[Original] Ela me faz - Capítulo 1

Capítulo 1 – O novo e indesejado morador

Fechei o guarda-chuva e o deitei cuidadosamente sob o chão da garagem e num canto que não incomodaria Iasmin e sua mania de organização. Abri a porta que dava acesso a sala e ouvi uma voz bem diferente do habitual e carregado de um sotaque forte, típico do... Não... Não pode ser. Deus não faria essa piada comigo num dia chuvoso como esse. Eu segui a voz e parei próximo ao armário de mantimentos da cozinha. O meu choque foi tão grande que contrariando a lógica, comecei a rir. Iasmin me olhou estática, pois esperava o horror, e não risos. Ela relaxou a expressão, parecendo aliviada por minha reação. A visita inesperada (meus olhos estrategicamente pararam sob as malas e mochilas no chão) empalideceu ao me ver. Olhei Iasmin, as malas e Lucas Marquez. Respirei bem fundo.

- Ele não vai ficar aqui, não é? – Perguntei, calmamente. Iasmin olhou pro chão, frustrada por meu riso ter sumido.

- Rafa. – Ela murmurou com sua melhor voz pacifica. – Eu ia te contar, mas...

- Não, Iasmin. – Eu apontei o dedo, balançando em um não frenético. Lucas se afastou, temendo o pior. – Me diz que ele só veio aqui para te ver e depois ir pra qualquer república no centro da cidade!

- Não. – A medida que ela abria a boca e fechava tentando falar, fui me enfurecendo de uma forma que só a presença de Lucas era capaz de fazer. Eu mal posso curtir a desgraça que é ter tomado um chifre e agora tenho que lidar com isso? Será que Deus tirou a semana pra me sacanear? – Ele veio pra morar aqui. Não fica brava e vamos conversar lá em cima!

Lucas me fitou um tanto desafiador agora. E juro que vi um sorriso maldoso começar a nascer em seus lábios, mas não se formou por completo.

Subimos as escadas e entramos no quarto dela, que era o primeira do corredor.

- Ele quer fazer faculdade aqui em São Paulo. – Eu ia dar um contra-argumento, mas ela me impedira. - Vai entrar no cursinho junto com a gente. – Nem consegui falar. Maldita Iasmin! – Pensa pelo lado bom, um homem em casa vai ser útil. – Bufei, irritada. – Foi um pedido da Isabel.

Certo, o último argumento foi mais válido que todos os anteriores. Respirei fundo controlando e engolindo todos os palavrões que já havia enumerado para o cidadão de pele pálida e quase 1,80 de altura que estava na cozinha esperando uma decisão.

- Por que ela pediu isso?

- Ela sabe que a casa é grande e Lucas sempre teve vontade de estudar em São Paulo. – Explicou, sentando-se na cama. – Eu disse que não teria problemas, mas ela sabia que você não iria gostar, então decidimos esconder até ele chegar aqui.

- Péssima escolha. – Murmurei, seca. – Isso não vai dar certo e os vizinhos vão comentar.

Ela revirou os olhos.

- Comentar o que?

- Ora o que! – Exclamei, colocando a mão sob a cintura. – Iasmin, nossos vizinhos já acham que somos um casal lésbico, com esse garoto aqui vão pensar o que?

- Podem pensar o que quiser, ninguém paga as nossas contas!

- Eu dizer que não o quero aqui vai mudar alguma coisa? – Ela olhou pro chão, ignorando a pergunta. – Tá, eu já entendi. Você tá me obrigando a morar com ele, mas NEM OUSE PEDIR QUE EU SEJA SIMPÁTICA OU LEGAL!

- Tudo bem. Só tente não mata-lo.

- Vou pensar no seu caso. E no dele.

Ela me beijou no rosto e depois saiu como uma fadinha saltitante. Eu a amo muito, mas se pudesse empurra-la da escada por ter aceitado o pedido de Isabel, faria sem pensar muito.

Fui para meu quarto tentando não pilhar com isso. Talvez ele tenha mudado e não seja aquele babaca que era aos 15 anos. As pessoas mudam, não mudam?

Fechei a porta do quarto e ouvia atenta a conversa da traidora 1 com o gaúcho. Ela estava ajudando ele e arrumar seu novo quarto.

“Será que eu tento falar com ela?”

Não ouse, Lucas. Não ouse...

“Dê um dia para ela avaliar isso. Se você for agora ela vai tentar te matar.”

“Bah, tu está certa. Depois tento uma aproximação.”

“Ela só não é muito adepta a mudanças.”

Ah, Iasmin. Sempre tão compreensiva, pena que vacila quando Isabel pede as coisas.

“Irei com calma.”

Porque ele fala de mim como se eu fosse uma cadela raivosa? É tão difícil compreender que eu apenas não gosto dele?

Alguns minutos depois Iasmin entrou no quarto e pela expressão um pouco mais contida, sabia o que ela iria me perguntar. O estranho é que Lucas por alguns minutos me fez esquecer o meu maior problema.

