Aventura Indesejada

Impressionou-me a maneira que me dirigiam os olhares quando percorri a pequenina rua. Procurava por certo Sr. Muriel que, conforme me passaram, tinha poderes e atitudes místicos. Alguns o tachavam de louco; outros lhe conferiam apenas o rótulo de esquisito.

Mais uns passos e me deparei com a casa de aspecto sombrio e suas enormes janelas em tons escuros. Uma pequena varanda dava para a porta principal à qual pendia uma sineta corroída pelo tempo.

Ao seu breve tilintar, numa fração de minutos um senhor de aspecto maduro e rosto encovado fez rangerem as pesadas dobradiças e me convidou a entrar na sala que, só de olhar, já me causava arrepios.

Uma atmosfera de mofo impregnava o ambiente e a pouca luz emprestava pesado ar de mistério. Eu tremia qual um fiapo de capim e ao afundar o assento de uma velha poltrona uma nuvem de pó subiu em espiral.

“Muito bem, meu garoto. Seu pai tenciona que lhe dê um reforço escolar, não é mesmo? Isto implica dizer que tem vadiado um pouco no colégio, estou certo?” – sua voz escorregava como o eco de uma caverna e seus olhos me espetavam como navalhas.

Minha mente reproduzia as palavras insistentes de minha mãe, à época das provas finais: “Tonico, seu pai está injuriado após tomar conhecimento do seu rendimento escolar! Está ameaçando colocar você sob os cuidados do Sr. Muriel. Só assim você toma gosto pelos estudos.”

Menino às vezes não houve conselhos de mãe e agora eu estava ali, pálido feito uma vela, suando em bicas. Alguns colegas já me haviam adiantado sobre a fama daquele homem, mas, jamais, em hipótese alguma, eu pensei em experimentar esta terrível aventura.

E a tarde mais demorada da minha vida foi preenchida pela voz cavernosa daquele senhor me repassando ensinamentos de matemática, física, química... Um relógio “gongou” o término da tortura, já à boquinha da noite, e eu escapuli como um raio.

Atualmente me considero um aluno exemplar e um excelente receptor de conselhos de mãe. Tenho obtido notas excepcionais e estudo todas as matérias com afinco.

Sempre que posso, advirto meus colegas: “estudem, não caíam nas mãos do Sr Muriel!”

Prometi passar esta mensagem a todos que, por um motivo ou outro, não levam a sério os estudos.

Deus do Céu, só aquela voz cavernosa!...

Rui Paiva
Enviado por Rui Paiva em 06/10/2014
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