Mim Mesmo

Olá, meu nome é João, estou escrevendo essa carta em função de tudo o que me aconteceu hoje...

Quando acordei, parecia uma simples sexta-feira. Apenas algo estava errado... Eu não sabia o que era. Tinha em mente que tinha algo distorcido no tempo e espaço... É o que geralmente chamam de mau pressentimento. Mas como sou muito tranquilo com as coisas, apenas ignorei isso.

Dirigi-me como sempre à cozinha, meus pais não estavam em casa, sentei na cadeira e comecei a preparar meu café da manhã. Por incrível que pareça, não tinha leite... Oh droga! Minha manhã não pode começar sem leite! Fui então ao mercado que se localiza logo em frente à minha casa.

O mercado se chamava “Mercado de Hector E Lilian Pinheiro”. Um nome totalmente simples, mas é só um pequeno detalhe. Entrei, cumprimentei o caixa, que era meu vizinho e fui onde tinha o maldito leite. Peguei o meu querido alimento, levei ao caixa e paguei o mesmo. A marca era bem fina, poucos compravam daquele leite, mas eu amava — seu nome era “Viéu Reletéu”, da fábrica “Caoce”. Percebi que o produto, de fato, aparentava estar mais pesado, e ao abrir a embalagem tive uma surpresa! Tive a sorte de ganhar um jogo! Sabe aquelas promoções bestas de produtos, do tipo: “Ache a bolacha dourada e leve um console para casa”. Não sei como, mas eu acabei por ganhar um jogo com isso. Maravilha, eu adoro games!

Nesse momento eu até esqueci que o leite existia! Era um jogo em fita, aparentemente um RPG, meu tipo de jogo favorito! A capa era um tanto estranha, meio escura e abstrata e a fita parecia ter sido banhada a sangue. Mas é claro que não havia sido, que bobagem! Contudo, o design de fato me surpreendeu! Coloquei a fita em meu console antigo, e esperei ansiosamente pelo início do game.

O jogo não tinha introduções a empresas de criação ou produção, a tela ficou preta e depois de quarenta segundos foi direto a title screen. A partir daí, meu coração apertou. Realmente fiquei assustado com o que vi... A tela de título do game era um herói que parecia estar sofrendo de certa maneira... Mas o herói... Eu era o herói. Minhas mãos começaram a suar e meu coração só pulsava mais tensamente. Eu tinha que jogar aquilo. Não existia uma opção de sair, ou de carregar um jogo salvo... Estava escrito apenas “jogar”. Apertei o maldito botão para iniciar o jogo.

No começo do game, não tive nenhum tipo de tutorial ou coisa do tipo, mal pude montar meu personagem e modificar suas características/atributos. Testei o que cada botão fazia, e ao apertar o botão que chamava a tela de menu, apenas me senti ainda mais pressionado e assustado. O nome do personagem era João... Aí pensei comigo mesmo: “Irei manter a calma, isso é só um simples RPG, meu nome e aparência são bem comuns. Não é nada demais”.

Comecei a me aventurar pelo mundo do tal RPG. Era toda aquela coisa clássica, bem simples. Andei até cansar, visitei casas com NPCs que, como sempre, só falavam frases indiferentes para minha vida, com exceção de uma velha senhora — incrivelmente parecida com minha tia — que soltou a frase: “Eu vejo pessoas mortas”. Aquela coisa bem clichê de hoje em dia. Continuei andando, até que encontrei um prédio interessante e decidi entrar no mesmo, assim como havia feito com os demais. Nesse, tinha outro NPC, falei com ele e ele disse a frase: “Olha só João... ganhaste um joguinho interessante”. Até ri no momento, porque a situação estava engraçada. Decidi apertar o botão de ação novamente, e sua frase mudou: “Olhe bem João, cuidado com sua saúde”. Pensei comigo mesmo: “Pode deixar amigão, já joguei muito RPGs e MMORPGs. Sei me cuidar”.

O game era bem divertido, tinha que admitir, era um RPG comigo no jogo! Sai do prédio e dirigi-me ao local em frente a ele. Era uma casa, impressionantemente semelhante a minha. Entrei na cozinha e localizei imediatamente um produto semelhante ao leite que comprei... Cheguei perto dele e apertei o botão de ação. Derrubei o leite no chão então, fiquei até me achando um vândalo e soltei uma risadinha. Tudo corria bem, até que eu escutei o som da caixa batendo no chão. Olhei para trás, andei lentamente até a porta, abri e olhei... O leite estava no chão... Contudo... Tinha um vulto ali... Eu me vi. Eu estava lá. Era horrível, como um lado das trevas de mim... Engoli seco. Apenas corri até meu quarto, tranquei a porta, e voltei no jogo. O personagem continuava lá, intacto.

Continuei minha jornada pela casa, e explorei algumas ações, realmente, tudo o que eu fazia no jogo, acontecia na realidade. Eu precisava desligar aquele maldito jogo, mas não podia... Estava com um mau pressentimento. Sai de minha casa no game, e direcionei-me novamente ao mercado em frente de casa. O NPC que antes havia me dito duas frases diferentes continuava lá. Fui lá e apertei o botão de ação, e decidi socá-lo. Então ele me devolveu o soco. Uma situação comum, senão pelo fato de eu ter sentido o soco no meu rosto... Só podia ser psicológico, eu não estava vivendo aquilo... Comecei a correr com meu protagonista, abri o menu e percebi que a barra de HP de meu personagem estava menor... Só pode ser brincadeira! Fui com meu personagem até o mato, e ouvi alguém me chamando fora de casa.

Deixei o maldito jogo ali, e fui ver quem era. Era meu amigo, Antônio. Havia me perguntado do por que eu tê-lo socado. Não sabia o que responder... Apenas me desculpei e fingi que não foi proposital. Antes de fechar a porta eu avistei um homem, vestido de preto, bem assustador, olhando para minha casa. Subi em meu quarto novamente, e tomei o controle. Não passou muito tempo para que a campainha de minha casa fosse tocada novamente. Dessa vez, de maneira frenética. Comecei a correr com o personagem do jogo em direção a casa, e a porta estava aberta. Ouvi socos extremamente rudes na porta do meu quarto, e entrei em pânico. Cheguei com o personagem em meu jogo a tempo, e comecei a conversar com o homem. Ele sorriu e me disse: “Eu sei quem é você, JOÃO! Vim te buscar! Você ganhou... Uma passagem só de ida para o inferno!”. E uma batalha começou no jogo de RPG. Em meu turno ataquei-o com minha habilidade “soco”. Logo, fui atacado, e senti na pele aquilo... Usei o comando correr, e fugi da batalha. Abri a porta então e sai correndo freneticamente. Aquilo talvez tenha sido um grande erro... O homem não me perseguiu. Pouco tempo depois, porém, eu o vi. Ou melhor, eu me vi. O inimigo tinha o controle. Meu eu maligno começou a me perseguir, e eu não sabia mais o que fazer. Corri, apenas corri, consegui me esconder, mas não irei durar por muito tempo...

É por isso que estou redigindo essa carta... Por favor, me ajude! Não sei o que está acontecendo, só sei que está! E você pode me ajudar... Eu imploro!! Moro em São Paulo, procure pela casa de João Somerri Otto dos Santos!! AJUDE-ME!!!

ELE ESTÁ AQU

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