- Desiste de vingança, sério. – Murmurou, numa tentativa falha de me fazer desistir de acabar com o Conrado, meu ex-namorado que me traiu com a professora do meu curso de inglês. Ah, e ela me odeia. Uma união diabólica e que venhamos e convenhamos, merece uma vingança a altura.

- Não vou desistir, Iasmin. – Falei, firme. - Não quando eu já virei motivo de chacota no curso. Aquela vagabunda e o Conrado vão me pagar.

- Eu tenho medo do que isso pode resultar.

- Vai me dar paz. – Dei de ombros. – Eu preciso dormir, hoje o dia foi muito estressante no trabalho e em casa também... – Gemi, agoniada.

- Ele mudou bastante.

- Não quero saber.

- Rafaela, sério... Isabel quase implorou. Vamos tentar deixa-lo vivo.

- Tá, eu já sei.

Ela respirou fundo, talvez pedindo paciência (Ué? Quem mandou colocar esse aí dentro de casa sem me avisar?) e depois saiu, me deixando sozinha. Deitei na cama e segurei meu celular. Faz apenas três dias que tudo aconteceu e mesmo assim ainda não consegui perder a mania de olhar minhas fotos com Conrado. Eu as tinha desde que começamos a nos envolver há dois anos. Passei a seleção de fotos, quando de repente o aparelho vibrou e tocou a música toque que eu escolhi para quando o maldito ligasse. Era “Oh Love” do Green Day. Conrado me ligava todo dia e minha caixa de mensagens já lotava de pedidos falhos de perdão. Nem pensei muito, joguei o celular contra a parede, mas como não ouvi nem um trec e sim um baque surdo de quando alguém com o reflexo muito bom o salvou de ser destruído olhei para a porta. Era Lucas.

- Conrado está ligando para ti. – Avisou, muitíssimo inteligente. – Segura!

E jogou o aparelho de volta para mim. Resolvi atender a ligação. Era mais fácil xingar o ex-namorado do que o novo morador indesejado.

- O QUE É? – Lucas arregalou os olhos. – EU NÃO QUERO SABER, CONRADO. DANE-SE VOCÊ E AQUELA CADELA DESTRUIDORA DE RELACIONAMENTOS!!! VOCÊS ME PAGAM!!

Desliguei o celular e respondi o olhar assustado de Lucas com um sorriso bem forçado.

- E você? – Perguntei, sem me importar em ser ríspida. – O que quer?

- Iasmin teve que resolver uma coisa no centro referente a minha matricula, daí disse que se eu tivesse alguma dúvida era pra pe...

Nem o deixei terminar. Acho que eu falo grego, não é possível! Ou então Iasmin tem esse prazer doentio em me irritar.

- EU FALEI PRA IASMIN QUE NEM QUERIA FALAR CONTIGO E AGORA SEREI OBRIGADA A TE AJUDAR???

Meus gritos o deixaram mais pálido, se isso for possível, é claro.

- Rafaela, faz anos que eu não te vejo, nem lembro mais o motivo de não gostar de ti. Será que podemos no mínimo tentar nos dar bem?

- NÃO! NÃO PODEMOS! VOCÊ SÓ ENGANA A IASMIN E A ISABEL QUE SÃO DUAS TONTAS.

- Bah! – Ele revirou os olhos. – Para de berrar pelo o amor de Deus. Só me responde como faço pra ligar o chuveiro e eu nem te incomodarei mais.

Levantei da cama batendo pé e segui para o chuveiro, que de fato, é preciso saber seu segredinho mágico para abri-lo, pois a pessoa que fez a casa tinha um gosto estranho por combinações.

- Aprende que eu só vou ensinar uma vez. – Avisei, quando entramos no banheiro. Lucas ficou ao meu lado, atento. – Essa chavezinha aqui ao lado do chuveiro foi obra do criador da casa. Você abre duas vezes pra esquerda e três pra direita caso queira banho frio e o contrário pra quente. Entendeu? – Como ele não me respondeu, olhei pra trás e o vi tirando a camiseta. – O que você tá fazendo seu idiota?

- Tirando a camiseta?

- Eu estou aqui se você não percebeu! – Ele riu, me ignorando. Acho que prefiro ele com medo de mim. Preferi olhar pra pia do que pro corpo dele, que agora estava muito bem cuidado. Até demais. E ele tem o que? 19 anos?

- Rafaela, tu já namorou e tá com essa vergonha toda em ver um guri sem camisa?

- O que? Eu com vergonha? – Ri em falsa desdém, mas vacilei um pouco. – Não seja babaca, mesmo que isso seja difícil pra você. Só não temos intimidade pra você fazer o que fez agora!

Lucas então tirou a calça jeans, ficando somente de cueca. Eu gritei e bati em seu braço, antes de sair correndo do banheiro. Depois Isabel me pergunta o que eu tenho contra ele, como se não fosse óbvio o bastante.

