DANIEL E AS PALAVRAS

O mocinho tem nove anos, cursa o 4º ano do ensino fundamental, e gosta de ver o colorido das palavras surgindo no monitor da máquina de fazer conversas. São elas umas minhoquinhas de luz que surgem dançando em seu mar de ideias. Um dia, o menino envolveu-se de mistérios, recém-nascidos carinhos, e não mais que de repente, segurou pela cauda e montou uma estrela que andava por ali, passeando lentamente – uma réstia de luz de dentro da cabecinha. Num dia de inverno nordestino, cheio de sol, ventos e areias, cavalgou esta estrela de muito brilho, em formato de carta, que seguiu adiante, um pouco tímida. Sem muito saber, estava inaugurando o brinquedo das conversas entre ele e os de longe. Chegada ao sul do mundo, aquele que recebia a visita ficou tão feliz que o beijo saiu sozinho dos lábios e colou na estrela. Só para dar resposta ao impulso do querer-sem-saber-bem-o-quê e também para não perder-se em admirações surgidas pela chegada do cavalinho luminoso. E pensou que talvez fosse esta uma porção da estrelinha natalina, aquela que – há muitos e muitos anos – indicou aos peregrinos o nascimento de outro menino que, para muitos, abençoa a humanidade... E na outra ponta do céu do Brasil, este outro mocito – gasto de vida e em plenitude de amor – bebeu estrelinhas lendo a carta, por entre lágrimas de alegria. Assim nasceu esta historinha para Daniel, que descobriu o amor entre os humanos montado num inocente papel cheio de minhoquinhas nuas fantasiadas de estrelas, pés descalços. E os dois meninos fizeram o mesmo: descalçaram suas sandálias e foram fazer arteirices no pátio. Cada um do seu jeito, à sua moda, mas amor era o mesmo. Curiosamente, o pequeno mundo dos dois ficara mais precioso com a chegada da cartinha grávida de estrelas e de versos. O menino mais usado de mundo e de ideias, recolheu uma estrelinha muda que se enganchara em seus cabelos de prata. E ficou esperando um novo ponto de luz distraído capaz de dizer palavras. Há algum tempo sabia que era essa a maneira simples de contar traquinices: colher estrelas interiores. A todo momento, no frio do sul do mundo, imaginou que do outro lado, os dois meninos estivessem também bordados de estrelinhas, mesmo que ainda não fosse tempo do Natal.

– Do livro O CAPITAL DAS HORAS, 2014.

http://www.recantodasletras.com.br/juvenil/4858142