Plamu - Capítulo 1
Em uma manhã comum na vida do povo de Plamu todos acordaram cedo para colher os grãos, frutos, legumes e verduras para pagar os impostos à Elite, que visitava as colheitas duas vezes por ano de forma pacífica e amigável. A Elite era detentora da tecnologia e magia ilimitadas, a razão dos impostos era mostrar que ela ainda existia e ainda criava as regras. Para não haver outros conflitos entre os habitantes de Plamu como as quatro rebeliões, foram criadas regras básicas de sobrevivência, sendo uma delas os impostos.
Em Maokav, continente ora fértil, o povo trabalhava para se sustentar. Todos se ajudavam, tanto nas plantações quanto na fabricação de tecidos ou espadas. O país era como uma grande família, mesmo não sendo todos humanos.
Após a última coleta do ano, na fazenda de Laous, extremo sul de Maokav, todos os habitantes de Plamu sentiram um leve terremoto e avistaram uma luz mais forte que a do sol descendo para a terra, na direção do deserto de Floahk. Era um barulho ensurdecedor, mesmo a milhares ou milhões de quilômetros de distância. Os humanos despreparados e outros seres com audição mais aguçada ficaram temporariamente surdos e confusos pelos três minutos em que o tremor durou.
Logo após a queda do fogo no deserto, um silêncio súbito tomou conta de Plamu, todos estavam imóveis. Em alguns instantes uma rajada de vento forte se espalhou ao redor do mundo, originado do local onde a bola de fogo caiu até atingir o outro lado do planeta. Enquanto o vento soprava era possível ouvir vozes muito altas gritando com dor, agonia, desespero. Eram muitas vozes, o som era confuso e o máximo que se interpretava delas era "Primul". Assim que a rajada cessou, as vozes pararam.
Após passar o efeito da paralisia, todos começaram a correr pra suas casas, o caos dominou Plamu, inclusive no Império da Elite, onde a Elite dos Magos protegeu com uma magia poderosa de escudo o castelo do rei, tão poderosa que poderia cair uma das luas que nem ao menos arranharia a barreira. Três magos, sendo um deles Vrajitor, o arque mago, subiram cada um ao topo uma das três torres do castelo do rei e lançaram simultaneamente para o alto uma esfera de magia azul, do tamanho de um crânio, que saiu de seus cajados encontrando-se a alguns metros acima do centro do castelo, o brilho azul procedeu à fusão perfeita das esferas, e a partir dele fechou-se lentamente uma redoma ao redor do castelo. Para chegar a tamanho poder, os humanos fundiram magia com tecnologia, criando algo com energia ilimitada, que somente era acessível para os membros da Elite.
Algumas pessoas curiosas que estavam próximas da cratera cavada pela bola de fogo no deserto foram verificar o estrago, mesmo algumas estando feridas, se arrastaram até a borda. O raio da cratera era incalculável, era impossível determinar onde terminava, parecia que seguia a curva do horizonte. Ao olharem lentamente para baixo, seguindo o olhar do horizonte até o fundo, uma luz tão brilhante quanto à de mil sóis, do tamanho de uma mansão, saiu flutuando lentamente da cratera, cegando os que estavam por perto, parou por um segundo no céu e seguiu rumo ao polo sul em uma velocidade supersônica. Algumas pessoas, com a dor da cegueira e da hemorragia, aos gritos seguiram caminho ao buraco, enquanto outras se abaixaram, segurando a dor e esperando por ajuda. O povo de Floahk e proximidades eram camponeses e exploradores humildes, todos humanos sem conhecimentos médicos ou mágicos.
Dias se passaram e muitas teorias circularam por Maokav, do norte ao sul, de leste a oeste. O rei não havia se pronunciado ainda, pois estava administrando uma futura missão em que cientistas, magos, metalúrgicos, alquimistas e mestres de outras áreas enfeitiçavam e criavam equipamentos para uma possível exploração ao polo sul, área jamais pisada por um ser vivo por causa de sua temperatura que chega ao zero absoluto.