Desci as escadas rumo a cozinha e aproveitando o silêncio momentâneo, resolvi pensar em uma vingança que acabasse com a moral do Conrado no Amália. Porque já não basta ter sido traída, ainda terei o desprazer de vê-lo na aula todo o santo dia. E não só ele, a professora Raquel também. Ela me deu aula no ensino médio, mas eu e Iasmin armamos um plano pra ela sair da escola. Depois voltamos a nos enfrentar no curso de inglês. Lembro que na época viramos as rainhas da escola. E ela se vingou de mim agora indo pra cama com Conrado, mas terá um revide. Ah, sem dúvidas.

- Posso arrumar algumas fotos dele. Algo bem polémico. – Murmurei, sozinha. Abri a geladeira, e envolvida demais em minha conversa solitária, não vi quando Lucas entrou na cozinha. – Conrado é machão demais, algo ele tem de errado.

- Bah, tu tá falando com quem? – Assustada, pulei ao ouvir sua voz. – Desculpe.

- Estou falando sozinha, não está óbvio?

- Ah, sua loucura está cada vez mais óbvia também. – E sorriu, abrindo a geladeira e pegando uma garrafa de água. Esse ai leva a sério as frases “a casa é sua” e “fique à vontade”. Eu não sei que tipo de milagre a vida fez com esse garoto, mas ele tá realmente muito diferente. – O que foi?

- Eu ainda acho que sua vinda pra cá foi uma afronta a minha pessoa. – Comentei, fazendo-o gargalhar alto. – Fico feliz de saber que o faço rir, mas falo sério. – Acrescentei, ironicamente.

- Sim, certamente briguei com meu irmão para vir pra São Paulo na intenção de provocar a ti. – Disse, com desprezo. Eu arqueei a sobrancelha. – Mas não era pra adivinhares assim tão rápido.

Se eu mata-lo agora e enterrar o corpo no quintal de casa vai ficar muito na cara que fui eu?

- Você é detestável, Lucas. – Murmurei, balançando a cabeça negativamente. – Sério. Eu vou te avisar uma coisa. – Encostei o dedo em seu peito. – E ouça bem.

- Diga, Rafaela.

- Se você cruzar o meu caminho, me irritar ou fizer algo que me incomode, eu te farei voltar pro Rio Grande do Sul chorando.

Em resposta o maldito sorriu, exibindo toda uma arcada dentária perfeita e invejável.

- Está me ameaçando?

- Sim, estou te ameaçando, Lucas.

Ele ficou calado por alguns minutos, apenas me olhando enquanto digeria as minhas palavras. Ameacei sair da cozinha, mas fui puxada com não muita gentileza e jogada contra a geladeira. O olhar agora era um pouco ameaçador. O que me fez perguntar se minha ousadia não fora um pouco longe demais.

- Acho que estou sendo paciente demais, guria. Eu sabia que seria difícil lidar contigo, mas me ameaçar já é muito abuso. – Ele encostou sua testa a minha e continuou falando com a boca próxima demais da minha. Um leve arrepio me percorreu quando notei que a cor dos seus olhos ficarem ainda mais claros, conforme disparava um monte de palavras contra mim. – Eu não vou te importunar, desde que isso seja reciproco. Tu e nada pra mim são a mesma coisa, Rafaela Marchiori.

- ORA SEU! – Ergui a mão para dar em seu rosto, mas ele a segurou e novamente me jogou contra a geladeira. – AI LUCAS!!

- E então? Vamos conviver numa boa sem envolver Isabel, Iasmin ou meu irmão nisso?

- ME SOLTA! – Lucas dominou as minhas duas mãos. Eu sou valente, mas ele é forte e alto. A desvantagem é evidente. – EU TO FALANDO SÉRIO!

- Eu quero ouvir isso da tua boca, com esses lábios bem sensuais. – Ele riu de mim novamente. Isso não pode estar acontecendo num único dia. – Já pensaste que seu namoro pode não ter dado certo porque teu negócio é guria?

Eu fechei os olhos e dei a joelhada mais forte do mundo no meio das pernas dele.

- Eu já te falei que não sou lésbica!

Ele gritou tão alto que tenho certeza que acabei com as suas chances de procriar no mundo. Valente, mas não idiota, corri as escadas disparada. Eu juro que ia me comportar e não fazer da vida desse garoto um inferno, mas ele praticamente implora por isso.

Meu Deus, se o primeiro dia começou assim, imagine os próximos?

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Olá, gente! :-)

To voltando com a 3ª e última fase de We Are Young. A história sofreu muitas modificações, mas os personagens ainda são os mesmos.

Vou postando aos poucos, já que meu tempo continua curto.

Lembrando que essa história é fruto da minha imaginação, alguns personagens são baseados em pessoas reais, outros não. Resumidamente, é uma ficção que praticamente pediu pra ser escrita. E o que restou a mim, a não ser escrevê-la?

Comentários, xingamentos, dúvidas ou propostas de emprego o meu e-mail é tavitoria1@gmail.com

Beijos!

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 06/04/2014
Reeditado em 25/06/2022
Código do texto: T4759171
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