Capítulo 4 – Do jeito que a banda toca


- ELA ESTÁ VIVA E VOCÊ NÃO ME DISSE! VIVA, ME ODIANDO, QUERENDO SE VINGAR E VOCÊ NÃO ME DISSE!

Os funcionários da loja em que Bernard trabalha como gerente me olhavam, assustados. Bernard me puxou para dentro de sua sala, antes que eu assustasse também os clientes.

- Se me demitirem vou na Babinsky Company pedir emprego, acho bom você saber disso. – Ele exclamou, sentando-se em sua cadeira. Eu estava com a mão no rosto, digerindo as últimas quatro horas em que minha vida novamente virou de cabeça pra baixo. – E antes que você grite mais uma vez. Sim, já sabia que ela está viva e sim, ela te odeia e quer se vingar.

- Eu quero saber o porquê de você não ter me contado, Bernard!

- Hã, vamos dizer que... Eu estou sendo chantageado pela Maria Luíza.

- Chantageado? – Ele assentiu. Seu rosto havia certo ar de graça, que me deixou ainda mais confuso. O humor negro do Bernard às vezes é completamente irritante. – Por que?

- Eu não posso te dizer. – Abri a boca para contestar. – Ainda. E você como meu melhor amigo que confia em mim plenamente a ponto de não me fazer perguntas que não posso responder porque no momento é a loira que está tocando a banda.

Dei um suspiro e me sentei na cadeira. Conheço Bernard o suficiente para saber que ele não vai me contar a chantagem de Maria Luíza. Então, por enquanto não gastarei energias tentando descobrir.

- O que ela te disse? – Perguntou Bernard, notando o meu estranho silêncio.

- Ela parece completamente contente em me odiar e se vingar de algo que só existe na cabeça dela... Mas não sei... Tem algo nela que ainda me lembra um pouco a antiga Malu, sabe?

- Sim, o branco dos olhos. - Revirei os olhos. - Eu a encontrei no aeroporto, estava me despedindo de um amigo... Ela... Como eu posso te explicar... É como se a Maria Luíza não se lembrasse das coisas boas que vocês passaram. Quer dizer, que todos nós passamos. Tipo uma lavagem cerebral, entende?

- É exatamente isso. – Me ajeitei na cadeira. – Ela disse que eu fui a pior coisa que já aconteceu na vida dela, Bernard.

Bernard deu um suspiro, tenso. Maria Luíza fora uma pessoa que marcou não apenas a minha vida, como também a dele. Admito que já tive ciúmes da relação deles, da forma que um parecia se envolver o outro de um jeito que nem eu era capaz de entender. A volta dela também o afetou, naturalmente.

- Michel... Eu acho que inicialmente ou pelo menos até descobrirmos uma forma de pará-la, você tem que a "banda tocar” do jeito dela.

- Eu acho que não entendi direito. Você quer que eu deixe a Maria Luíza agir como bem quiser? – A pergunta saiu esganiçada, como o meu desespero interior. Eu não quero deixar claro que a temo, mas talvez seja necessário para ver se meu amigo me apoia.

- Por enquanto, pelo menos. Iremos descobrir um modo de para-la.

- Bernard...

- Michel, eu sei que você já passou por merda demais por causa do sumiço de Elena, mas, por favor, tenha paciência com a Maria Luíza. Ela ainda é aquela loira espantalho que adorávamos perder tempo infernizando.

- Basta descobrir como trazê-la de volta.

- Isso aí!

- E é aí que mora o problema.

- Você vai conseguir. Eu tenho fé.

(...)

Bernard estava errado sobre ter fé em mim. Graças a Maria Luíza eu começava a perder a minha fé em Deus e nas coisas da vida. Concluí após duas semanas trabalhando com aquela infeliz que o diabo voltara a terra para me atormentar. Eu a ODEIO. Eu quero colocá-la na cadeira de trabalho da minha mãe e ARRANCAR os dentes dela. Como eu pude amar alguém como ela?

Duas semanas desde a despedida de Paulo Lemos, Maria Luíza tem feito de tudo para demonstrar a que veio. Ela cortou todo o tipo de regalia que me deram na empresa (eu entrava as 07:30 no trabalho, agora entro as 06:45), até o meu horário de almoço foi reduzido tudo porque ela não achava correto meu almoço ser de uma hora já que sou seu braço-direito e precisa de mim sempre disponível. Além de outras coisas completamente irritantes e desnecessárias.

Em que momento a ditadura voltou ao Brasil e não me avisaram?

Nas reuniões de trabalho que geralmente eu apresentava, ela fazia questão de apresentar ou então “contestar” a tudo como se estivéssemos na porra do ensino médio. Essa é a forma dela se vingar, mas não está tendo muito sucesso já que não esboço reação alguma quando ela me provoca.

Sei que a intenção dela é me fazer perder o controle, mas vamos ver quem é capaz de tirar alguém do sério nessa empresa.

- Michel? – Leila entrou em minha sala. Desde a chegada de Maria Luíza ela anda completamente irritada, ainda mais quando a loira resolve jogar todo o seu veneno para cima de minha secretária. – A Barbie está te chamando e parece que é urgente.

Dei um muxoxo triste e apoiei as mãos no queixo. Leila sentou-se na cadeira a frente e jogou as longas madeixas vermelhas para trás, depois ajeitou o vestido justo em seu belo corpo de 1.70 e curvas fantásticas.

- Sinceramente, como você a suporta? Você não tem vontade de quebrar o pescoço magro dela? – Ri, balançando a cabeça negativamente. – Você está com uma cara péssima desde a chegada dela! Sabe que faço qualquer coisa por você, Michel... Se ela te fizer mal eu nem sei do que sou capaz de fazer.