A multidão de plebeus que vivia perto de Mijloc, a cidade onde se localiza o castelo, tentava invadir a moradia do rei, tanto para obter respostas quanto para pousar em abrigo seguro, todos sem sucesso ao tentar atravessar a meia esfera azul. Muitos tentavam atacar a barreira com magia ou com suas espadas e arcos, todos sem sucesso. Uma dezena de Soldados da Elite saiu marchando de dentro do castelo, e logo atrás o rei Mostenitori apareceu publicamente pela primeira vez desde que nomeado o senhor de Plamu, exigindo com um sinal que os magos, postos nas torres, retirassem a barreira mágica. O rei então desceu o primeiro lance de escadas, esperando o povo. Os guardas guarneceram o rei, cercando o mesmo, sendo que os quatro guardas da frente ficaram alguns degraus para baixo, tanto para ficar de frente aos primeiros que tentarem atacar quanto para o povo ver o rosto do novo rei.
O povo entrou correndo e foi de encontro ao homem nas escadas, ainda distante. Conforme foram chegando mais perto, viram que talvez fosse o novo rei, que há meses havia sido nomeado. Após terem a certeza de quem era o homem, pela roupa que vestiam os reis, não passaram da linha de limite do pátio onde somente os moradores do castelo podem passar. Espantados pela beleza do rei, ficaram examinando cada centímetro de seu corpo. Os cabelos eram curtos, espetados naturalmente e de uma tonalidade cinza, aparentava ter a idade de um jovem adulto, não usava poção de rejuvenescimento, algo inédito para um rei. Apesar da capa e da armadura que deixava somente o rosto e os braços à mostra, era possível notar que sua pele parecia brilhar, refletindo a luz da manhã, como se estivesse sendo preparado por todos esses meses para uma aparição em público. Era o mais belo rei que Plamu já tinha visto.
O silencio tomou conta da multidão, todos esperavam pela explicação dos mais altos cientistas e magos do planeta sobre a bola de fogo. Os magos iniciam a projeção da imagem do rei em todas as cidades e vilas de Plamu, era a única forma de comunicação à distância do planeta, um holograma triangular do tamanho de uma casa, para ver de três ângulos, era materializado no centro de cada cidade e vila, a cinco ou dez metros do chão, garantindo a visualização por todos. Nem mesmo os maiores magos das cidades e vilas espalhadas por Plamu conseguiam comunicar-se com magia, esta era uma magia poderosa, guardada a sete chaves pelo arque mago da Elite dos Magos. Além desta magia, outra famosa invenção de Vrajitor era a poção de rejuvenescimento, que se tomada diariamente seu corpo não envelhecia, e era possível determinar quando alguém tomava pelo tom da pele, que fica levemente esverdeada.
O Rei se posicionou, olhou o pátio de leste a oeste, jogou sua capa vermelha que cobre sua armadura de ferro por cima do ombro e começou a discursar.
– Moradores de Plamu, alguns dias atrás todos sentimos um temor grande quando nosso planeta foi invadido. Tomaremos todas as providências necessárias para eliminar o que seja aquilo. Graças à ciência e à magia, hoje começaremos a explorar o polo sul.
A expressão de todos era de espanto. Todos pensavam que se em nenhum momento da história até aquele dia puderam criar algo para explorar o polo sul, naqueles poucos dias de silêncio seria impossível. Porém a verdade é que nunca foi feito nada porque os reis não queriam gastar tempo explorando um deserto de gelo, arriscando perder homens, mulheres e outras criaturas que poderiam ser uteis para combate em algum tipo de conflito ou guerra.
– Trataremos de todos os que foram feridos durante a invasão. Para os que não puderem vir para Mijloc, peço que esperem até a ajuda chegar a cada cidade e vila. Enquanto o Exército dos Quarenta toma conta do invasor, nossos médicos serão transportados para ajudar a todos.
Um exército de quarenta homens, vestidos com armaduras pretas, capacetes de exploradores espaciais e mochilas grandes, desce as escadas saindo do castelo, rasgando a fila em dois quando se aproximam do rei, chegando ao pátio, onde as pessoas foram afastadas.
