A Cidade Fantasma

A Cidade Fantasma

O cruzeiro fincado em frente à única igreja faz lembrar a presença de habitantes pregadores da fé. A madeira sofre os rigores do tempo e a tinta há muito resiste em finíssima película.

Uma casa aqui, outra ali – algumas com o pano de suas paredes em ruínas, o madeiramento arriado e as portas despregadas de suas dobradiças, teias de aranhas expostas nas esquadrias.

A rua é poeirenta e o vento - uivando como um lobo - tange um rolo de cipós pelas calçadas esburacadas.

Avista-se adiante a cacimba, a roldana presa no pau entre as forquilhas, o barulho de algo chapinhando nas águas ao fundo.

Ninguém à vista.

Do céu vem uma chama luminosa, tornando o ar em insuportável mormaço.

Outra rajada e tudo se cobre novamente de pó, a areia formando uma espiral, jogando-se contra a fachada triste das casas.

Súbito, vindo da trilha escondida atrás do casario, o retinir de um monte de chocalhos, o berro estridente de uma dezena de cabras e o estalido de um chicote.

Somente.

Nenhuma sombra em movimento, sequer.

E surge o barulho de homens capinando, pás e picaretas cutucando o solo, mulheres cantam em coro enquanto espalham sementes no chão árido.

O som clássico de um piano ecoa no salão de jogos, e se perde nas varandas repletas de colunas.

A noite desce repentinamente, o tempo esfria.

Clarões celestes mostram a face escaveirada das casas, bocas e olhos ocos.

Passos denunciam a passagem do casal e seu filho, “vivinhos da silva”, cabisbaixos.

Aceleram a passada ao chegarem frente ao portão do cemitério.

Segundo a lenda, ali se deita sossegadamente o corpo de certo capitão, fundador da cidade.

À noite, transforma-se em serpente para afugentar algum forasteiro indigesto.

Em noites de lua cheia é comum escutar algo rastejando e produzindo sons advindos dos guizos de sua cauda.

Rui Paiva
Enviado por Rui Paiva em 23/09/2014
Código do texto: T4973262
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