A Jangada Chinesa
Era feita de bambu. Flutuara por esses mares e veio repousar em solo cearense.
Ao vê-la, assim, totalmente despida de vela, penso nos sonhos de seus ocupantes ao enfrentarem o furor das ondas. Imagino o temor das famílias que permaneceram em terra firme, esperando a refeição que viria dos mares chineses.
Acaso possuíam bússola? Ou a carta náutica evidenciando a rosa-dos-ventos? Difícil acreditar. Talvez se orientassem pelas estrelas, ou ainda a trilha solar, as luzes de suas aldeias...
Singrando as águas, não resistiu suficientemente ao rigor do tempo; quem sabe uma tempestade inusitada sacolejou-lhe como a um marionete e fê-la ir à deriva, deixando uma longa história atrás de si.
As gaivotas que porventura cruzaram seu caminho não atinaram o rumo incerto, à revelia, e tomaram seu curso, indiferentes.
O destino inesperado da jangada chinesa voltou meu pensamento para os heróis da nossa costa. Nossos pescadores artesanais mitigam seus infortúnios arriscando, também, a própria vida.
Mal quebra a barra da manhã e já estão eles, intrépidos, rolando suas balsas de piúba sobre roliços troncos de carnaúba. Despedem-se da mulher e filhos, como uma espécie de adeus enigmático, olhares nodosos de uma lágrima sorrateira.
Vamos lá, meus heróis! Ao sabor dos ventos, conduzindo um punhado de esperanças. Imprimam a força para esticar a lona, a fim de ganhar velocidade. Não há de acontecer que o céu transvista-se de cinza, gerando as borrascas; os vagalhões não engolirão a ousada façanha e suas peles tostadas não ficarão a mercê dos raios solares.
Atentem para os mantimentos: o peixe seco com farinha, a rapadura, o angu de castanha, já estão postos na quimanga? O cabo já está atado à ancora?
O convés dará abrigo contra o frio da noite, cortante qual a navalha; seu regozijo será o lusco-fusco das esferas celestes até o enlace com o sono dos justos.
A água doce que desce dos rios misturando-se com a salgada não irá afugentar os peixes; haverá fartura na rede lançada e a diversidade ficará a se debater no intrincado dos nós.
De modo algum esta jangada exibirá o mastro desnudo, náufraga, ancorada em algum porto longínquo e ignorado...