O Exército dos Quarenta é a ultima arma enviada pelos reis. Cada um destes homens dominava cada área do combate em nível extremo, exceto magia, que sabiam o suficiente para se salvarem em situações de risco. Separaram-se em cinco grupos de oito soldados cada, espaçados perfeitamente como se cada grupo fosse uma ponta de um pentágono, quando cinco naves silenciosamente descem deslizando do céu, deixando o povo surpreso e contente por verem pela primeira vez mais de uma nave simultaneamente no céu. As naves de Plamu estavam sendo extintas conforme o uso, pois a matéria prima utilizada era do próprio planeta, que era pobre em um metal chamado Rare, o único que a magia podia dominar com facilidade, como conduzir eletricidade em fios de ouro, então raramente utilizavam estas naves para locomoção. Não valia o esforço de criar com outro tipo de metal além do Rare, pois além de demorado e trabalhoso, gastaria muita eletricidade, que está disponível apenas um período por ano por causa das explosões solares frequentes, e sem eletricidade a Elite não teria poder. Mesmo sem eletricidade abundante durante o ano todo, pela magia a Elite dos Magos criava a incarcare em períodos de ventos solares, um tipo de eletricidade mágica, sem muita estabilidade quando criada, mas se criada perfeitamente duraria o suficiente para deixar lâmpadas e equipamentos ligados por longos meses seguidos. Experimentos com eletricidade eram focados para adquirir conhecimento em magias, ficava mais barato que construir naves.
As sombras das naves cobrem os soldados com suas armaduras especiais pretas, deixando-os quase invisíveis, como se fundidos à sombra. As naves em perfeita sincronia aterrissam poucos metros e abduzem o exercito para dentro através de raios coloridos, mais coloridos que todas as cores disponíveis por causa da tecnologia somada à magia. Esses raios começam a escanear os soldados da cabeça aos pés, sendo transportada para dentro da nave cada parte em que o laser toca, não demorando mais que dois segundos para escanear o corpo inteiro. As naves, em formatos triangulares, sobem, giram de forma que a ponta frontal aponte para o sul e seguem viagem.
Após as naves partirem, o Rei virou-se de frente à entrada do castelo e caminhou de volta para dentro, sem olhar para trás ou para os lados. Os soldados seguiram o rei marchando em duas filas. As pessoas, antes impacientes, atenderam ao pedido do rei e dissiparam para suas casas a partir do portão do castelo, com esperança de que o Exército dos Quarenta acabasse com o invasor no polo sul.
Dentro do castelo, o rei caminhou até a sala principal e lá encontrou seus companheiros, Iubitul, um jovem rapaz magro e branco de cabelos longos e roxos, sua principal característica, e Insarcinate, uma mulher bonita em que seus olhos vermelhos como o sangue se destacam de seu rosto liso e pardo, com idade fértil para dar à luz ao herdeiro do rei, assim que ele estivesse preparado. Mesmo Insarcinate amando o rei, o mesmo amava a Iubitul, o que gerava incerteza da parte da família do rei, sua mãe e seu tio, se o mesmo teria herdeiros com sangue da Família Real. Seria o terceiro caso da história em que poderia haver mudança de sangue. Não que importasse muito nesta época, mas a preferência era o herdeiro ter o sangue do rei.
Istoricul, principal historiador do reino ha centenas de anos, tão velho que se não fosse pela magia e pela poção de rejuvenescimento mal conseguiria respirar, corria em passos pequenos em direção ao rei, agora sentado entre suas companhias, sendo bloqueado por dois guardas que abaixam as lanças a comando do rei.
– O que foi Istoricul? Sabe de algo sobre a invasão?
– Talvez, meu rei. O som que todos ouvimos... Aquele nome, Primul, eu sabia que já tinha ouvido falar e fui pesquisar. Primul é uma deusa. Não, não só uma deusa, mas a principal entre todos os que já existiram. A deusa que criou os outros deuses e este planeta. – Mostenitori levantou de seu sofá e caminha em direção ao bar da sala, regando o copo com uma bebida espessa.
– Istoricul, deixe disso, deuses não existem. Nossos cientistas já estão estudando o caso. Tome um pouco disto e vá descansar, você parece muito pálido, pare de pensar um pouco nestas coisas. – Istoricul negou com a cabeça.
– Mas, meu rei, o senhor deve tirar o exército de lá, vão acabar mortos antes mesmo de piscar os olhos. Imagino que são os antigos deuses que voltaram para Plamu, devemos deixa-los em paz.
– Basta. Descanse bem, é uma ordem. – O rei tomou a bebida e com o copo na mão, apontou seu dedo indicador em direção à saída.
