[Original] Ela me faz - Capítulo 13

Capítulo 13 – Parceiros

- Quanto tempo, Rafaela Marchiori!

Eu sabia que Fernando me receberia dessa forma, então me mantive em silêncio. Sentei-me em sua cama e o fitei. O namoro com ele tinha sido uma boa sacada, não nego, mas andávamos nos desentendendo bastante e isso me preocupava, já que a amizade dele era importante pra mim.

- Eu não consegui vir aqui por causa do bebê. – Expliquei, me sentindo levemente ridícula. – Por incrível que pareça ela também fica doente.

- Entendi. A professora Lara tá forçando a barra pra manter você e o Lucas juntos, hein?

- Fernando...

- Eu estou falando sério, Rafaela ou só você não percebeu que é isso que ela quer? Apesar que ainda não te vi reclamando disso.

- Não é bem essa a questão! Lara foi chantagista. E tanto eu como ele precisamos de nota com ela.

- E esse trabalho foi bem certeiro, não é? Já não basta vocês morarem juntos, ainda tem que conviver mais juntos ainda por causa de uma boneca!

A agressividade nas palavras dele me deixaram em alerta.

- Eu não quero brigar contigo.

- EU quero brigar, Rafaela! Você não tem noção das piadinhas que eu tenho que ouvir da Olívia!

- O que aquela imbecil tem falado pra você?

Eu fiquei de pé, Fernando também.

- Não importa o que ela disse, droga! O que importa é que eu estou começando a gostar de você também e isso tá acabando comigo. Ainda mais porque sei que você é apaixonada pelo Lucas.

- Eu sinto muito... – Não sei bem porque disse aquilo. Quando alguém se declara não quer ouvir essa frase. Eu não gostaria de ouvir isso. Fernando respirou fundo e balançou a cabeça, assentindo. – Fernando, olha...

- Rafaela, é melhor a gente deixar esse namoro pra lá. Eu já to fodido o bastante com a Olívia, uma eu sou capaz de levar, mas duas não.

- Tudo bem.

Eu saí do quarto em silêncio. Juro por Deus que não queria que as coisas fossem assim. Eu queria amar Fernando num ponto de não sentir mais nada por Lucas, mesmo sabendo que era muito difícil. E ele fez certo em terminar o namoro. Tá se poupando de sofrer ainda mais.

Desci as escadas e vi a mãe dele sentada no sofá, assistindo televisão. Ela me olhou de forma carinhosa.

- Não faça meu menino sofrer.

- Não farei mais. – Respondi, com um sorriso franco

A vontade de chorar só me invadiu quando notei que sem a amizade de Fernando eu me sentia sozinha. E mais uma vez o meu egoísmo me fez perder outra pessoa.

“Até quando as coisas vão ser assim?”

(...)

Quando voltei pra casa encontrei Lucas na cozinha. Como estava de costas pra mim, ele não viu quando entrei. Parei em sua frente com uma sensação nada boa.

- O que você tem? – Ele mexeu o dedo indicar perto da boca, pedindo algo que demorei a entender. – Lucas!

Eu demorei alguns minutos pra entender que Lucas estava tendo uma crise de asma. Seguindo suas orientações, eu tentei procurar sua bombinha. Eu nem sabia que ele tinha asma, muito menos que usava bombinha. Encontrei dentro de seu criado-mudo no quarto. Desci as escadas correndo e entreguei pra ele.

- Lucas!! Olha pra mim. – Vi que ele tentava se apoiar no armário. Eu coloquei seu braço sob meu ombro e o levei pro sofá. – Vamos!!

Com muito custo, o ajudei a usar a bombinha. Foram três baforadas para que ele melhorasse

- Por que você não disse que tinha asma? – Perguntei, baixo. Sua respiração começava a se normalizar.

- Eu não tinha crise faz muito tempo. Tenho essa bombinha só por segurança e porque Lennon me mandou levar caso acontecesse.

- Você tá melhor? – Ele balançou a cabeça, assentindo. Eu segurei sua mão. – Meu Deus, eu fiquei com medo.

- Foi bom você ter aparecido. Uma vez tive crise em casa sozinho, foi a pior coisa que já passei na vida.

