o bebedouro e, querendo apenas um copo descartável ele acabou derrubando todos os outros copos, que se espalharam pelo chão. Eu sorri e falei com graça:
- Cuidado...
Ele, que estava a ampanhar os copos, levantou o rosto para mim com aquele olhar que me enchia de medo, e falou:
- Não vi nada de engraçado, vê se não enche minha paciência. Agora, dá licença!
Depois de suas amargas palavras, me retirei, arrependida desde a primeira sílaba que falei. Fui até o banheiro e, de frente ao espelho, reconheci minha dor, respirei fundo... Me encostei na parede e deslizei até o chão, fiquei ali, desconsolada, cansada de tudo. Ouvi então uma conversa de Paloma com Dante, vinda do corredor... Paloma dizia:
- Precisava ter sido tão grosso com ela?
Escutei Dante responder:
- Se ela parasse de encher o meu saco eu não teria por que lhe dizer nenhuma palavra!
- Sabe o que você é, Dante? Um moleque! É, age feito uma criança! E quer saber mais? Iva está muito triste, sua avó foi arrastada para um hospício e seu avô está há dias enfermo sobre a cama e mau pode se mover! Isso basta para você?
Depois disso, não ouvi nada mais. Olhei para o lado e vi a maçaneta da porta girar... Paloma entrou no banheiro procurando por mim...
- Iva?
Me viu ali sentada e correu para mim, e apoiando minha cabeça em seu colo, disse-me:
- Não chora... Vai ficar tudo bem...
Voltei para casa e, antes de qualquer coisa, fui direto ver meu avô no quarto, ele estava dormindo e ao lado da cama estava uma bandeja com pão, leite e frutas. Meu tio entrou no quarto e disse:
- Ele não quis comer, mas deixei a bandeja aí, caso sentisse fome.
- Desde que horas está dormindo?
- Faz pouco tempo. É melhor deixar ele descansar... Tociu muito.
Enrolei seus pés descobertos e abandonei o quarto. Me sentei junto ao meu tio na mesa e conversávamos...
- Amanhã vou sair mais cedo do trabalho e aproveito para visitar minha avó. O senhor vem comigo?
- Hummm... Acho que não é uma boa idéia, talvez ela não goste de me rever.
Fitei-o e fiquei pensativa... Mas, fui despertada pelos tocidos de meu avô e fui ver se ele estava bem. Não parava de tocir. Dei-lhe água, mas não resolveu muito, achei melhor o remédio para toce, amenizou um pouco, não tanto.
- Está melhor, vô?
- Coff! Coff! Sim, mas sinto um pouco de dificuldade para respirar...
- Espere, vou abrir a janela, talvez ajude...
Abri a janela do quarto e correu mais ar pelo cômodo.
- Está melhor.
Ele disse e foi fechando os olhos. O deixei dormir. Amanheceu o dia e me levantei. Tomei um bom banho, me arrumei para mais um dia de trabalho e, antes de ir, fui me despedir de meu avô... Ele ainda dormia.
- Vô? Já estou indo.
Murmurei, agachada ao lado dele. Ele não pareceu ouvir. Sorri e me levantei, mirei seu rosto novamente, tão quieto, tão pálido... Voltei para perto dele e balancei devagar seu ombro.
- Vô? Vô, está me ouvindo? Vô? Tio, corre para cá!
Gritei, em susto, e meu tio foi até o quarto.
- O que foi, Iva?
- Meu vô... Não... Não quer acordar!
Ele me fitou, quieto por um instante, e depois aproximou-se de meu avô, tocando seus dedos em seu pulso e conferiu sua respiração. Após alguns segundos, virou-se para mim e falou:
- Iva, ele não respira mais.
Continua...