Hermes - O psicopompo - por Hellen Mourão
Hermes - O psicopompo
por Hellen Mourão - hellenmourao@gmail.com
Hermes era Filho do deus Zeus e da deusa Maia. Nasceu num dia quatro (número que lhe era consagrado), numa caverna do monte Cilene, ao sul da Arcádia. O menino revelou-se de uma precocidade extraordinária, apesar de enfaixado e colocado no vão de um salgueiro, árvore sagrada, símbolo da fecundidade e da imortalidade, o que traduz, de saída, um rito iniciático.
No mesmo dia em que veio à luz, desligou-se das faixas, demonstração clara de seu poder de ligar e desligar, e viajou até a Tessália. Lá furtou uma parte do rebanho de Admeto, guardado por Apolo.
Amarrou ramos na cauda dos componentes do rebanho, para que, enquanto andassem, fossem apagando os próprios rastros. Numa gruta sacrificou duas novilhas aos deuses, dividindo-as em doze porções, embora os imortais fossem apenas onze: é que acabava de promover-se a décimo segundo. Encontrou uma tartaruga no caminho, retirou-lhe a carapaça e, com as tripas das novilhas sacrificadas, fabricou a lira.
Apolo descobriu o roubo e o acusou formalmente perante Maia, que negou que pudesse o menino, nascido há poucos, dias ter praticado semelhante delito. Apolo apelou para Zeus, que interrogou ao filho, persistindo este na negativa. Zeus, convencido da mentira do filho, obrigou-o a prometer que nunca mais mentiria, no que Hermes concordou. Zeus, contudo, acrescentou que Hermes não estaria obrigado a dizer a verdade por inteiro.
Apolo ficou encantado com o som que Hermes arrancava da lira, trocando assim o rebanho roubado pelo instrumento.
Em outra ocasião, Hermes criou a “flauta de Pã”. Tendo Apolo gostado da flauta, propôs-lhe uma troca: ofereceu em troca o “cajado de ouro” (Caduceu), que usava para guardar o gado. Hermes aceitou, pedindo, além do cajado de ouro, lições de adivinhação.
Apolo assentiu. Desse modo, o caduceu de ouro passou a figurar entre os atributos principais de Hermes, que, de resto, ainda aperfeiçoou a arte divinatória, auxiliando a leitura do futuro por meio de pequenos seixos.
Os mitos descrevem Hermes como uma divindade complexa, com muitos atributos e funções. Todas associadas à flexibilidade, inconstância, imparcialidade, ausência de fixação, e também associadas a características secundárias a estas, como a sedução, a mentira, a adivinhação, astúcia, etc. Essas características plasmaram a imagem de Hermes em formas diversas, a saber:
Deus agrário, protetor dos pastores nômades indo-europeus e dos rebanhos.
Tem qualidade de “Trickster”, pela astúcia utilizada ao ter furtado o rebanho de Apolo, tornando-se o símbolo de tudo que remeta a astúcia, ardil e trapaça; amigo e protetor dos comerciantes e dos ladrões.
Hermes é um dos “menos olímpicos dos imortais”, pois gostava de se misturar com os homens. Zeus disse-lhe certa vez; -“Hermes, tua mais agradável tarefa é ser o companheiro do homem; ouves quem estimas”, ampliando-lhe, assim, as funções (companheiro do homem, dispensador de bens).
Regente das estradas, pois se locomovia com incrível velocidade, devido as sandálias de ouro que usa. Não se perdia na noite porque dominava as trevas. Para agradecê-lo ou para obter bons lucros, os viajantes lançavam pedras aos caminhos, em honra ao deus. A pedra tem, neste caso, um significado especial, simboliza a união do crente com o Deus, ao qual as mesmas características são consagradas; na pedra está a força, a perpetuidade e a presença do divino (protetor dos viajantes, das estradas).
Conhecedor dos caminhos, sem ponto fixo e sem morada definida, Hermes era mensageiro dos deuses entre si, é mensageiro entre estes e os homens. Realiza a função de psicopompo, conduzindo assim as almas dos mortos a Hades, e também trazendo-as à luz, quando solicitado.
É aquele que transmite toda ciência secreta. Não sendo apenas um deus olímpico, mas igualmente ou, sobretudo um "companheiro do homem", Hermes tem o poder de lutar contra as forças ctônias (terrenas), porque as conhece. Todo aquele que recebeu deste deus o conhecimento das fórmulas mágicas tornou-se invulnerável a toda e qualquer obscuridade. Aquele que é iniciado pelo luminoso Hermes é capaz de resistir a todas as atrações das trevas, porque se tornou igualmente um "perito".
Como dito anteriormente, Hermes, assim como o romano Mercúrio, o africano Exu, o egípcio Thot e o hindu Ganesha, representa o arquétipo do psicopompo.
Psicopompo é uma palavra que tem origem no grego psychopompós, junção de psyché (alma) e pompós (guia) e designa um ente cuja função é guiar ou conduzir a percepção de um ser humano entre dois ou mais eventos significantes.
Arquétipo que efetua a tarefa de revelar um símbolo ou sentido de orientação, necessário para a continuidade da trajetória individual de quem o encontra.
Este guia interior pode ser de natureza humana, (na mitologia grega como Ariadne), animal (coelho de Alice no País das Maravilhas) ou espiritual (como no caso de Hermes).
Quando nos encontramos em um estado de identificação unilateral com nosso ego e a vida consciente, podemos ser surpreendidos por eventos que desestruturam nosso equilíbrio emocional. Nessas ocasiões Hermes se fará presente, fazendo traquinagens a fim de restabelecer a integridade psíquica, levando o individuo a lidar com neuroses, somatizações e outras dificuldades psíquicas.
A capacidade desse Deus de lidar com os três níveis – o inferior, o terreno e o superior, o torna capaz de transitar e trazer mensagens destes planos. Em uma análise profunda, é capaz de trazer mensagens do inconsciente para a consciência, possibilitando que os conteúdos reprimidos (sombra) e o nosso lado não digno sejam elaborados e ressignificados.
Além disso, a capacidade de conduzir almas por estes planos o torna, sob o ponto de vista da psicologia analítica, um condutor dos seres em sua transmutação e em seu processo de individuação.
Portanto, a presença deste arquétipo é de importância vital para o processo psicoterapêutico e de individuação, uma vez que esse é um trabalho em conjunto de negociação entre inconsciente e consciente.
O ato de se tornar consciente, portanto, deve passar pelo nosso lado menos bonito, menos digno, aquilo que não agrada o coletivo e que constantemente desprezamos, mas que é extremamente necessário para entrarmos em contato com outros lados de nossa personalidade. Pois somente aquilo que evitamos é que pode nos curar!
por Hellen Mourão
Psicanalista formada pela Sociedade Brasileira de Psicanálise Integrativa. Analista Junguiana formada pela Facis - Ibehe. Especialista em Mitologia e Contos de Fada.
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