- Deve ser horrível mesmo. – Lucas entrelaçou os nossos dedos. – Mas que bom que você tá melhor.

- O que te aconteceu, hein? Tu tá com uma cara nada boa.

- Você acaba de ter uma crise de asma e a cara ruim é a minha?

Ele riu, mas não me deixou fugir do assunto.

- Fala.

- Fernando e eu brigamos.

- Bah.

- É. E terminamos.

- Por que?

- Ele começou a gostar de mim também.

- E isso não é bom? – Ele franziu o cenho, mas depois entendeu. – Ah, “também”, ou seja, gosta da Olívia e de ti.

- É isso. Eu gosto muito dele, não queria que as coisas terminassem assim.

- Não fica triste não. As coisas vão se ajeitar. – Lucas sorriu, iluminando a cor de seus olhos.

Pensei em dizer outra frase que Fernando me disse, mas não consegui.

Lucas deitou a cabeça em minhas pernas e me olhou com uma serenidade que eu não via em seu olhar a algum tempo.

- Você me consolando... Que curioso.

Ele sorriu.

- É, também acho... É bom quando nós conversamos sem briga. Eu gosto.

- Por que?

- Porque eu começo a te conhecer melhor.

A mão dele pousou sob a minha.

- Lucas...

- Eu não estou contando mentira.

- Vamos mudar de assunto.

- Certo. Joãozinho gosta da Mariazinha, mas ela é uma guria boba, braba e que só sabe discutir com ele, mesmo sabendo que o sentimento é claramente recíproco. Todos sabem disso.

- Pena que a Maria não pode confiar no Joãozinho, não é?

- E por que não?

- O Joãozinho fez uma coisa que quebrou a confiança que a Maria tinha nele. E ela não sabe se isso pode ser reconstruído.

Durante essa curta conversa hipotética, Lucas manteve o olhar fixo no meu, mas frustrou-se com minhas últimas palavras. Eu avaliei suas palavras, uma por uma, inclusive a declaração. Não vou negar que me balançou, que quase me fez jogar tudo pro alto e ficar com ele. Quase. Se bem que não falta muito pra eu ser vencida pelos meus sentimentos.

- Eu vou descobrir o que eu fiz e fazer tu me perdoar.

- Boa sorte.

(...)

Como Lucas ia pro curso junto com Olívia, eu tinha toda a atenção de Iasmin pra mim. E no caminho, enquanto eu a ouvia falar que nós precisávamos pintar a casa e trocar a fechadura do banheiro, minha mente trabalhava, pensando em qualquer coisa que não fosse uma reforma doméstica.

- Rafaela, eu conheço essa sua expressão. – Ouvi Iasmin dizer, puxando-me a realidade. – É a de quem tá ouvindo qualquer coisa, menos o que eu disse.

- Desculpe, estava pensando no... – Revirei os olhos. – no... Você sabe...

- No Lucas.

- É.

- Vocês brigaram?

- Não. Por incrível que pareça o que eu pensava a respeito dele era uma coisa boa.

- Sério? – Seus olhos se encheram de uma sincera esperança. – Compartilhe isso comigo.

- Ué? Você não disse que se cansou do meu caso complicado com ele?

- Sim e não. – Ela deu de ombros.

- Explique isso.

- Quando vocês brigam para esconder o que sentem um do outro eu realmente me irrito, mas quando você tá mais maleável eu volto a torcer pela união de ambos.

- Nossa, Iasmin. – Fiz uma expressão de nojo que a deixou sem-graça. – Meu Deus, o que o amor não fez com você, hein?

- Para de me enrolar e conta sobre o Lucas.

- Estou considerando a ideia de perdoa-lo. – Ela meneou a cabeça, em concordância. – Não sei, talvez eu me arrependa disso, mas as vezes ele me parece realmente sincero.

- Você vai me contar o que ele te fez?

Eu a fitei por um tempo depois baixei a cabeça, pensativa. Iasmin merecia saber a verdade.

- Uma vez eu estava a caminho do banheiro do Amália, quando ouvi Lucas e a turminha dele falando de mim. Eu gostaria de nunca ter ouvido aquilo...

- Continue...

