Sob Olhar das Erínias — Parte I

19h00min - Escola Estadual Nísia Floresta

Mal o sinal tocara e Arthur, junto de outros estudantes, adentrou no colégio. Ao parar próximo do banheiro dos meninos, tirou depressa a mochila das costas e abriu um dos bolsos externos. De dentro dele pegou o papel que informa o número da sala e da turma em que ficara.Após se certificar quais eram, lançou a mochila às costas e pôs-se a procurá-los. Pela escola ser pequena, logo encontrou a turma.

Ao contrário da grande maioria a derredor, seus colegas já haviam entrado em aula e, pela voz da professora berrando nomes, a chamada iniciada.Era o primeiro dia de aula. E Arthur estava um tanto temeroso quanto a isso. Passou boa parte da vida escolar noutro colégio, e agora ter que se adaptar a novas regras dum outro lugar, a professores diferentes e a uma nova turma, não era nada animador. Teria de começar tudo de novo. É fato que já fora aluno do Nísia Floresta, estando familiarizado com a escola em si, mas isso já fazia muito tempo .

"É... Os próximos cinco meses serão bem longos...", pensou Arthur, desanimado.

Quando iria bater na porta, deteve-se. Aí sacudiu a cabeça com força, afastando os pensamentos negativos.

"Que isso, Arthur?! Se entrar com esse espírito, vai atrair o que não quer! Em vez de preocupar-se em se vai ser aceito ou não, vai ser muito melhor tentar me dar bem com eles. Quem gostar gostou. Até porque...",e apertou com força o pentagrama pendente em seu peito," Eu nunca estou sozinho..."

Então, animado e confiante, bateu na porta.

— Entra! — gritou a professora lá de dentro.

Ao fazê-lo, todos voltam à atenção nele.

— Sim? — pergunta a mestra, sentada à sua mesa. — Fui transferido, e...

— Ah, o aluno novo... — disse ela, interrompendo o outro bruscamente, logo que fita o caderno de chamada,indagou: — Arthur, certo?

— É.

— Ok. Vá escolher um lugar e seja bem-vindo.

— Obrigado. Qualquer um?

— Uhum. Não se preocupe, os donos deles não voltam mais. Pararam de vir lá por maio.

Enquanto a professora retomava a chamada, o garoto se acomodou numa carteira rente a parede. Não se considerava bagunceiro o bastante para alojar-se no fundo da sala, nem quieto demais para ficar lá frente. Sim, ali estava bom. A "turma do meio" fazia mais seu perfil.

No momento em que a chamada foi findada, chegou uma garota ruiva.

— Acabei de terminar a chamada, Agnes. Levou falta. — avisou a professora, austera.

De pressa, a guria tirou o celular do bolso e olhou-o.

Então, contrariada, disse:

— São sete e dez sora! Tem mais cinco minutos de tolerância! A senhora tinha que esperar mais um pouco antes de fazer a chamada...

— Correto, se estivéssemos na semana passada. O tempo limite pós-sinal mudou, agora é de cinco minutos. Deram o aviso na sexta. Saberia se tivesse vindo...

De cenho fechado, a menina rumou ao seu assento. Jogou com força o fichário sobre a sua mesa e arrastou a cadeira. Então se atirou pesadamente nela.

— Não é obrigada a ficar, sabia?! — advertiu a professora, seca, mirando a adolescente.

Emburrada, a outra desviou o olhar da professora, cruzou os braços e nada respondeu.

— Muito bem! — soltou a mestra, voltando-se para a classe. — Precisarei de dois voluntários pra me acompanhar à biblioteca e ajudar a trazer alguns livros de história. Quem se candidata?

Cinco levantaram a mão. Dentre eles, Arthur, o único homem a se apresentar.

— Que vergonha... Nenhum dos guris, salvo o colega novo, prontificou-se a ajudar. Tenho pena das mulheres de vocês. Vão varrer a casa e trocar o chuveiro!

— A minha faz mesmo! — exclamou um lá do fundo. — Ai dela se eu chegar e a comida não estiver pronta e a casa limpa, do só de tapa na cara dela!

Com exceção de Agnes, todos riram.

— Não mente Paulo — largou um, do outro lado da sala. — Dá em quem? Se nem ficar tu consegue!

— É eu não preciso! Me divirto bastante comendo a tua mãe! — respondeu Paulo, bravo.

Imediatamente a turma dividiu-se em duas partes: a turma das gargalhadas (HAHAHA!) e o grupo do "Báááhhh!".

— Tá, já chega os dois! — ordenou a professora. — Mas se quiserem continuar a conversa, podem ir pra rua! - concluiu, apontando à porta.