– O senhor tem que acreditar. Está tudo registrado, os deuses existem e...
– Guardas! Levem-no ao seu quarto.
Sem hesitar, Istoricul foi levado ao seu quarto pelos guardas. O rei então dispensa Insarcinate e conversa com Iubitul sobre o que faria se Istoricul continuasse assim, acreditando em deuses. Pede para Iubitul guardar esse segredo.
Há muito tempo, antes da Primeira Rebelião, todos os Seres de Plamu acreditavam que os deuses voltariam, com exceção de muitos humanos, que não acreditavam mais em deuses há milênios. Os poucos que acreditavam foram expulsos para Fridk, o outro continente, muito mais gelado, onde nos dias atuais encontram-se as prisões, algumas criaturas que não se dão bem com humanos e o polo sul. Também foram expulsas quaisquer criaturas que adorassem deuses, deuses estes que já geraram muitas guerras entre os humanos, levando à proibição da crença. A Primeira Rebelião há milênios de anos foi justamente para trazê-los de volta e permitir uma vila em que apenas religiosos entravam, mas claro, o mais longe possível de Mijloc. Com esse fato em sua mente, Mostenitori guarda segredo sobre a crença de Istoricul, para não ter que expulsá-lo para Sat de Religie, a vila dos religiosos.
A noite em alguns locais de Plamu era iluminada com esferas brancas no céu lançadas pelos magos da Elite para evitar a poluição do planeta e o uso abusivo de eletricidade, disponível somente no castelo. Poucas vilas também aderiram ao uso da magia da Elite para iluminação, pois o imposto é cobrado a maior. Outras são iluminadas com tochas ou alguns magos distribuem cajados enfeitiçados com magia de luz para uma noite. Apenas Sat de Religie não era iluminada com luz artificial, pois as duas luas já era o suficiente para o povo mais pobre de Plamu. Era a vila esquecida, tão esquecida que a Elite não cobrava impostos deles, seja por misericórdia ou receio de entrar na vila em que acreditam em deuses, pode até mesmo ser pelo motivo de a vila ser mais ocupada por outros seres, sendo os humanos em número menor que vinte ou trinta.
Uma das naves que partiu de manhã foi avistada no céu de Mijloc, voando em direção ao castelo. Era possível ver algumas chamas e fumaça saindo das laterais da nave, que voava bambeando para os lados como se estivesse forçando o voo. A nave caiu no pátio do castelo, derrapando o metal no chão, deixando uma trilha de destroços por onde passava.
Rapidamente todos os moradores do castelo que estavam por perto gritavam por ajuda e foram verificar o Exercito dos Quarenta, porém apenas um homem saiu da nave. O rei se aproximou juntamente com Vrajitor e apoiou a cabeça do sobrevivente em sua perna, tirando com cuidado o capacete do homem, que agora tinha um rasgo na bochecha, podendo os dentes ser vistos.
– O que houve? Onde estão os outros?
– Não... Conseguimos... – O homem cospe sangue e tenta falar mais, com uma voz baixa e rouca. – Não passamos de alguns quilômetros do polo sul... Uma luz se aproximou e as outras quatro naves se desintegraram. Os sete que estavam comigo queimaram vivos, nada apagava aquele fogo.
– Droga – Cochichou o rei, engolindo seco, começando a ver sentindo no que Istoricul havia lhe dito.
– Meu rei, aquela luz me disse para não nos aproximarmos de lá. Disse que em um momento oportuno nos chamarão. – Os médicos chegaram e com uma seringa aplicam no pescoço do sobrevivente um liquido verde brilhante que curou metade dos ferimentos em alguns segundos. Ele se levantou, limpando a garganta dos restos de sangue – Talvez seja por isso que fui o único sobrevivente, para espalhar esta mensagem.
– Como era essa voz? Tem certeza que foi isso que aconteceu?
– Era uma voz feminina, muito alta e tive a impressão de ter outras vozes falando a mesma coisa, mas em volume mais baixo que a primeira. Tenho certeza que foi isso, meu rei.
Novamente as pessoas começaram a chegar e se aglomerar no portão do castelo, vendo do lado de fora a nave queimando e o pátio destruído. Ninguém além do rei e dos dois médicos ouviu o que o sobrevivente disse. O rei pediu para que o arque mago projetasse novamente para fazer um anúncio. Mostenitori se levantou e ficou longe da nave e dos médicos para evitar pânico caso as pessoas fora de Mijloc vissem.