- Foi logo depois que ele ficou famoso no Amália...

Contei em breves palavras a frase que por muitas noites me atormentou. O choque de Iasmin foi tão grande que me arrependi de ter contado.

- Eu não posso acreditar que aquele palhaço fez isso!

- Fez. E eu já não tinha como fugir porque eu... Bem... – Respirei fundo. – Eu já tinha levado a história longe demais.

- Ele não tem nem ideia de que seja isso, não é?

- Não. Diz ele que vai se empenhar em descobrir, mas eu duvido muito.

- Rafa, o Lucas não é má pessoa. Será que ele não disse isso só pra se engrandecer pros amigos? – Considerei sua pergunta. Tinha sentido, claro. Mas era meio tarde. – Sei lá, homem é idiota por natureza. Não acredito que ele tenha feito isso com maldade.

- Uma espontaneidade desnecessária?

- Talvez! – Agora andávamos um pouco mais lento. – Rafaela, guardar as coisas é muito pior, e você sabe disso. Você tá claramente apaixonada e esconde isso. Quando for se abrir isso vai ser como uma explosão dentro de ti.

Lembrei de uma vez que Fernando me dissera algo parecido e eu não lhe dei atenção. Ele estava certo, Iasmin também. Só que não consigo mudar isso.

- Eu tento confiar nele, juro que tento, mas sei que vou chegar em casa agora e vê-lo fazendo qualquer coisa idiota. Tipo cuidar daquela boneca. Lucas tem o dom de me fazer enlouquecer.

Ela riu.

- Ele tá se empenhando, você não pode negar isso.

- Ah, muito.

Quando finalmente chegamos em casa, para minha total surpresa encontrei Lucas cuidando da nossa filha de mentira e ao seu lado, Emerson com algumas malas a sua frente. Iasmin quase caiu no chão, mas para sua sorte eu estava bem atrás dela.

- Bah, finalmente vocês chegaram. – Lucas ficou de pé e sorriu ao ver a expressão enfeitiçada de nossa amiga. Emerson ainda a olhava de forma receosa. Empurrei ela levemente. – Bom, vocês precisam conversar, né? – O olhar dele encontrou o meu e rapidamente entendi o recado.

Subimos as escadas juntos e entramos em meu quarto.

- Emerson estava tremendo quando vocês chegaram. – Lucas murmurou, com um sorriso na voz. Acho que ele estava se sentindo animado por ter alguém da terra dele em casa. – Espero que ele e a Iasmin se acertem.

- Você sabia?

- Não. – Nos sentamos juntos na cama. – Emerson disse que nem meu irmão sabe que ele veio pra São Paulo.

- Ele não vai ficar aqui, né? – Lucas balançou a cabeça sinalizando um não. - Ah, bom.

- Mas nossa Iasmin merece ser um pouco feliz, certo?

- Ela merece isso e muito mais... – Respondi com um sorriso, foi quando senti os lábios de Lucas em minha bochecha. Um beijo suave, quase casto. – Lá vai você se aproveitar do momento como sempre.

- E tu não merece ser feliz? – Nossos olhares fixaram um no outro. Lucas quase ameaçou a sorrir, mas não o fez. Eu respirei fundo e passei meu nariz pelo dele, bem de leve. Nossos lábios se roçaram.

- Mereço, acho que mereço. Só não sei se é você que vai me fazer feliz.

- Bah. – Ele riu. – Essa doeu. – Me afastei um pouco.

- Desculpe, não foi minha intenção.

- Ah, eu imagino que não. Já estou acostumado...

Ele deu de ombros e voltou a dar atenção ao bebê de brinquedo. Ignorei a sensação de frustração que me invadiu. Tá! Não nego que se ele me agarrasse aqui e agora não o impediria. Enquanto o observava, um pouco boba, admito, meu celular vibrou no bolso da minha blusa, o que eu sabia ser de mensagem recebida. Peguei o aparelho e a mensagem era de Patrícia, minha irmã.

“Oi, Rafa!! ;-)

Amanhã vou dar uma passada aí na sua casa, precisamos conversar.

Beijos!”

Respondi na mesma hora.

“Eu sei que mesmo se eu dissesse não você viria. Espero que seja uma conversa muito urgente.”