Zangados, os rapazes entreolharam-se e se aquietaram. Paulo retomou a conversa com seus amigos enquanto o outro recomeçou o diálogo com sua namorada.

— Ótimo. — dirigindo-se para a entrada, a mestra seguiu: — Vamos, Arthur e Bárbara.

A jovem sentada ao lado de Agnes voltou-se a ela e, de gozação, disse:

— Acordou de TPM hoje, hein?

— Ah, não enche, Rosana! — seguiu ainda irritada, sem olhar para a garota — Não tô boa...

— O que houve? Brigou de novo com o Cristhian?

— Devia largar aquele mané! — afirmou a adolescente sentada atrás de Agnes. — Tu era mais tranquila e livre antes de ficar com ele. Agora só vive estressada e grudada nele.

— Querem me deixar em paz?! — vociferou Agnes, batendo com força o punho na mesa.

— Ui, ta brava a gatinha! — falou um babaca lá do meio da sala, cercado de amigos mais babacas ainda. — Quer que eu te amanse?

Enraivecida com a provocação, a menina se levantou num salto, pegou a cadeira com as duas mãos e arremessou-a no pateta.Por rapidamente terem se afastado do palerma, e este se jogado no chão, a "cadeirada" não acertou ninguém.Mas fez um estrondo e deixou todos pasmos.

— O que foi isso?! — gritou a professora, entrado a passos largos, acompanhada de Arthur e Bárbara, carregados de livros.

— Foi a Agnes, sora! — acusou na hora o bocó, apavorado, pondo-se em pé. — Ela é louca!Tocou a cadeira em mim!

— Porque mereceu imbecil! — exclamou, exasperada, a guria. — Vai mexer com a vó!

— Agnes, Pablo, já pra direção! - mandou a mestra, indicando a saída. — E me esperem lá!Tentem não se matar no caminho, por favor!

Encarando Pablo, a garota bufou, e, a passos pesados, saiu andando. Instintivamente, Arthur e Bárbara saíram da porta. Logo que ela passou por Arthur, ele fitou-a e, sério, pensou: "Garota maluca...".

— Tá esperando o que, Pablo? - questionou a professora, severa, observando que ele ainda não havia ido.

— Na-Nada. — respondeu o guri, tremendo-se todo. Alcançado o limiar da entrada o garoto parou e, por cima do ombro, perguntou :— A-A senhora não vem...?

A turma caiu na risada.

— Todo cagado! — berrou um lá do fundo.

— Tsc! Vai à merda, Marcelo! — retorquiu Pablo, bravo.

— É hoje! — exclamou a professora, junto dum gesto pro alto. — Anda Pablo!E fecha a porta!

Foi-se.

— Bárbara e Arthur, podem largar os livros ali. — proferiu a mestra, apontando para uma carteira fazia. Depois de obedecerem, a professora agradeceu e mandou-os de volta a seus lugares.

Então, de sua mesa, apanhou um maço de folhas de ofício, virou-se a uma das garotas sentadas a frente e disse:

— Natasha, distribua pra mim. — continuou, em seguida que passou as folhas a guria: — As respostas das questões encontram-se da página 65 a 106. Se alguém ficar sem livro, sente junto com o colega. Fazer em folha separada, mas entregar junto com a folha das perguntas. Sete pontos se entregar ainda hoje e quatro se amanhã.

— E se não entregar nunca?! — gritou um aluno.

— O que tua acha? — interpelou ela, áspera, dirigindo-se a porta — Podem começar. E arrumem as cadeiras nos lugares!

O sinal para o segundo período soara.

Pátio da Escola — Bloco B

Quase toda uma turma achava-se fora de sala. Alguns tagarelavam, outros namoravam,e uns poucos solitários fumavam,falavam ao celular, ou se não assentado no corredor, ouviam música.

Cristhian conversava animadamente com seus amigos quando Vera, uma mulher rechonchuda de aspecto severo, avistou-os. Então, ela torceu a cara e rumou a eles.

Gesticulando furiosamente, esbravejou:

— Todo mudo pra dentro! Acham que aqui é "a casa da mãe Joana"?!

— Vai dormir veia! — exclamou Cristhian, anexo dum gesto, provocando risotas dos colegas e ações semelhantes amigos.

— Tão rindo de que, pestes?! — bradou a mulher ainda mais nervosa, enquanto a cambada zombava dela. — Passem já pra dentro!

— Volta pro teu véio, Vera! — berrou Cristhian, antes de entrar correndo na sala, acompanhado dos amigos. O restante da garotada fez o mesmo.

