O Segredo das Estrelas

A clara manhã de domingo foi subitamente interrompida em seu preguiçoso silêncio. O caminhão acabara de estacionar frente à casa de fachada esverdeada, trazendo em sua carroceria um amontoado de móveis e utensílios.

Após a abertura da tranca do portão, os objetos foram carregados por homens de rostos fechados, concentrados no trabalho, indiferentes aos olhares curiosos da vizinhança.

Um homem orientava a distribuição da carga, tinha o corpo franzino e a voz saía-lhe como uma nota musical. Soube-se, depois, que era poeta, gostava de conversar com as estrelas.

Só depois que a última peça foi retirada, a menina Débora deu o ar de sua graça ao sair da cabine do caminhão abraçada com seu coelhinho de pelúcia.

Quando pus os olhos naquela menina, senti meu coração agitar-se e, a maneira como ela me olhou, redobrou suas batidas, quase me toma o fôlego.

Com o passar dos dias, ficamos amigos. Ela me mostrava os rascunhos das poesias do seu pai e uma vontade repentina invadiu o meu peito de também escrever coisas bonitas para ela.

“Como seu pai consegue escrever coisas tão belas?”, perguntei.

“Uma vez ele me confidenciou que era segredo das estrelas!”, ripostou a doce menina.

Todas as noites eu me apresentava com papel e lápis à mão e ficávamos, enternecidos, olhando o infinito pontilhado de estrelas distantes. A lua prateava seus cabelos distribuídos em novelos de cachos, o reflexo das luzes da rua emanava de seus olhos miúdos e a respiração me faltava, como também me faltava a poesia escrita.

“Não consigo escrever uma linha sequer”, confessei-lhe certa vez.

“É preciso puxar da alma, como diz meu pai!”, confidenciou-me em voz aveludada.

Mais uma vez meu coração ficou aos saltos, bagunçando meus pensamentos, minhas mãos trêmulas quase a deixar cair papel e lápis, e a voz teimando em sair.

Ela me olhou de uma maneira diferente, como a puxar-me pela alma e me beijou o rosto, demoradamente.

A minha primeira poesia acabara de ser produzida, sob o olhar atento e faiscante de um turbilhão de estrelas.

Rui Paiva
Enviado por Rui Paiva em 04/10/2014
Reeditado em 04/10/2014
Código do texto: T4987005
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