– Amanhã de manhã me pronunciarei com o discurso formal sobre a missão do Exército dos Quarenta, peço que aguardem com paciência apenas por algumas horas.
Mostenitori pediu para levarem o sobrevivente para o Hospital Real, e pediu também para que não digam nada sobre o que foi dito pelo soldado, pelo menos até seu pronunciamento, que será feito por assessores.
Quase nunca o rei era quem realmente mandava, ele era na verdade a imagem do Reino. Todas as atitudes e discursos são feitas pelos assessores. Sempre foi assim, até Mostenitori assumir o trono. Apesar de o novo rei ter respeitado seu pai quando vivo, ele o achava preguiçoso por nunca ter feito nada além de seguir roteiros. O novo rei era diferente, preferia a atitude à palavra. Se houvesse uma guerra, Mostenitori estaria na linha de frente.
Em seu castelo, o rei correu para o quarto de Istoricul, porém sem encontrar nada além de um bilhete dizendo que estaria a caminho de Sat de Religie para buscar algumas informações e voltaria em um dia. A caminho da biblioteca encontrou sua mãe, que estava envelhecendo rapidamente por deixar de tomar a poção do rejuvenescimento pela morte de seu marido. Mostenitori olhou bem sua velha mãe, como se soubesse que seria a ultima vez que a veria.
– Mãe, o que faz fora de seu quarto? Se não quiser tomar mais a poção, pelo menos descanse um pouco. – Mostenitori pegou suavemente o braço de sua mãe. – Venha, eu te levo.
– Deixe disso, filho, você sabe que não estarei aqui por muito tempo, por minha escolha. Já vivi mais do que dez vezes sua idade, cansei de viver, ainda mais sem seu pai. E não quero passar meus últimos dias ou horas numa cama sendo monitorada por aqueles médicos rabugentos. – Ela dá um leve sorriso. Seus cabelos antes ruivos parecem se tornar brancos e secos a cada hora. – Olhe minha aparência, filho, quando estes cabelos se tingirem totalmente de branco, minha consciência apagará.
– Mãe. – Gemeu o rei, com uma expressão de dor e tristeza – Eu tenho que ir, mas prometo que a verei antes de... – Mostenitori abaixou a cabeça, abraçou sua mãe e saiu em direção à biblioteca.
O Rei então procurou outro historiador além de Istoricul na biblioteca, onde encontrou dois idosos.
– Senhores, preciso de informações sobre um nome: Primul.
Tudo o que foi encontrado dizia somente o que Istoricul havia lhe contado. Não havia nada mais. O único que poderia ajudar a entender Primul seria este incrível historiador, que já estava longe. Então o rei pensou em ordenar a todos os guardas que procurassem Istoricul e o levassem para o castelo, mas Mostenitori sabia que se Istoricul não quisesse ser encontrado, ele não seria.
Istoricul era o único que morava no castelo que saía com frequência para estudar, fazendo viagens de até dois ou três anos, desde os dois continentes até o fundo do mar. Ele conhecia muito bem os arredores de Mijloc, talvez melhor que qualquer um. Sempre voltava com informações o suficiente para criar enciclopédias inteiras, mas só anotava o que fosse de interesse para a ciência ou magia, por ordem do antigo rei, sendo o ser vivo que mais entende dos deuses. Se o pai de Mostenitori estivesse vivo, estaria se arrependendo de não ter autorizado a sessão de religiões antigas na biblioteca.
