Brincando com Fogo

O local era o mesmo de sempre: sentados no meio fio sem calçada, com os pés descansando no chão desnivelado. Fazíamos uma fogueira para esquentar nossos corpos e para criar uma atmosfera de suspense.

Ficávamos esperando chegasse logo o seu Macilon para nos contar histórias de Trancoso, algo que sua criatividade conduzia muito bem.

Certa noite ele chegou com o seu aspecto misterioso e sentou-se ao nosso lado. Vestia uma roupa escura sem contraste com o chapéu de veludo no mesmo tom.

Depois de algumas saudações ele principiou: “hoje só fica até o final quem for muito corajoso; fazer juramento de que não tem medo de assombração nem de gente do outro mundo”.

E começou a narrar a história do círculo de fogo que nascia das brasas de um morro que cuspia tochas incandescentes no meio do mato. Tomava forma de homem e vinha molestar as pessoas pedindo alguns favores; caso não fosse atendido ele queimaria, deixava tostadinho quem recusasse seu apelo.

Meu primo Elias viera pela primeira vez assistir esse tipo de palestra, posto que morava em outra cidade fora do campo. Lembro-me dos seus olhos arregalados, encolhia-se todo e agitava as mãos com profundo sensacionalismo.

Encostei um pouco o meu corpo ao seu e senti que ele tremia qual vara verde na aragem.

O contador evoluía em seu discurso, citando horrendos casos de pessoas que se negaram a ajudar ao estranho ser e isto apavorava mais ainda o pobre do meu parente.

Caprichou bastante, o nosso contador de “causos”, posto que, até quem já o conhecia, como eu, ficou um pouquinho assustado. Finalizou a narração dizendo assim: “vocês todos se comprometeram em não guardar medo da Coisa-fera, portanto, não venham depois dizer que eu não avisei!”, legitimando todo o conteúdo enigmático ao mesmo tempo em que nos dispersávamos.

Incrível foi quando, após nossas orações, ao me preparar para dormir, vi meu primo, contrito, mãos postas, olhar direcionado para o céu, confessando baixinho:

“Proteja-me, Senhor, eu estava só brincando; eu tenho medo da Coisa-fera pra caramba!”.

Rui Paiva
Enviado por Rui Paiva em 11/10/2014
Código do texto: T4995563
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