Aquela música

Ela sabia.

Ela sabia muito bem que ouvir aquela música iria fazê-la chorar de novo. Só porque era AQUELA música. Era a música que ELE mais gostava. Não havia como não chorar. Precisava enterrar a cabeça no travesseiro e (tentar) esquecer que o mundo existia ao seu redor.

Isso bastou para Raíssa tirar os fones dos ouvidos da menina com força e resmungar pela milésima vez a mesma coisa:

- Esquece isso, amiga. Só esquece.

A garota fingiu que não escutou e pegou os fone de volta, evitando abrir os olhos.

- Anda Aby. Tira esses fones, levanta e vai tomar uma chuveirada, se não você vai se atrasar. Na verdade, eu é que já to atrasada pro meu trabalho e preciso te levar pra escola, então vamos logo.

- Rai. A música só dura três minutos e meio. Não quero ir a aula hoje. Deixa eu ficar aqui. Só hoje, te juro.

- Abigail. Você tem dezoito anos e está no último ano da escola! Sabe que devia ser mais responsável! Tem que esquecer as coisas ruins e só ficar com as boas na cabeça!

Aby pressionou ainda mais os fones contra suas orelhas. Odiava o próprio nome, ainda mais quando alguém o pronunciava com raiva. Era como se o peso de ter um nome esquisito - sem contar que era sempre o primeiro da chamada - caísse totalmente sobre suas costas.

Era um saco. Tudo aquilo era um saco. Ter dezoito anos também não significava muita coisa a não ser que ela tinha uma década e oito anos de vida. E podia também beber, ir a festas badaladas e assistir filmes pesados ou se drogar. Mas não. Ela estava ali, deitada na cama, chorando, querendo só mais três minutos e meio (não eram nem cinco!). Era pedir demais?

- Aby...

- Tá bom, mandona. Tô indo. - e se levantou enxugando uma lágrima, que escorria pela bochecha esquerda, com a costa da mão.

Aby não queria acordar. Passou a noite inteira chorando por uma besteira e não se sentia na vontade de ter de encarar o dia seguinte. O que havia acontecido? Nada havia acontecido. Bem... A não ser o fato de que ela havia estragado tudo. De novo. Principalmente com a pessoa que ela deveria ser, no mínimo, menos idiota do que o normal. A chance que ela mais queria na vida tinha sido desperdiçada. E ela olhava para o chão como se quisesse fazer o leite derramado voltar a jarra. Era tarde demais.

Ela era uma idiota. E ele com certeza sabia disso.

A garota foi até o espelho do banheiro e jogou água gelada no rosto para tentar tirar o inchaço. Não preciso nem dizer que não funcionou muito. Suas bochechas ficaram vermelhas. Qualquer coisinha as deixava assim. Pelo menos parecia mais viva daquele jeito, mas ainda não era o bastante para fazê-la se sentir melhor. Passou uma camada de rímel nos cílios e um batom cor de boca nos lábios. Teve de encarar o espelho e segurar sua vontade estúpida de ter outra catarse. Fingiu um sorriso e ajeitou o cabelo longo e castanho.

- Estou pronta pra encarar o dia. - mentiu ao encarar a imagem refletida no espelho.

- Aby, desculpa não poder conversar direito agora - sua amiga Raíssa respondeu ao ver que o banheiro do quarto estava novamente vazio. - Mas eu juro que se você ainda precisar conversar, eu vou ser toda ouvidos. Chego as seis da tarde.

- Sei disso, Rai. Eu to bem. Mesmo. - mas não estava, é claro.

- Escuta outra música. E esquece ele. Deixa isso pra lá, não é tão importante assim.

Aby não respondeu. Em vez disso, pegou seu iPod velho e selecionou uma música. Uma música diferente da que estava ouvindo antes. Precisava esquecer que tinha estragado tudo mais uma vez. Uma hora ela tinha que aprender com os erros afinal. Mesmo que cometer várias vezes o mesmo erro fosse burrice. Talvez os burros precisassem de mais chances para se reerguer sozinhos quando caíssem. Ela esperava de verdade que, da próxima vez, ela fizesse as coisas do jeito certo.

Errar era quase como seu nome do meio.

Mas seria um erro ouvir AQUELA música de novo. Então se forçou a escolher uma outra, que nada tivesse a ver com seus sentimentos, mas que a fizesse entender que era hora de crescer. E parar de ser tão idiota.