Enquanto a galera ia sentando, Vera, encolerizada, bateu a porta e soltou:

— Vocês devem ter um bicho carpinteiro na bunda que não deixa vocês pararem quietos mesmo! Será que ainda não sabem que nas trocas de disciplina deve-se permanecer na sala?!

— O professor não vem nunca! — reclamou um. — Isso não é desculpa! Cada um deve fazer sua parte! — replicou Vera. — Bem... O que vim dizer mesmo...?Ai, vocês me deixaram tão louca que até esqueci o recado!

— Quando a idade chega... — caçoou Cristhian, esparramado na cadeira.

— Tu me respeites, rapazinho! — advertiu ela, apontando para o adolescente. — E senta direito guri! Aqui não é a tua casa!

A contragosto, Cristhian obedeceu.

— Ah, lembrei! — largou a mulher. — O professor Leon e a professora Patrícia não vieram, portanto, esse período será vago. Só terão o próximo.

A classe comemorou.

— É isso! Tchau pra vocês! — disse Vera, saindo. Mas aí ela retornou e gritou: — Fiquem na sala!

— Vai embora, Vera! — exclamou Cristhian, ao mesmo tempo em que seus amigos, atirando bolinhas de papel nela.

— E aí Cristhian, vamo dá uma volta depois no CTG? — perguntou um dos amigos dele, assentado ao lado.

— Não vai dá, Ramiro. Hoje eu e a Agnes vamos dormir cedo... — concluiu, com um sorriso travesso.

— Vai só "judiar",então... — indagou outro dos seus parceiros, este, sentado à frente do garoto. — Na casa da guria, né???

— Heh, não vai dar. Os velhos dela tão na casa hoje e eles não vão com a minha cara. Mas o meu véio tá de ronda noturna nesse mês e o hospital botou a coroa pra atender a emergência durante a noite.

— Bem certinho... — comentou o que se encontrava adiante de Cristhian, todo taradão.

— Aham! — concordou o jovem, satisfeito.

Enquanto isso, na sala de aula de Arthur...

Quando o sinal do terceiro período bateu, entrou. Agnes e Pablo. Ambos de cara amarrada.Logo que ela ocupou o seu lugar, Rosana indagou:

— E aí, como foi lá?

— Ah, nada de mais. Tá tudo bem.

— Ó, guardamos pra ti. — comunicou a amiga detrás dela, estendendo o livro de História. — As folhas com as perguntas estão aí debaixo da mesa...

— Tsc! Não vou fazer droga nenhuma! — replicou, olhando feio para a professora. - Só me queimô pro diretor. O Pablo que começou e ela não disse nada. Ainda bem que o Cassiano é tri. Ah, nem sei por que ainda venho na aula dessa véia...

— Tá, tu pode até não gostar dela, mas precisa dos pontos se quiser passar. — lembrou a menina às costas da garota.

— Humm... É, fiquei com vermelho no boletim. Tá bom Gabriele, me passa essa bosta! — disse, pegando o livro.

Como 5% da turma estava concentrada na tarefa, 60% interessada em papear e 40% preocupada em catar cola sala a fora (e até fora dela) ninguém percebeu Arthur observando Agnes.

"Impulsiva e desbocada", cogitou ele consigo, "E isso deve ser só o começo... Essas roqueiras são tudo da pá virada mesmo...", concluiu antes de retornar a atenção ao trabalho.

— Já vai bater para o recreio. - avisou a professora, em pé perante a classe, pronta para ir. — Quem não terminou pode levar o livro para casa, mas, sem falta, me tragam amanhã! Porém, se forem entregar ainda hoje, eu estarei na 3008 depois. Arthur e Bárbara recolham pra mim, por favor.

Mal o trio deixou o recinto, o sinal tocou. Agnes e suas amigas foram as primeiras a sair. Avistaram Cristhian, acompanhado dos amigos, vindo em direção delas.

— E aí, amor. — cumprimentou o adolescente, antes de meter as mãos no traseiro de Agnes e beijá-la.

Desgrudando os lábios (mas não as mãos) dela, ele, melosamente, cochichou:

— Tá com fome...?

— Aham... — respondeu a outra, toda boba, com os braços em torno do pescoço dele. — Então vamo lá pro barzinho da tia, que te compro alguma coisa, tá?

— Tá... — concordou a menina, sorridente, antes de voltarem a se beijar.

Saindo da biblioteca, Arthur enxergou Agnes e Cristhiam de mãos dadas, dentre a gurizada, dobrar o corredor que levava ao bloco B.

— Christian! — soltou ele, surpreso, antes de desagradáveis recordações tomarem-lhe a mente...

