A Obra Inacabada
Soube-se que viera com a família - a mulher e dois filhos - à procura de emprego e construíra teto para morar às margens do rio Maranguapinho. Construção rústica: tábuas entrecruzadas firmadas a prego em forquilhas anãs, uma manta de lona servia-lhes de coberta.
A fachada comparava-se a uma boca desdentada, pois faltou a madeira para a porta e improvisaram um saco de estopa no vazio da janela.
“Será, minha velha, que a cidade grande trará melhor sorte para nós?”, indagou Jeremias à sua esposa.
“Sabe, Nego, não acredito haver vida mais lastimosa, mais difícil do que viver naquele solo sem água, sem plantação, sem nada!”, respondeu a mulher enquanto segurava um casal de gêmeos nos braços mirrados.
Ao primeiro dia, valeu a acomodação depois de um intenso trabalho de ajustar a morada, sofrer longa viagem madrugada adentro. O gorgolejar das águas escuras contribuiu para o sono restaurador, após a partilha do pão seco umedecido em leite de cabra.
A promessa de emprego com carteira assinada permeara o sonho nebuloso do casal – será que o padrinho de casamento ainda lembraria? Já fazia algum tempo...
O sol espelhado nas águas enegrecidas acertou-os em cheio e Jeremias rapidamente pôs-se a caminho do endereço escrito no verso de um cartão de visitas.
O canteiro de obras formigava de operários e o barulho ensurdecedor da construção abafou inicialmente a sua apresentação ao mestre-de-obras.
Jeremias entregou-lhe o cartão de visitas onde se lia o nome do engenheiro responsável:
“É meu padrinho de casamento!”, disse em tom festivo Jeremias.
“Não trabalha mais aqui – espinhou o velho mestre – andou fazendo bobagens e foi demitido. Nunca mais deu as caras.”
Parte do sonho de Jeremias ruiu naquele instante. Outro tanto desabaria quando retornasse às margens do rio Maranguapinho.