Um tesouro enterrado
Levi tinha apenas 8 anos quando sua mãe morreu. No mesmo dia foi expulso do casebre que moravam. Chorando ele implorava o senhorio para lhe ajudar mas o homem empurrava o garoto e já fechava a porta gritando:
- Já estou fazendo pagando pra esse carroceiro levar o corpo de sua mãe. Suma daqui seu moleque... Não lhe devo nada. Pra falar a verdade são vocês que me deviam... E um dia ainda hei de lhe cobrar!
O garoto chorando abraçou o cadáver da mãe e fechou os olhos. Rezava pra que aquilo fosse um sonho. Mas os sacolejos da carroça não o deixavam ter esse prazer. Mas mesmo assim ele se esforçou em sonhar, abraçava aquele corpo como se ainda estivesse com vida, mas a pele gelada o fazia sair de novo do sonho... E ele dizia baixinho " Acorda mamãe... Por favor... Acorda"
De repente os solavancos pararam. O cocheiro o chamou e Levi abriu os olhos.
- Pronto garoto. Aí o cemitério. Desça!
O menino não sabia o que fazer. E o cocheiro já sem paciência já foi logo gritando para o coveiro abrir os portões. Este veio também resmungando e perguntou logo de cara para o cocheiro:
- Quem vai pagar o enterro?
- Sei lá... Só me pagaram pra trazer o corpo até aqui. Agora se virem.
- Ah! Mas é muito abuso! Acha que vou trabalhar de graça é?
- Bom, eu fiz meu trabalho tá aí a mulher.
Eles continuavam a discutir e Levi abraçava com mais força o cadáver da mãe e baixinho continuava a dizer: "Acorda mamãe... Acorda... Não me deixa"
- Saí daí menino!
Levi se assustou com o grito do coveiro. E esse pegou o cadáver como seu fosse um saco de batatas e foi arrastando a mulher para dentro do cemitério. O cocheiro também gritou para Levi descer da carroça e mal o menino desceu este estalou o chicote no lombo do cavalo e saiu numa presa sem fim.
Restou ao menino correr atrás do coveiro. E ele praguejava sem parar. O menino soluçando baixinho não dizia nada de medo mas lhe cortava o coração ver o corpo da mãe ser arrastado e jogado sob um monte de terra.
- Quando tiver tempo enterro essa indigente.
- Indigente? - Pergunto Levi.
- É ... Indigente... Não sabe o que é indigente?
- Não sei não senhor.
- Ah... Eu também não sei explicar, mas é povo que morre aí sem ter urna, túmulo... Essas coisas. Indigente é pobre vagabundo.
O coveiro saiu praguejando de novo. E Levi tentou segurar a mãe... Foi arrumando ela sobe aquela terra como se a mulher estivesse dormindo. E o menino se sentou naquela terra vermelha e ficou esperando pelo coveiro.
Quando nada podia ser pior começou a chover. Levi não queria que sua mãe se molhasse e num ato de desespero começou a cavar a terra com as próprias mãos. E suas lágrimas se misturavam à chuva. E ele cavava a terra com uma sofreguidão tamanha como se sua vida dependesse daquilo. E sozinho em meio a chuva ele viu suas mãozinhas sangrarem mas mesmo assim continuava a cavar.
Da capela do cemitério o coveiro conversava com um amigo que lá aparecera. Riam alto e contavam piadas sujas. Ele nem se lembrava mais de Levi e sua mãe. Até que ele resolveu sair a porta para ver como estava a chuva. O coveiro então viu o que o menino estava fazendo e dessa vez se apiedou dele. Correu em direção de Levi e disse para ele parar. O menino não parava continuava a enfiar as unhas na terra. O coveiro vendo aquele desespero agarrou Levi e esse se debatendo gritava e esperneava dizendo que não queria ver sua mãe molhar.
O coveiro então o soltou e o colocou de frente pra ele, e olhando em seus olhos disse:
- Eu te ajudo. Calma... Eu te ajudo.
O menino soluçava e as lágrimas continuavam a escorrer sobre sua face magra. O coveiro logo voltou com o amigo e as pás e debaixo daquela chuva cavaram a terra, cavaram os sete palmos. Quando a cova já estava pronta a chuva parou... Levi pegou seu paletó encharcado e passou no rosto da mãe, tentando limpar aquela terra. O coveiro e seu amigo dessa vez com muito respeito colocaram a mulher na cova. Levi foi até um outro túmulo onde havia uma coroa de flores secas e pegou uma das flores que ainda continha um resquício de cor e jogou sobe a mãe. Depois ficou olhando ela desaparecer sobre aquela terra.
O amigo do coveiro fez uma cruz improvisada com galhos e quando a cova estava totalmente coberta a fincou lá. Levi não dizia nada. Quando tudo terminou simplesmente abraçou aqueles dois homens. Mas abraçou com tanta força que eles também começaram a chorar.
O menino agora não tinha mais nada e com olhos lacrimejando de novo disse a eles.
- Não tenho dinheiro pra lhes pagar... Eu só tinha esse abraço.
Os homens não sabiam mais o que fazer. Apenas choraram mais ainda... Como crianças. Levi ainda ficou ali sentado na terra molhada ao lado do túmulo da mãe sem ter pra onde ir... E ficou sentado lá até anoitecer.
Já estava quase escuro sentiu uma mão em seus ombros e olhou pra cima. Viu um homem alto de vestes claras, cabelos longos, muito bonito com sorriso suave que lhe estendeu a mão. Levi acompanhou o homem.
Quando ia fechar os portões do cemitério o coveiro resolveu procurar por Levi e o encontrou morto ao lado do túmulo da mãe. O coveiro tirou o chapéu e chorou mais uma vez.
- Esse menino meu deu o maior pagamento que recebi até hoje...
E na mesma hora começou a cavar um túmulo ao lado da mãe de Levi para que esse pudesse descansar em paz. Com um lampião, porque era noite, pegou o menino nos braços e beijou aquelas mãozinhas machucadas ainda com sangue de tanto arranhar a terra e o colocou como se fosse um bebê no berço em sua cova.
Muito tempo se passou e o coveiro juntou dinheiro e construiu um lindo túmulo para Levi e sua mãe. Ele nunca soube o nome do menino então escreveu simplesmente:
" Aqui descansa aquele que me deu o meu maior tesouro"