Moço e Moça
Saí de casa sem querer saber para onde iria, ou onde ele estaria só queria sumir, ficar escura como a noite. Mas esse era o problema a noite não era completamente escura, ela tinha minúsculas partículas de luz, que eu chamava de estrelas. Vaguei solitária pelas ruas da vizinhança, tentando encontrar algo ou alguém que me fizesse ficar, que me encorajasse a parar de fugir do meu destino, que apenas me falasse “pare de sorrir, e chore, pois até o céu com sua infinita grandeza, para, e às vezes chora.” Mas nunca apareceu ninguém assim, ninguém que me encorajasse a ser quem eu era. Mas o que você pode se tornar quando se sente tão só, rodeada por bilhões de seres pensantes, igual a você, se não apenas um borrão no meio da escuridão?
Cheguei a meu ponto. Ali bem a minha frente se encontrava um bar, ou seria uma discoteca? Não sei. Andei, e adentrei no estabelecimento esperando encontra-lo, mas para variar, eu a garota que pensa de mais, não o viu. Mas mesmo assim olhei ao redor, para aquelas paredes marrons com rachaduras perto do balcão, olhei para aquele lugar cheio de pessoas vazias, sem vidas sentadas e bebendo, por que convenhamos quem não ama, bebe. Olhei para aquela banda tocando com suas letras melancólicas, mas principalmente olhei para a face do cantor que mostrava um sofrimento, uma solidão que chegava a ser palpável, era de da pena vê-lo. Sai da porta e me encaminhei para o elevador sem nunca olhar para cima, pois eu já vira bastante sofrimento no rosto daquele pobre cantor, olhar para baixo quando você não tem direção me parece uma forma viável de esconder sua dor. Enquanto caminhava para o elevador, senti meio que um choque, não na verdade era mil vezes pior que isso. Ele estava a me observar, então nesse momento olhei para cima e o vi. Mas quem ele era? Não sei. Subi no elevador para último andar e cheguei ao terraço, onde por fim soltei minha respiração, que só até aquele momento percebi que a estava prendendo. E sentei-me, olhei para a escuridão imensa da noite e pensei “a quem eu estou pensando, vindo aqui só para ver a noite?”.
–Olá? – Uma voz chamou-me
–Sim?
–Por que a moça está aqui na escuridão?
–Não sei moço...
–Gosta tanto assim da escuridão do céu, moça?
–Talvez... Mas o céu não é escuro...
–Como assim moça? Olhe para cima! Ele é totalmente negro, sem vida...
–Na verdade não é não, moço...
–Como assim, moça?
–Veja, meu avô me contava que há muito tempo atrás, que o dia com pena da noite fez as estrelas...
–Mas o que isso tem haver, moça?
–... As estrelas, a principio não gostou muito de serem criadas, pois sabe quando você é feito de algo grandioso você quer, tem que ser grandioso...
– Mas o que isso tem haver, moça?
–... O dia explicou-lhes que a noite era apenas escuridão e que precisava muito de pequenos guias para que não se perdesse, na sua tristeza, no seu auto desprezo, na sua magoa...
–Mas o que isso tem haver, moça?
–Você vai me deixar terminar ou vai continuar me interrompendo, moço?
–Desculpe-me, continue...
–Onde parei mesmo?
–Magoa...
–A sim, magoa, obrigada moço. Bem como estava falando antes que você me interrompesse, que a noite apenas não podia se perder na sua solidão. Mas o que as estrelas não entendiam eram, que por que elas teriam que fazer companhia LOGO A NOITE! E o sol, que é quem da luz ao dia se intrometeu no meio da conversa e falou: “Por que vocês acham que o dia é tão brilhante? Por que ele já nasceu assim? Não, não é bem assim. Antes que eu aparecesse no dia, ele não existia, ele era como a noite, só. Mas eu, o sol quis da luz a algo. Quis apenas ser responsável por fazer algo triste, feliz. Então vocês pequenas estrelas serão a eterna companhia da noite e de sua imensa escuridão, serão o seu guia, eternamente. Trarão um pouco de luz a noite. Vocês , serão a luz mais linda, para quem souber procurar na escuridão.
–Nunca tinha pensado na noite assim, moça...
–Eu sei, poucos veem através do preto ou branco...
–Mas moça, então quer dizer que você é igual à noite?
–Na verdade moço, não sou.
–Por que não?
–Por que se até a noite com sua imensa escuridão tem as estrelas como companhia, por que me sinto tão só?
–Talvez você só precise de uma estrela...
E ele me olhou, e não sei o que aconteceu, mas pela primeira vez em muito tempo, eu chorei, eu o vi. Ele era aquele cara que estava cantando, com seu rosto triste, soube me ouvir, soube me olhar, soube procurar uma luz em meio a minha escuridão.
–Quem é você moço? –Perguntei, enquanto me levantava limpando a sujeira das minhas calças, e de relance o vi me encarando.
Ele parecia tão diferente daquela pessoa que eu vira cantando para aquelas pessoas sem alma lá no saguão, ele parecia uma estrela. Só que uma estrela anã. Por que com certeza ele iria deixar uma marca com sua resposta.
–Moça, não sou ninguém, sou apenas uma pessoa que canta para outras pessoas sem alma, sem amor. Sou apenas escuridão, acho que não posso ter uma estrela, acho que não posso ter sol, sou só eu. Um ninguém.
Depois que ele pronunciara aquelas palavras, bem lentamente como se ele estivesse deixando uma parte de si muito valiosa com uma estranha em um telhado, se virou e entrou no elevador. Ele me parecia um ótimo pretexto para ficar, e eu ficaria. Mas era tarde de mais para ele, seu coração como imaginara, já estava em pedaços, talvez tivesse concerto, mas convenhamos quando você pode amar por inteiro, por que escolher um coração despedaçado? Então em vez de segui-lo me virei, sentei-me e voltei a encarar a noite. Mas só que desta vez, eu não estava só, ele o moço, tinha deixado um pedaço dele comigo.
Ele tinha me dado uma estrela particular.
E então a garota sem coração finalmente, amou...