A Cidade Fantasma
A Cidade Fantasma
O cruzeiro fincado em frente à única igreja faz lembrar a presença de habitantes pregadores da fé. A madeira sofre os rigores do tempo e a tinta há muito resiste em finíssima película.
Uma casa aqui, outra ali – algumas com o pano de suas paredes em ruínas, o madeiramento arriado e as portas despregadas de suas dobradiças, teias de aranhas expostas nas esquadrias.
A rua é poeirenta e o vento - uivando como um lobo - tange um rolo de cipós pelas calçadas esburacadas.
Avista-se adiante a cacimba, a roldana presa no pau entre as forquilhas, o barulho de algo chapinhando nas águas ao fundo.
Ninguém à vista.
Do céu vem uma chama luminosa, tornando o ar em insuportável mormaço.
Outra rajada e tudo se cobre novamente de pó, a areia formando uma espiral, jogando-se contra a fachada triste das casas.
Súbito, vindo da trilha escondida atrás do casario, o retinir de um monte de chocalhos, o berro estridente de uma dezena de cabras e o estalido de um chicote.
Somente.
Nenhuma sombra em movimento, sequer.
E surge o barulho de homens capinando, pás e picaretas cutucando o solo, mulheres cantam em coro enquanto espalham sementes no chão árido.
O som clássico de um piano ecoa no salão de jogos, e se perde nas varandas repletas de colunas.
A noite desce repentinamente, o tempo esfria.
Clarões celestes mostram a face escaveirada das casas, bocas e olhos ocos.
Passos denunciam a passagem do casal e seu filho, “vivinhos da silva”, cabisbaixos.
Aceleram a passada ao chegarem frente ao portão do cemitério.
Segundo a lenda, ali se deita sossegadamente o corpo de certo capitão, fundador da cidade.
À noite, transforma-se em serpente para afugentar algum forasteiro indigesto.
Em noites de lua cheia é comum escutar algo rastejando e produzindo sons advindos dos guizos de sua cauda.