PEQUENA FÁBULA DO FIM DA CULTURA CAFEEIRA PAULISTA DE LARGA ESCALA
Por volta do meio dia de um tempo pretérito, os eitos de arroz, com seus cachos dourados, balouçavam ao sabor dos ventos mogianos. A luz do sol, refletida nos cachos de arroz, quase que os divinizavam. O lagarto verde saiu do buraco, puxando o ar quente na goela. Deslizou até a barra do pé de café e atirou-se, rápido para debaixo da saia do cafeeiro, animado com a frescura que vinha do lugar. O pé-de-café, casmurro, deu um bocejo enquanto perguntava ao lagarto como estavam as coisas longe dali.
E o lagarto verde pôs-se a falar:
- Querido cafeeiro! Eu ouvi os homens conversando lá na tulha; eles estavam dizendo que vão arrancar todos os cafeeiros dessa região, por conta de uma praga chamada “ferrugem”! E, no lugar dos cafeeiros, plantarão cana-de-açúcar e laranja.
- Mas que novidade é essa? Disse o mamoeiro do eito.
- Só pode ser lorota, disse o caxinguelê, muito irritado.
- Não acredito em nada disso, disse o porco-espinho, enquanto cravava espinhos nos arbustos em volta.
- Pára com esses dardos de espinhos, disse o cafeeiro; e vê se se atualiza um pouco!
- É isso mesmo, disse a cascavel que dormitava sob o cafeeiro. Nunca que vão fazer isso com uma cultura centenária e rentável.
Mas, no outro dia, ainda antes do nascer do sol, os homens vieram com máquinas e foram derrubando e arrancando os cafeeiros, utilizando grossas correntes e máquinas enormes e barulhentas. No dia seguinte, vieram outros homens e plantaram cana-de-açúcar no lugar dos cafeeiros. Nas terras baixas, plantaram mudas de laranja. E tanto a cana-de-açúcar quanto as laranjeiras vingaram e cresceram viçosas.
E, até hoje, os cafeeiros não retornaram na região. O lagarto verde resolveu mudar-se para os trechos de laranjais; a cascavel, meio perdida, ficou no eito dos canaviais; o mamoeiro, que foi derrubado, lançou sementes para todos os lados e percebe-se que alguns de sua espécie estão vicejando nos arredores. O porco-espinho foi embora, para uma região que não fosse tão inóspita. As plantações de arroz desapareceram completamente, pois ao contrário dos cafeeiros, a cana-de-açúcar e os laranjais não fixam pessoas para manuseio, daí que as plantações de subsistência desapareceram. O caxinguelê também migrou da região; tem sido visto lá pras bandas de Minas Gerais!
Quanto aos cafeeiros do Brasil, trocaram a região de terra roxa paulista pelos planaltos mineiros e capixabas. Ainda que em número exponencialmente menor, a “rubiácea brasiliensis” continua viva nos nossos dias, no início do terceiro milênio.
Já quanto à “ferrugem”, a praga que causou tanto males e que mudou a fauna e a flora da região cafeeira, nunca mais se soube notícia alguma! - - Há quem crê que ela, na prática, nunca existiu... .
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Texto escrito em fev.2015 e publicado no RL do Tio Babá em fev. 2015