[Original] Ela me faz - Capítulo 4

Capítulo 4 – Obrigada, Lucas!

Naquela noite eu fui embora sozinha, pois Lucas fez Iasmin ir embora com ele. Estranhamente não me importei com isso. Precisava pensar nas atitudes que eu tomava toda vez que p sentia perto demais de mim, como se isso fosse um mal. E ele é um mal, certo? Essa proximidade é por demais perigosa. Não posso me envolver com alguém que aquece em mim o desejo de ser dominada. É ridículo.

Chegando em casa, parei no meio da entrada ao ouvir duas vozes: uma alterada e outra suave e condescendente.

“Eu não gosto dela, Iasmin! Que diabos, guria! Parece uma gralha repetindo isso toda hora!”

“É o que parece. Porque o beijo dela com o ex te afetou tanto?”

“Porque ela é uma imbecil e ele outro! O cara a trai e é assim que ela se vinga? Bah, faça-me o favor!”

“Ela o beijou na sua frente e você acha mesmo que foi por amor a ele?”

Lá vai a Iasmin pôr fogo numa história que nem era pra começar.

“Se tu está insinuando que Rafaela possa gostar de mim, nem começa. Aquela mal gosta dela mesma, quem dirá de mim.”

Vou fingir que nem ouvi isso. Sério mesmo.

“Mas você só não me explicou porque ela fez isso”

Quando entrei na cozinha Lucas pigarreou, querendo disfarçar. Logo ele saiu, deixando eu e Iasmin sozinhas. Ela me olhou daquela forma que não compreendia minhas ações, porém, entendia que por trás de tudo, sempre há alguma coisa. E há mesmo.

- O que? – Perguntei, dando de ombros.

- Lucas me disse que você beijou o Conrado.

- Lucas por acaso pensa que você é a minha mãe pra contar tudo o que eu faço?

- Mais ou menos. – E ela riu, suave. – Acho que ele está com ciúme.

- Não está não.

- Tá sim. Você tinha que ver na brabeza que ele veio pra casa.

- É frescura dele. Depois que eu falo que ele ainda é o mesmo mimado de antes você diz que estou de provocação. – Iasmin suspirou, como soubesse que pra esse assunto eu nunca deixa ela ganhar uma. – Vou dormir que amanhã acordo cedo.

- É, eu também. Boa noite, Rafa. – Ela saiu da cozinha levando uma garrafa de água em mãos.

- Boa noite, Iasmin. – Eu sai algum tempo depois, deixando no caminho, as minhas coisas em cima do sofá. Subi as escadas, troquei de roupa e deitei na cama. E ao colocar a cabeça no meu travesseiro recordei da sensação que fora olhar nos olhos de Lucas e sentir uma tensão tão boa que se Conrado não tivesse atrapalhado, teria me arriscado a beija-lo ou ser beijada.

- Isso não pode acontecer. Não comigo. – Murmurei baixinho e então dormi. Um sono leve, e não muito tranquilo.

(...)

Meu dia de trabalho foi tão calmo que eu já aguardava alguma tragédia. Sai pro almoço desconfiada, esperando qualquer coisa pra estragar meu dia, mas nada aconteceu. Ótimo. Almocei no Figueiras, um dos poucos restaurante/lanchonete da Paulista que a comida não é um absurdo de cara. Ao entrar, me surpreendi ao ver Kayra comendo um hambúrguer.

Nossos olhares se encontraram e ela sorriu de um jeito bem sedutor. Não me preocupei, já que ela sorri assim para todas os seres humanos do sexo feminino. Quem é ela? Nada mais, nada menos que a ex-namorada de Iasmin.

- Rafaela, quanto tempo! – Me sentei ao seu lado e fiz o meu pedido de sempre. Arroz à grega, salada de tomate e um filé de peixe.

- Oi Kayra, como vai?

- Bem e você?

- Estou bem.

- Ótimo. – E como sempre, ela me fez a pergunta-praxe. – Ahn... E Iasmin?

O relacionamento das duas durou cerca de 5 meses. Teria durado mais se, segundo a própria Iasmin, sua parceira não fosse tão possessiva. Essa é a resposta que ela sempre dá quando alguém pergunta o motivo do termino.

- Está bem. Trabalhando, estudando... Vivendo. – Kayra deu um suspiro, triste. Ela gostava de Iasmin, mesmo tendo a fama de ser indominável, incorrigível pelas pessoas com que se envolveu.

- Ela seguiu bem rápido né? - Faz dois meses que elas terminaram e toda vez que a vejo, Kayra diz a mesma coisa.

- Até que sim. A vida se anda pra frente, afinal. – A boca dela se abriu, espantada com minhas palavras. Ela mexeu nos longos cabelos negros e fez uma trança rápida. – Ah, qual é, Kayra. Você conhece a Iasmin, ela é do jeito que é. Desapega rápido.

- Sei sim. Eu a encontrei no metrô esses dias e ela me ignorou.

- Segue a tua vida. Iasmin tá seguindo a dela.