A dúvida latejava na cabeça do rei. Havia sido nomeado há poucos meses, não aprendeu muito com seu pai e nunca havia acontecido algo como isso antes. Apesar de não querer ter sido nomeado rei, agora tem um problema global a ser resolvido, sendo ele a autoridade máxima. Ele poderia chegar a Sat de Religie em alguns minutos e esperar até Istoricul chegar, já se adiantando com o povo da cidade sobre a sabedoria deles, porém não se sabia como Istoricul foi para Sat de Religie, o mais provável é que tenha ido com sua nave particular para voltar no prazo de um dia. Mas o pensamento de ter que discursar para Plamu inteira de manhã o deixava confuso. Mesmo assim, decidiu que pegaria a Nave Real, menor que as comuns, porém muito mais veloz e com o brasão da Elite estampada do lado de fora. Andou sutilmente até o Hospital Real e pediu para que Patruzeci o acompanhasse, mesmo faltando poucos minutos para sua total recuperação, que apontava noventa e cinco por cento no monitor de seu quarto particular. No caminho para o portão norte do castelo, encontraram Mijloc. O Rei pediu para acompanhá-lo caso precise depor de ultima hora ou se não desse tempo para voltar até o amanhecer, e Mijloc assentiu, lançando a magia da invisibilidade nos três, percebendo que o rei não gostaria de ser visto saindo do castelo sem seus guardas reais. Os três foram até o porto das naves, atravessando o caminho do labirinto na parte norte do exterior do castelo, que somente o rei saberia atravessar caminhando. Ao entrar na base aérea, andou em passos silenciosos até a área das aeronaves. O arque mago retirou a invisibilidade e o rei chamou seu amigo de infância, Prietenul, que era piloto. O rei então disse seu destino. A reação do piloto foi ficar imóvel, pois o rei, detentor da magia e tecnologia ilimitadas queria ir para a vila esquecida, com pouquíssima magia e nenhuma tecnologia, além de primitiva em ciência. Após um berro do Rei, o piloto voltou a se mover e correu para a nave, iniciando-a. Sendo silenciosa a nave, ninguém percebeu que o rei havia saído.
Aproveitando que sua família e seus assessores estão ocupados pesquisando para o rei e criando um discurso para a manhã seguinte, ele partiu sem avisar mais ninguém. Durante a viagem perguntou a Vrajitor se havia avistado Istoricul saindo do castelo, ao qual recebe uma resposta negativa. O rei então pediu a Patruzeci, o sobrevivente, para que fosse honesto com o patriarca de Sat de Religie, e contar a ele tudo o que aconteceu no polo sul.
Em alguns minutos chegaram à vila, onde o povo inicialmente se assustou ao ver a nave, mas se acalmaram ao ver o brasão da Elite. O Patriarca da vila, um Geckuman, foi recepcionar o rei e suas companhias há pouco materializados na terra metros abaixo da nave. A nave ficou parada no alto com o piloto atento, caso necessitasse fazer uma fuga rápida. O rei nunca havia visto um Geckuman pessoalmente, aparentava ser um lagarto marrom em corpo de humano, com calda grande e unhas afiadas em cada um de seus três dedos.
– Boa noite, meu Rei. – Recepcionou o patriarca abaixando sua cabeça.
– Boa noite, patriarca. Não tenho muito tempo, então vou direto ao assunto. Preciso de informações sobre Primul.
Antes de o Rei terminar o nome, o patriarca já arregalou os olhos, relaxou as mãos e deixou sua bengala cair.
– Claro, vossa majestade, siga-me, por favor. Vamos até minha casa.
Os quatro abriram caminho entre o povo da vila que havia se acumulado ao redor do rei e entraram na casa do patriarca, que era a primeira após a entrada da vila. O cercado de Sat de Religie não os protegia de invasores, mas certamente um meio lobo ou um urso de Plamu jamais atravessaria, era uma boa barreira, com somente uma entrada virada para o oceano intencionalmente para entrar somente socialmente na cidade, cujo trajeto era longo, precisando atravessar perpendicularmente a cidade seguindo a cerca ou atravessando-a com uma aeronave.
– Sente-se meu Rei, sinta-se à vontade. Gostaria de um pouco de chá? – O Rei tropeçou na cadeira, por causa da escuridão. No mesmo momento o Arque Mago iluminou o ambiente.
– Não, obrigado. O que você sabe sobre essa tal de Primul?
O Patriarca serviu-se chá em uma xícara, sentou-se na cadeira de frente para o Rei e disse:
– Nada além dos contos passados de geração em geração.
– Gostaria de ouvi-los, por favor.
– Tudo bem. Há muito tempo atrás, Primul renasceu de sua própria magia, criando seus dois irmãos, Al Doilea e A Treia. Juntos, criaram Plamu e os seres que habitam aqui hoje. Dizem que eram bons deuses, até que um dos três resolveu tomar o planeta para si. Os três brigaram, destruindo grande parte do centro planeta, então foram lutar em outro lugar do universo. A lenda ainda diz que os três deuses, com seus poderes, criaram filhos e companheiros. Perdão, meu Rei, mas por que o interesse repentino na historia dos deuses?
