ADEUS MR. JOHNNY

Em toda minha vida só tive dois cães: quando menino, o Viajante; quando adulto, o Johnny Rivers.

Aos vinte e quatro anos de idade eu, órfão de pai e com os irmãos mais velhos todos casados, morava com minha família, que a essa altura se compunha de mim, minha mãe, duas irmãs e o irmão caçula. Com o casamento de uma delas (se mudou para o estado do Pará), a outra irmã fazia faculdade à noite e reclamava da distância de Taboão da Serra até a Avenida Paulista, num trajeto de hora e meia de ônibus. Ela decidiu alugar um apartamento em Pinheiros (só quinze minutos de ônibus); minha mãe e o irmão caçula aderiram à idéia. Fiquei só. À época, um amigo de trabalho e que tinha uma cadela linda me prometeu, sem que eu pedisse, um filhote da cadela prenha. Certo dia ele me informou que a cadela havia dado cria de oito filhotes, sendo dois machos: e um deles era pra mim! Exigiu que eu fosse à casa dele escolher. Quando vi os filhotes, lembrei-me do Viajante e me deu um aperto no coração: será que vou sofrer tudo de novo? Acostumado ao tempo em que vivia no campo, peguei um e outro pela pele do torso, atrás da cabeça dos filhotes: aquele que permanecesse quieto seria o melhor! O primeiro, branquinho, gemeu, reclamou, chorou e latiu fraquinho; o segundo malhado de amarelo e branco, sequer deu um pio; decerto seria um cão de fibra! Escolhi esse! Naquele momento estava tocando no rádio da casa do meu amigo uma música do Johnny Rivers, “Dou You Wanna Dance?”. Eu o coloquei junto ao meu peito, o filhote fechou os olhos e dormiu: - apaixonei-me por ele!

- O Johnny foi meu companheiro por seis anos, enquanto solteiro e mais dois anos, após casado. Pois não é que depois que me casei ele ficou muito mais companheiro da minha mulher do que de mim! Por exemplo: eu quando queria dar um banho nele, ele resmungava muito, se debatia tentava sair de dentro do recipiente (a maioria das vezes era um velho tanque de cimento). Com a minha esposa, ele ficava calmamente até que ela o enxaguasse; safado do Johnny! Ele nem sequer se lembrava de quando só vivíamos eu e ele. Na falta de interlocutor, por morar sozinho, falava com ele o tempo todo: fazia comentários das notícias do jornal, da TV, do rádio, falava de futebol e de cinema. Talvez o fato dele ter nome inglês, o deixava fleugmático: entendi finalmente porque o Johny se aborrecia comigo: o Johnny, meus amigos, nunca aprendeu Português. Que pena! O Johnny numa certa semana santa desapareceu. Nunca mais voltou! Passei muitos sábados procurando seu cadáver na Rodovia Régis Bittencourt, no depósito de cães da Prefeitura de São Paulo (carrocinha). Nunca o encontramos!

Assim são os entes queridos que nos querem bem: quando estão na pior situação, desaparecem, para não nos deixar preocupados. Mas, minha memória lembra dele; trinta anos depois de seu desaparecimento!

-Adeus Mr. Johnny! I really loved you!

Tio Babá
Enviado por Tio Babá em 26/11/2014
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