- Estou seguindo, mas sinto falta dela. – Assenti, compreensiva. O garçom trouxe meu pedido e eu comecei a comer. Trocamos mais algumas palavras com Kayra e ela foi embora. Observei Kayra sair de cabeça erguida, como se não tivesse sequer perguntado da ex e isso me fez concluir que amar também envolvia muito orgulho. Demais, até.

Suspirei, ignorando certas lembranças que vinham me perturbando o dia inteiro.

No final do almoço, meu celular tocou, olhei no visor e era Lucas.

- O que é?

“Sei que não estou de papo contigo, mas estou preso fora de casa.”

- Como assim?

“A porta fechou e eu fiquei de fora. Iasmin ainda não fez a minha cópia da chave. E eu teria ligado pra ela, mas sei que tu sai primeiro do trabalho.”

- E como você fez isso?

“Tirei o lixo da cozinha, e quando fui ver, o vento bateu a porta de casa fechou. Estou na garagem.”

- Eu devia deixar você ai.

“Tu vai vir ou não??”

- Vou falar com o meu chefe, se ele me deixar sair mais cedo eu vou.

“Tá, Rafaela. Tá.”

- Tá, Rafaela, não! Me agradeça.

“Vou agradecer quando tu parar de reclamar.”

- Como você pegou meu número?

“Tu para de perguntar pelo o amor de Deus. Eu quero entrar em casa, Rafaela!!”

E ele desligou na minha cara. “Abusado, arrogante e estupido” – Pensei, irada. - Voltei para a empresa desejando que Cazé, meu chefe, se negasse a me deixar ir embora. Porém, ele permitiu dizendo que era pra eu terminar minhas tarefas em casa.

Birrenta, fui pra casa bem lentamente. Quando cheguei, encontrei Lucas na calçada conversando com Kelly. Pra quem estava com pressa, ele me parece por demais sossegado. Ele me viu e olhou pra garota, preocupado com o que eu poderia inventar. Revirei os olhos e passei pelo portão, parando em frente a porta e a abrindo com a minha cópia da chave. Não tinha percebido a presença de Lucas ao meu lado até ele me tocar.

- Obrigado por ter vindo. Eu conversava com a Kelly sobre ela me vender uma bicicleta. – Ignorei sua explicação desnecessária.

- Não tem o que agradecer.

- Tem sim. Na verdade nem cogitei ligar para a Iasmin... – Ele suspirou, antes de acrescentar a frase que me fez amolecer um pouco. – Eu acho que não consigo ficar sem falar contigo.

A porta se abriu e Lucas entrou primeiro. Me forcei a não me abalar demais com suas palavras. Vai saber se ele não disse isso pra Kelly? Não dá pra confiar nele, simplesmente não dá.

(...)

E mais tarde enquanto me arrumava para ir ao curso de idiomas, Iasmin entrou no quarto em silêncio. Eu conhecia aquela expressão receosa. Ela parou na metade do caminho.

- Tá terminando de se arrumar. – Murmurou. Eu assenti, apesar de não ter sido uma pergunta. – Linda!

Franzi o cenho. Ela quando me elogia é pra abafar algo grave que tenha feito.

- O que aconteceu?

- Não me mata, mas o Lucas pediu pra ir pro curso com a gente.

Eu respirei fundo. Bem fundo mesmo. Não vou me estressar com isso, juro por Deus que não vou.

- Tá certo.

- Não entendi. – Foi a vez dela em franzir o cenho. – Você não vai dar nenhuma crise?

- Não vou. Inclusive, vamos logo antes que cheguemos atrasadas.

(...)

Se eu disse que não me estressaria, certamente menti. Só não demonstrei isso porque era sacanagem demais dar esse gostinho pro Lucas. Ele conseguiu – e o pior, sem querer – chamar a atenção de todas as garotas que faziam curso ali. E como se a minha noite não pudesse piorar, Olívia nos viu e veio cumprimentar o mais novo morador de São Paulo. Como meu estomago é pequeno demais pra uma cena tão nojenta, saí apressada em direção a minha sala. Melhor me manter longe disso.

No intervalo, Iasmin foi até a sala conversar comigo, o que me deixou um pouco mais calma, já que conversamos sobre variados assuntos. Do mesmo jeito que fazíamos antes do intruso entrar em nossas vidas.

- Ah, você não sabe com quem eu almocei. – Falei, sorrindo de canto.

- Com quem? – Perguntou, curiosa.

- Kayra!!

- Ah, para. – Ela revirou os olhos, porém sorriu. – Recebo várias mensagens dela durante o dia. Não respondo.

- Ela sempre pergunta de você. Dá um pouquinho de pena.

- É, teria dado certo se ela não quisesse mandar em mim como mandava. Foi legal a experiência de namora-la. – Recordei-me brevemente do tempo em que as duas namoravam. As brigas eram constantes e as reconciliações, melosas.

- Tu namorou uma guria? – Ao ouvir a voz de Lucas eu revirei os olhos bem lentamente e peguei meu celular, para não olha-lo. Ainda me perguntei mentalmente com quem ele fora assistir a aula, mas preferi evitar pensar muito.