– Ah. Nada. – O Rei levantou da cadeira, ficando de costas para o patriarca – Então esses deuses, inclusive seus filhos e companheiros, saíram de Plamu para lutar, sem data de retorno?
– É a historia que nos é passada. Acreditamos fielmente nelas, principalmente após aquela bola de fogo. Agora todos os dias mais e mais seres chegam à nossa vila. Cremos que talvez seja a volta dos deuses. Se for isso mesmo, estaremos seguros de todo o mal.
– E o que mais sabe? São deuses como os que os humanos acreditavam no passado? Com formas de humanos fundidos com animais, poderes ilimitados e essas coisas? – A impaciência tomava conta de Mostenitori.
– Não sabemos disso. O que te passei é tudo o que sabemos.
– Todos vocês ficaram a vida toda nesta velha vila adorando deuses que não sabem nada a respeito? – O rei gritou, batendo a mão fechada na mesa. Um momento depois se acalmou – Patriarca, eu gostaria que me fizesse um favor. Sei que muitas pessoas estão migrando para a vila, mas tem uma em especial que estou procurando. Quando um homem chamado Istoricul chegar, preciso que me avise o quanto antes, por favor.
– Mas como, meu Rei? Ficamos muitos distantes de seu castelo, levaríamos meses, até anos para caminhar tudo. E o senhor sabe que o mar não é uma opção para o povo humilde de Plamu.
O Rei deu um sinal para o arque mago, que com seu cajado mirou a mesa e materializou uma caixa pequena, que cabia fácil na palma da mão.
– Quando você abrir esta caixa, o arque mago saberá e me avisará. Abra-a somente se ver Istoricul. E peça para ele me esperar aqui, que chego mais rápido que o tempo que ele levaria tentando me encontrar. – O rei caminhou em direção à porta.
Antes de o rei sair da casa do patriarca, Patruzeci contou o que houve no polo sul. O patriarca olhou espantado para o sobrevivente, levantou da cadeira e caminhou em direção a ele. Patruzeci se assustou e afastou alguns centímetros sua cabeça quando o patriarca tentou relar nela com uma de suas mãos, voltando depois de perceber que não havia intenção de ofensa por parte do patriarca.
– Por favor, coloquem suas mãos nos meus ombros – O pedido foi atendido por Mostenitori e Vrajitor.
O patriarca fechou os olhos e disse em voz baixa algumas palavras. O espaço entre a cabeça de Patruzeci e a mão do patriarca foi iluminado e os olhos de todos os quatro foram arregalados, revelando em suas mentes os fatos ocorridos no polo sul.
A primeira imagem começou logo quando o Exército dos Quarenta partiu do castelo, estavam planejando aterrissar as naves há alguns quilômetros após a fronteira do polo sul, seguindo a viagem caminhando, nisso a imagem sumiu. A segunda imagem as naves estão atravessando a fronteira, quando a luz surgiu repentinamente na frente das naves, mantendo a distância de centenas de quilômetros das mesmas, mantendo a mesma velocidade. Quatro naves foram reduzidas ao pó em um piscar de olhos, no mesmo momento os sete homens que estavam acompanhando Patruzeci incendiaram por minutos antes de morrerem, mesmo Patruzeci tentando apagar o fogo com os extintores e até mesmo magia, então novamente a imagem apagou. A terceira e ultima imagem exibiu Patruzeci imóvel no chão após a nave ser atacada pela luz, seguida da frase: “Não voltem aqui, vocês não pertencem a este lugar, estão bagunçando nosso planeta, chamaremos vocês em um momento oportuno, assim que resolvermos algumas questões.”. Ao acabar a terceira imagem, todos caíram tontos de joelho.
– Ouviram o mesmo que eu? A luz disse “nosso”, “chamaremos” e “resolvermos”, no plural. Quando voltei de lá eu não lembrava nitidamente das palavras, mas sabia que havia mais de uma voz. – Disse Patruzeci, olhando para o rei.