O fato de eu não tratar minha irmã com muita delicadeza já foi tema de algumas discussões minha e de Iasmin. Eu amo a Patrícia, é sério, mas se pudesse evitar a sua presença em minha casa, evitaria sem um pingo de culpa.

- Vamos ter que deixar essa casa um brinco. – Avisei a Lucas, que me olhou, sem entender. – Minha irmã vai vir me visitar.

- Ah, beleza.

- Não, beleza não. Ela vai vir aqui pra fiscalizar se eu não estou vivendo num cabaré. – Ele riu com minhas palavras. – É sério, as vezes minha irmã age como se fosse minha mãe.

- Tu é a mais nova?

- Não, a do meio. Tenho um irmão pequeno, o Miguel.

- E tu não sente falta de viver com os seus pais?

- Eles não moram tão longe, mas respeitam o meu espaço. Claro que se meu pai pudesse me levar de volta pra casa, levaria.

- É, tu tens mesmo um jeito de ser indomável. – Seu sorriso tornou-se um pouco malicioso. Eu revirei os olhos, mas acabei sorrindo também. – Engraçado como eu tenho tendência a me atrair por guria complicada.

- Nossa, achei que a Olívia fosse fácil de lidar.

- Rá, rá, rá. – Lucas revirou os olhos e deitou a boneca na cama. - Tu tá muito...

“OLHA AQUI, EMERSON, EU NÃO SOU OBJETO DE LEILÃO PRA VOCÊ VER SE VAI ME COMPRAR OU NÃO”

Lucas e eu trocamos um olhar bastante tenso.

- Vamos ou não? – Eu perguntei, mordendo o lábio.

- Bah, não. Deixa eles se entenderem brigando.

- Mas e se seu amigo fizer besteira? Gaúcho tem tendência a fazer besteira.

Foi a sua vez de revirar os olhos ao entender a cutucada.

- Tu é tão amável.

- Ah, eu sei. – Apertei sua bochecha, arrancando um sorriso dele. – Vamos nos concentrar na briga deles e não brigar mais do que já brigamos.

- Nós brigamos porque tu é impossível.

- Eu sou uma ótima pessoa. Um pouco incompreendida pela sociedade, nada mais. – Murmurei séria, fazendo Lucas gargalhar. – Eu estou falando sério.

- Eu sei, eu sei. – Ele ficou de pé, mas deixou a boneca na cama. – Agora fiquei preocupado com o silêncio deles.

- Por que? Devem ter se acertado aos beijos.

- E se a Iasmin matou meu amigo?

Eu arqueei a sobrancelha para Lucas.

- Não viaja.

- Vocês paulistas tem tudo tendência a... – Eu nem o deixei terminar, saí do quarto rumo, passei apressada pelo corredor e desci as escadas quando, para total constrangimento de todos os presentes, encontrei Iasmin e Emerson aos beijos. Não foi nada obsceno, mas devo dizer que foi um tanto inusitado ver um homem daquele tamanho agarrado com minha pequena amiga no sofá. – Opa! – Lucas parou atrás de mim e riu. – Perdão gente, não vimos nada.

Ele tapou meus olhos com a mão e me levou para o lado de fora da casa.

- Nossa, até parece que sou criança.

- Bah, e é. – Disse, quando tirou as mãos do meu rosto e se afastou. Eu o olhei.

- Acho que o senhor esquece que eu sou mais velha que você!

A nossa aproximação física foi tão natural que nem notamos quando nossos narizes estavam praticamente tocando um no outro.

- Acho que a senhora esquece que eu sou mais experiente que ti!

As palavras dele fizeram meu corpo arrepiar e como não podia dar essa deixa, me afastei para ele não ver.

- Olha, porque invés de você falar tanta bobagem não me leva para comer alguma coisa?

- Vamos ter que dividir, estou meio pobre essa semana.

- Beleza, eu divido a conta contigo.

Eu sorri e dei uma piscadinha que significava alguma coisa... Não sei. Talvez o início de uma grande parceria?

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 09/06/2014
Reeditado em 26/06/2022
Código do texto: T4837825
Classificação de conteúdo: seguro
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