- Sim! Eu não te contei? – Ele meneou a cabeça em um não. – Foi um ano depois que o Emerson terminou comigo por causa da Eveline. – Havia uma sarcástica sutileza em suas palavras.

- Bah, a primeira guria que eu gostei foi uma lésbica. – Seu olhar fixou no meu por um longo tempo. Depois ele suspirou, nostálgico. – Ainda fiquei com ela por um tempo, mas depois que eu consegui o que queria, perdeu um pouco o brilho.

- Você comeu ela e depois jogou fora? – Perguntei na maior cara de pau. Ele riu, divertido. Iasmin me olhou embasbacada. Dei de ombros.

- Não. Eu quis tanto que depois me desapaixonei por ela. – E deu de ombros. Tentei imaginar quem fora a pobre azarada que se relacionou com Lucas para depois ser abandonada. – Até então, enquanto namorávamos eu não via muita demonstração de sentimento por mim, acho que me namorou por pena, mas quando terminamos ela sofreu bastante...

Ficamos em silêncio por alguns minutos. Quando meu celular tocou a música que eu sabia ser Conrado ligando, eu saí da sala.

- O que é, hein?

“Vem aqui fora, quero te ver.”

- Você pensa que manda em mim?

“Por favor, amor.”

- Não me chama de amor!!

E mesmo contra minha vontade acabei indo até a saída para encontra-lo. Conrado estava sentado em sua moto vermelha segurando o capacete na mão e com a outra mexia no cabelo que caia um pouco sob o olho. Ele era tão lindo que as vezes me fazia esquecer do motivo de eu querer me vingar. Reparei que havia outro capacete pendurado na moto.

Parei a uma distância considerável de Conrado. Ele abriu um sorriso quente e sensual enquanto me puxava para seus braços. Suspirei um pouco, enquanto inspirava e expirava seu cheiro. Vi ele beijar minha bochecha e trilhar um caminho até meus lábios e eu já podia até sentir o gosto de seu beijo, mas fomos interrompidos.

Esse é o problema de toda situação que eu vivo. Sempre tem um “mas”.

- Tu me manda esperar lá dentro pra vir se encontrar com teu ex? – A voz era cheia de autoritarismo e uma falsa arrogância.

Eu gelei instantaneamente. Ele vai se vingar pela cena com a Kelly. Conrado olhava de mim para Lucas e vice-versa.

- Cala a boca, Lucas! – Murmurei, controlada. O maldito riu.

- Tu sabes que ela tá ficando comigo, né? – Agora sua visão direcionou-se a Conrado. – Bah, ela me disse horrores de ti.

- Que história é essa, Rafaela? – Conrado perguntou, autoritário. Eu tentava agir tão rápido como Lucas, mas ele ter se vingado de uma bobagem que fiz me pegara desprevenida.

- Ele tá mentindo!

- Não estou. Dormimos juntos ontem!

- Por que ele mentiria, Rafaela?

- Porque eu armei pra ele, seu idiota! E que droga, você não é nem meu namorado pra falar nesse tom comigo. – Eu ameacei sair e Conrado me puxou de forma agressivo. – Você tá me machucando!

Ele apertou um pouco mais meu pulso e então Lucas o empurrou, fazendo-o cair junto com sua moto. Com a outra mão livre o gaúcho me abraçou de lado, bufando irritado. Agora pelo o que, sinceramente não sei. Voltamos para o pátio central.

- Já pode me soltar. – Avisei e fui seriamente ignorada. – Lucas!

- Tu é burra mesmo, né? Eu jurei que das gurias que já conheci a mais inteligente era ti, mas estou enganado. - Ele me chamou de burra? Eu o forcei a parar. – PRA QUE DIABOS TU TAVA DE AGARRAÇÃO COM TEU EX, RAFAELA?

- BAIXA O TOM, VOCÊ PENSA QUE TÁ FALANDO COM AS SUAS NEGAS GAÚCHAS?

- MINHAS NEGAS GAÚCHAS SÃO MAIS INTELIGENTES QUE TU!

- TUDO ISSO QUE EU FAÇO É PARTE DO PLANO DE ME VINGAR! VOCÊ ATRAPALHOU!

- ELE ESTAVA APERTANDO O TEU PULSO!

- O QUE VOCÊ QUER OUVIR?

- A PORRA DE UM “OBRIGADA, LUCAS!” – De tão irritado comigo, a cor do rosto dele tornou-se vermelha.

- OBRIGADA LUCAS! – E ele me prendeu num abraço sufocante querendo desesperadamente me beijar. E eu também queria. Muito. Só não admitia.

Seu olhar estava angustiado, como se travasse uma batalha consigo mesmo em relação a mim. Meus braços estavam em sua cintura, nenhuma defesa, nenhum grito. Nada. De angustiado, o olhou tornou-se então, racional, como se agora perguntasse se queria mesmo me beijar. E ele não o fez. Simplesmente se afastou de mim, sem deixar de me olhar. Meneou a cabeça, não emitiu uma só palavra. Até que me deu as costas e sumiu entre os corredores.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 19/04/2014
Reeditado em 25/06/2022
Código do texto: T4774364
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