Era recreio na escola Nísia Floresta; crianças risonhas corriam pra lá e pra cá brincando de pega-pega, já outras pulavam corda, amarelinha ou se não apenas conversavam animadamente entre si.

Contudo, a grande maioria delas divertia-se nos brinquedos (balanços, gangorras, escorregadores, etc.) esparsos pelo pátio.Sob a sombra de uma árvore frondosa, Arthur sentou-se num banco de pedra. Aí pôs sua lancheira no colo e abriu-a. Nesse momento, chegaram cinco meninos...

Um deles adiantou-se e, de olho no embrulho no interior da merendeira, adjacente a uma maçã, interpelou:

— O que é isso aí, Arthur?

— Dois sanduíches, Cristhian. — respondeu o garoto, sério.

— De quê?

— Salame e frango.

— Divide aí com a gente.

— Não vai dá pra todos Só tem dois sanduíches, e somos seis...

— Claro que dá! É só partir em pedaços pequenos. Se não sabe fazer, deixa que eu reparto. Claro, você fica com a parte maior...

— Não. Sai fora!

— Ah, não vai se fazê né Arthur? Só dessa vez! Prometo que tu vai ficar com a maior parte. E tem mais, se libera aí, prometo não te incomodar mais!

Tão logo Arthur fitara o chão para pensar, os amiguinhos de Cristhian começaram a pressionar dizendo coisas como: "É, ele ta falando sério!", "Vamos lá Arthur, libera o comes!" "Divide aí, pô!", etc...

Aí o menino encarou Cristhian e soltou:

— Não acredito em você!

— Se não quer por bem... Peguem o palerma, pessoal!

Arthur saiu correndo, mas foi pego pelo braço e derrubado numa rasteira. Dois o seguraram firme contra o chão.

— Saiam de cima de mim! — berrou Arthur.

— Levantem ele.— ordenou Cristhian, apanhando os sanduíches. Ergueram Arthur de frente para Cristhian. O primeiro debatia-se muito, desesperado para se soltar, mas foi inútil. A força de dois contra um venceu.

— Por culpa tua caíram o chão. — proferiu a peste, apresentando o lanche.— Não queremos mais. Toma de volta!

Esboçando um sorriso maldoso, ele esmagou a merenda no rosto do menino.Em meio às risadas debochadas dos companheiros, Cristhian largou:

— Palerma!

Feito isso, deu meia-volta e foi-se.Arthur, junto de um berro de ódio e dor, saiu correndo.

Em outra recordação,Arthur, em aula, lia tranquilamente um livro intitulado "Wicca Essencial", de Paul Tuitéan e Estelle Daniels, quando Cristhian e seus amigos inventaram de arremessar aviãozinhos de papel nele.

— Querem parar! — exclamou Arthur, exasperado, por cima do ombro.

Em quanto seus amigos caiam na risada, Cristhiam debochou:

— Cuidado, se o Arthur se invocar, pode mandar os amigos dele, as Fadas e Duendes, nos pegarem! Ou quem sabe jogar uma maldição na gente! Hahaha!

A gozação foi geral.

Então Arthur levantou-se depressa e vociferou para Cristhian:

— Vocês se amaldiçoam sozinhos!

Em seguida partiu em disparada da sala.

Em mais outra recordação, Arthur deixava a escola,junto de uma penca de estudantes, quando se aproximou Cristhian e seus amigos. Estes, montados em bicicletas.

O energúmeno, unido a um empurrão, berrou:

— Tchau, bobalhão! Os amigos do diabinho ao passarem pelo garoto, estatelado no chão, falaram coisas como "Pamonha!", "Esquisito!", "Bocó!", e outras do tipo.

Arthur senta-se e, irado, começou a bater na terra.

De volta ao presente,o jovem socou a parede perto dele e, entre dentes, murmurou:

— Cristhian... Pensei que tivesse ido pra longe...

De repete o celular tocou. Atendendo-o, indagou:

— Quem é?! Ah, e aí, Apolo! O que manda? Amanhã? Claro! Que hora? Tá. Mas por que da urgência...? É, entendo. Cinco minutos e já se foram todos os créditos. Então tá, conversamos melhor amanhã. Até.

A poucos passos da biblioteca, uma adolescente deixou cair uma pilha de livros de matemática.

De imediato, Arthur guardou o celular e foi ajudá-la.

— Obrigada. — agradeceu a guria.

— De nada. — devolveu ele, apanhando alguns exemplares.

Gian Felipe Author e A. Henrique SR
Enviado por Gian Felipe Author em 03/10/2015
Código do texto: T5402664
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