Correr

Eu não sabia o que estava acontecendo.

Eu só sabia que precisava correr. Correr como se a minha vida dependesse disso. Porque, na verdade, dependia sim. E muito.

O grupo 7 estava correndo ao meu lado. Eu fazia parte do grupo de número 8. Além de mim, só três continuavam correndo. Dois deles eram meninos espertos, mas que eu nunca havia conversado. A outra era uma menina de cabelos bem lisos, conversei com ela umas duas vezes, no dormitório das garotas do grupo. Sem contar que antes, o grupo era relativamente grande. E nós só estávamos nele fazia uma semana.

- Estão atrás de nós.

- Não parem de correr! Não. Parem. De. Correr. - Oguh gritava tentando fazer suas pernas irem mais rápido. Ele era o que estava mais na frente de todos nós.

- Acha que somos idiotas? É claro que não vamos parar. A máquina passa por cima de quem parar. - uma menina do 7 disse em voz alta. Olhei de relance para atrás de mim, porque sabia que era de lá que vinha a voz dela, e reparei que era uma menina loira.

- Não temos tempo pra ficar brigando. Tem de ter um jeito de despistar a máquina. Eu não perdi as melhores pessoas que eu conheci por nada! - uma morena, que corria ao meu lado direito, respondeu quase sem fôlego.

- Ela é uma 7. Não deveríamos ouvir o que ela tem a dizer - o outro menino do 8, Ude, tentava ultrapassar a menina morena.

- Não vamos nos importar com os grupos agora! - ouvi minha voz sair de minha boca sem pensar. - Não importa se fomos colocados aqui pra sermos melhor que os outros antes, porque AGORA só sobrou quem está correndo.

- Como pode saber que as pessoas que você conheceu eram as melhores, Ave? - a única menina, além de mim, do 8, perguntou à morena.

- Talvez não sejam. Não estamos aqui mais do que uma semana. E em uma semana perdemos vidas pra uma máquina demoníaca!

Uma parede surgiu a nossa frente. O túnel preto e amarelo no qual estávamos correndo desapareceu. A máquina, que fazia um barulho enorme atrás de nós, parou. O vento soprou nossos cabelos molhados de suor. E uma voz robótica soou no vazio em que nós nos encontrávamos:

- Teste encerrado.

***

- Anda, Am. A gente não pode perder o toque do café da manhã coletivo.

- É claro. - respondi tentando acordar. Tinha tido um sonho estranho.

O café da manhã coletivo era o evento que abria o dia na nossa comunidade. Todos viviam em paz e harmonia e realizavam suas tarefas. Quando chegamos, escolhemos o que achamos que gostaríamos de fazer para o resto da vida. Existiam muitas carreiras. Porém, assim como tudo, elas eram dividida entre os grupos. Ou seja, não podíamos exatamente escolher o que queríamos, mas o que queríamos dentro do que estava à nossa disposição.

Eu sou artista. Encontrei, rapidamente, na arte um modo de me expressar. Meus desenhos são auto explicativos na maior parte do tempo. Minha mentora, Jen, me disse, no meu primeiro dia, que eu tinha o dom para os desenhos. E que eu tive sorte de ter sido escolhida para o grupo 8, o qual ficava com quase toda a parte artística, menos dança, que fora escalada como carreira para pessoas do grupo 6.

Quer dizer. Eu não sabia muita coisa sobre os grupos ou sobre a comunidade, mas em parte eu me acostumara rapidamente a ela, quase como se já soubesse de suas regras dentro de mim. Em toda a nossa extensão, existiam dormitórios separados para meninos e meninas de cada grupo. Haviam 18 no total. Pois eram 9 grupos. Todas as pessoas ali eram adolescentes. Entre 13 a 19 anos mais ou menos, inclusive os mentores, que geralmente são os que têm 18 ou 19. E nós nos conhecemos faz uma semana. Todos nós. Não sabemos como viemos parar naquela comunidade jovem, não sabemos o que estávamos fazendo ali. Pelo menos não até essa ultima noite. Por causa do sonho que eu tive. Quer dizer. Eu não era a única que tive aquele sonho. Todos da comunidade estavam falando sobre ele.

- Am. Você ouviu isso? - Esther, minha colega de quarto, falava enquanto tremia com a cesta de pão mas mãos. Ela tinha escolhido trabalhar na grande cozinha, porque adorava comida. Não era a toa que era um pouquinho gordinha. - Por acaso você sonhou com aquilo também? Sobre o teste e a máquina gigante?

- Sim. A gente tinha que correr e correr e correr... Mas você não estava lá...

- Eu fui uma das primeiras a ser esmagada pela máquina. Foi uma cena horrível, senti a dor de ter quebrado o meu pescoço. Eu pensei que tinha sido só um pesadelo... Mas eu acordei com um torcicolo, acho que está melhorando agora. Só não estou feliz de saber que todo mundo teve o mesmo sonho. Ouviu o que Eva, a matemática do 7, acabou de dizer? - eu fiz que não com a cabeça porque não tinha prestado atenção. Todos falavam ao mesmo tempo. - Ela disse que estava correndo com você e mais alguns meninos e meninas dos nossos grupos. Não é a toa que ela está apontando pra nós. Acho que precisamos conversar...

Antes que pudéssemos andar até Eva e descobrir o que estava realmente acontecendo ali aquele dia e por que todo mundo teve o mesmo sonho, um sinal tocou alto e forte. Um sinal que nunca tínhamos ouvido antes. Uma voz soou em algum alto falante que não estava ali no dia anterior:

- Aviso urgente para a comunidade de interações jovial estatal. Faremos uma reunião em cinco minutos na cúpula da fazenda. Todos devem comparecer se quiserem informações. Obrigado.

- O que será isso? - perguntei em voz alta, mas Esther me respondeu prontamente.

- Eu não sei. Só sei que pra chegar à cúpula em cinco minutos precisamos correr! E eu sou péssima nesse tipo de coisa!

Bec
Enviado por Bec em 04/04/2015
Reeditado em 04/04/2015
Código do texto: T5194964
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.