– São realmente os deuses, finalmente eles retornaram, mas me pergunto por que atacou aqueles homens se poderiam simplesmente ignorá-los. Os deuses não são assim, não de acordo com as lendas. – Disse o patriarca, tomando mais uma xícara de chá.
O rei permaneceu em silêncio junto a Vrajitor, ainda de joelhos no chão. Para quase todos os humanos, acreditar em deuses seria como acreditar que as luas fossem feitas de queijo, não havia sentido nisso. Tudo em Plamu era explicado com ciência e magia, nada era atribuído a seres divinos.
– Não sei o que dizer patriarca. Com uma prova dessas seria idiotice de minha parte não levar em consideração a real existência dos deuses. Mas também não posso crer fielmente que tudo isso foi verdade, pode ser sido o eletromagnetismo extremo, radiação ou até mesmo algum vírus que pairam pelo polo sul, que confundiu a memória de Patruzeci. É, é isso, tem uma explicação.
– Senhor, todas as naves são protegidas de todos os raios conhecidos pelos habitantes de Plamu, e quanto ao vírus, nossos trajes não tinham brechas para entrar qualquer milímetro cubico de ar. Preparamo-nos para qualquer tipo de situação, o senhor sabe, o senhor estava planejando conosco.
– Patriarca, por favor, apenas me avise quando Istoricul chegar. Tenho que voltar para o castelo.
O rei saiu da casa e voltou para a nave. Todos voltaram em silencio para o castelo, apesar das muitas perguntas feitas pelo piloto.
Por todos os tempos, a historia que foi passada ou escrita de Plamu pelos historiadores dizia cientificamente que deuses eram seres imaginados para o povo ter fé em uma vida melhor. Os pensamentos dos que ouviram e viram as imagens da memória do sobrevivente da viagem ao polo sul os faz ficar confusos. Se for verdade, mudará o estilo de vida de todos os habitantes do planeta, e o Reino cairá para dar lugar aos deuses. A Elite não será mais necessária e talvez com todo o pânico e agitação os humanos percam a tecnologia, que será disputada entre todos. Distribuir conhecimento e tecnologia agora não era uma opção, já que se os deuses existirem, talvez isto baste ao povo de Plamu, mas não à Elite, que se acostumou a ela, era como voltar a ser um ancestral do macaco.
Tudo dependia do discurso que seria escrito para o rei. Se fosse bom para o povo, bastaria esperar Istoricul ser encontrado para dar o próximo passo. Caso o discurso não desse certo, o Reino cairia. A preocupação de Mostenitori não era o Reino em si cair, mas decepcionar sua família e seus amigos que vivem no castelo, que seriam meros plebeus em pouco tempo. Apesar de tratar bem o povo, muitos desejam ter o conforto da Elite, e com ajuda divina poderiam dominar o castelo ou até mesmo Mijloc inteira.
Em seu quarto, o rei ficou a noite acordado olhando para o mapa de Plamu, desenhado no teto acima de sua cama. Preparou uma mochila com seus pertences básicos por precaução, inclusive seu arco, presente de Iubitul quando eram crianças. As lembranças tomavam conta do rei. Principalmente as lembranças de quando saia escondido com Iubitul para caçar ou somente treinar arquearia. Era proibido um herdeiro ser treinado ou lutar até os dezoito anos, mas Mostenitori sempre foi um rebelde quando ninguém estava de olho.
Pela manhã, o discurso feito pelos assessores do Rei chegou a suas mãos. Ele se preparou, leu rapidamente o discurso e saiu vagarosamente em direção à varanda de seu quarto, passou pelas cortinas vermelhas e saiu. A varanda do quarto do rei ficava localizada no centro da frente do castelo, longe do pátio.
Todo o pátio do castelo estava preenchido pelo povo, que cochichava e apontava para o rei. O clima tenso tomou conta do lugar. O arque mago projetou a imagem do rei, inclusive no pátio do castelo. Mostenitori ficou em silêncio por alguns segundos olhando para o cartão. Suas mãos suadas umedeceram o discurso, ele então engoliu seco, amassou o cartão e o deixou cair no chão. O rei agora havia decidido entre o povo e a Elite, entre ser qualquer um ou o rei do planeta. Entre a mentira que odiava e a verdade duvidosa.
– Senhoras e senhores. Os deuses retornaram