Levantei da cadeira, rindo e fui até Leila. Era isso que eu gostava nela: o fato dela sempre querer cuidar e me proteger, (além de ser maravilhosa na cama, é claro) e de fazer com que eu me sentisse sempre bem, mesmo em momentos como esse. Comecei a massagear suas costas, e conforme seu corpo relaxava, a levantava da cadeira.

- Nós mal conseguimos nos ver nesses últimos dias, não é? – Perguntei no pé de seu ouvido. Leila assentiu. Quando vi os pelos de seu braço se arrepiar dei um sorriso satisfeito. Ela tinha uma admiração tão profunda por mim que fazia eu me lembrar de um Michel que fui há muitos anos.

No momento em que iriamos nos beijar, a porta se abriu. É claro que era a infeliz da Maria Luíza.

- Eu atrapalho alguma coisa? – Perguntou ela, fitando Leila com frieza.

- Não, senhora. – Respondeu Leila, a voz embargada de um desprezo que eu jamais vira igual. Nem quando discutiu com uma funcionária do primeiro andar porque achou que ela dava em cima de mim. – Bom, Sr. Taino, vou retornar aquela ligação sobre a reunião que o senhor pediu.

- Obrigado, Leila. – Falei, estudando o olhar cortante de Maria Luíza, que só voltou a falar quando a outra saiu. – O que deseja?

- Ela não gosta de mim, não é?

- Acho que não, o que é completamente aceitável levando em conta o que você é. – Dei de ombros e voltei para a minha cadeira.

- Não... – Malu ainda olhava para a porta. Hoje ela estava vestida como uma verdadeira executiva alemã. O que a deixa ainda mais insuportavelmente bonita. – Ela não gosta de mim por sua causa. Tem ciúme de nós dois.

- Deve ser.

- Ela sabe que fomos namorados?

- Não.

Abri meu notebook e comecei a responder alguns e-mails. Eu queria que todas as minhas ex-namoradas ficassem horrorosas, evitando assim pensamentos inoportunos.

- Espera um pouco. – Ela esboçou um sorriso debochado. Sério, ela realmente riu, até colocou a mão na barriga. – Michel, sério que você tem um caso com a sua secretária? Seu péssimo gosto para mulher é algo que me surpreende. – Arqueei a sobrancelha. – Exceto eu, é claro.

- Diria sem a sombra de dúvidas que você superou qualquer pessoa que eu já tenha me envolvido.

- Obrigada!

- Isso não é um elogio.

- Eu sei que não.

Eu sentia que se entrasse na provocação, acabaríamos indo a fundo demais na minha vida. E não sei se é a hora certa dela saber que me casei com Elena ou que tivemos um filho.

- O que você quer, Malu?

- Eu te chamei na minha sala e você não veio, já que Maomé não vai até a montanha, a montanha vai até Maomé.

Ela limpou a cadeira que Leila estava antes de se sentar.

- Sério? – Perguntei, irônico.

- Claro que não, eu vim aqui saber como está o seu dia, meu amável colega de trabalho.

- Estava ótimo até você entrar na minha sala.

- Ah, desculpa se atrapalhei seu momento com sua secretária. Da próxima vez eu faço melhor e a demito. O que você acha?

Revirei os olhos, mas ri de suas palavras.

- Você está com ciúme?

- Não seja ridículo.

- Então do que te importa se eu me envolvo com a Leila?

- Nada! – Ela deu de ombros, com indiferença. - Só que não quero isso na empresa. E pelo o amor de Deus, Taino. Ela pinta o cabelo de vermelho. Isso não diz nada para você?

- O que ela é capaz de fazer com a boca me diz muito mais...

Maria Luíza chutou minha perna por debaixo da mesa.

- Ai! O que foi? – Alisei o local que recebi o chute.

- Você é imundo. Meu deus, que nojo!

- O importante é o que a Leila acha, minha querida chefe que ainda não me disse o que veio fazer aqui! Sei que foi não para ver meus belos olhos verdes.

- Eu preciso entender uns negócios que recebi no e-mail, vamos até a minha sala.

- Nossa, que surpresa alguém tão inteligente e aplicada como você precisar da minha ajuda!

Cruzei os braços, esbanjando uma fingida surpresa. Ela arqueou a sobrancelha tão loira quanto o cabelo. Eu preciso de algum jeito de trazer a humanidade de Maria Luíza de volta.

- Infelizmente preciso da ajuda de alguém que se envolve sexualmente com secretárias, mas não por muito tempo.

- Ah é?

- Ah, Taino. Estou esperando você fazer algo bem imbecil para eu ter o prazer de te demitir. Já pensou você assinando carta de demissão na minha mesa?

- E você acha mesmo que eu vou te dar esse gostinho, Malu? – Ela fechou a cara ao perceber que eu falava sério. – Já estou há dias aguentando suas provocaçõezinhas baratas e não fiz nada. Não vai ser tão fácil me tirar daqui.

- Você quer pagar para ver?

- Eu quero sim!

- Então veremos, Taino.

Ela olhou a decoração da minha mesa e viu um boneco de vidro que ganhei da minha mãe há uns dois anos. Ela o pegou na mão e sem pensar duas vezes o jogou no chão. Eu não sou materialista, juro, mas aquele boneco tinha um valor sentimental. Fechei os olhos, depois os punhos. Não posso perder a paciência com ela. Não posso.

- Eu te aguardo na minha sala.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 27/09/2015
Reeditado em 11/06/2022
Código do texto: T5395873
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