A Estrada de Tijolos Amarelos

Despertar na serra do Alcântara, é inebriar-se de beleza e paz interior. Um sol pastoso irrompe logo abaixo, trazendo frias sombras e fiapos de luz, através da densa ramagem. Bebe-se o café fumegante e expira-se a fumaça, qual pequena chaminé, formando espirais no retângulo da janela.

Os transeuntes da sala têm pressa: agacham-se uns buscando sacos de estopa, outros escolhem pás e enxadas e seu Gonçalo, o rosto semiadormecido, bate as pestanas enquanto prepara a mula colocando-lhe a cangalha e o cabresto para a descida até o vilarejo.

Lá embaixo o casario parece adormecido, com suas portinholas fechadas, resistindo aos raios da manhã que faz carinho em suas faces caiadas.

Há muitos anos a cena se repete: o velho conduz a mula pelas trilhas, já tão conhecidas. Antes, só. Agora, ao peso da idade, traz seus dois netos para ajudá-lo a vender o resultado de sua colheita diária.

Os garotos cuidam de tudo. Enchem os caçuás de banana, manga, sapoti, jaca, graviola e pitangas. Completam a quartinha com água do poço para refrescar a sede e atrelam tudo no dorso do animal.

Seu Gonçalo cofiava a barba grisalha, de vez em quando alçava o chapéu de palha, e escorria a mão por sobre o cabelo e pensava: “Tivesse uma oportunidade de encurtar caminho, aliviaria mais o meu corpo cansado e logo chegaríamos ao mercado; acho que, após tantos anos dobrando meus joelhos nesta penosa descida, o frio das noites fazem minhas juntas tremerem de tanta dor ”.

No caminho, próximo a uma gruta onde um córrego desliza suas águas cristalinas, uma senhora com o rosto encoberto por um véu acendia uma vela e elevava o olhar para os céus.

Quando os viajantes aproximaram-se, ela não se perturbou e continuou o que fazia. Recolheu uma trouxa de roupa que acabara de lavar, pôs em sua cabeça e caminhou em direção oposta.

Seu Gonçalo e os garotos iam dar continuidade à marcha quando a mula empacou, quedou-se e não mais saiu do lugar. Não adiantavam os esforços dos meninos nem tampouco o esbravejar do velho. Por mais que empurrassem, ela insistia em ficar com o focinho apontando para a direção em que a estranha senhora tomara.

Igor, o garoto mais novo, largou o que fazia por alguns minutos e resolveu dar uma espiadela. Adiante havia um imenso clarão. Ele deu alguns passos. E mais alguns ainda. Até que se deparou com uma estrada de tijolos amarelos.

Descer a serra apinhado de mantimentos e frutas tornou-se uma tarefa menos rude para os ossos cansados do velho lavrador. Embora tenha os mesmos cuidados quando o galo anuncia o esplendor da nova manhã, a sua descida para o vilarejo tornou-se menos dolorosa e, antes do esperado, ele já está de volta com toda a sua carga vendida.

Alguns curiosos teimam em dizer que o velhote esquentou o quengo, ficou lelé da cuca; chamam-no de tonto devido as suas espalhafatosas risadas quando se referia a um atalho dourado que conhecera...

Rui Paiva
Enviado por Rui Paiva em 26/09/2014
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