Por favor, não se case com ela!

“Eu deixarei… tu irás e encostarás a tua face em outra face. Teus dedos enlaçarão outros dedos e tu desabrocharás para a madrugada. Mas tu não saberás que quem te colheu fui eu.”

Vinícius de Moraes

Nota da autora

Essa história foi escrita por mim, portanto me pertence até segunda ordem. E é sobre um sentimento comum a todos nós, o amor, ah, o amor! Esse sentimento que nos toma tanto tempo, que nos tira o sono, que nos faz sorrir e chorar, não necessariamente nessa ordem. Que faz do sonho uma realidade sem precisarmos dormir.

Boa leitura

M. S. Schultz.

Capítulo único

09h00min da manhã

O relógio despertou e o ataquei com um golpe certeiro de mma. Ás favas com o horário! Quero mais é ser feliz no meu mundinho que se resume a minha cama de casal, meu edredom de ursinho, meu travesseiro de estimação e meu pijama de bolinhas, que não é sexy, mas extremamente confortável. E isso me deixa um bocadinho mais alegre na minha escala de felicidade de um a dez. Isso equivale a um oito e meio. E estaria mais feliz se não estivesse fazendo uma comparação do tamanho da felicidade que sinto enquanto encaro o ventilador no teto, que alias, está uma sujeira e preciso lembrar de pedir a Marien que o limpe imediatamente. É pra isso que, mês após mês, separo um bocadinho do meu pobre salário para paga-lá. Pena que ela não pense desse jeito... E lembrar que há pouco tempo lá estava eu em uma praia maravilhosa, curtindo a brisa do mar e um surfista maravilhoso pegando ondas quando tudo aconteceu.

Fui atacada, bombardeada e dilacerada por uma pneumonia viral que acabou com a minha alegria de viver e o meu recente bronzeado. Agora me fala uma coisa, que ser humano em pleno domínio das suas faculdades mentais consegue pegar pneumonia viral em pleno verão?!

Pois bem, podem ir me dando os parabéns! Depois do diagnóstico e de prometer nunca mais sorrir para um estranho na rua, fui mandada de mala e cuia para o meu lar, doce e com cheiro de mofo lar!

Mas até que não seria tão ruim eu poderia aproveitar o repouso para pensar na vida, nos meus erros, acertos, anseios, temores, dúvidas, planos futuros, avaliar a satisfatoriedade do rumo da minha vida e... Dã!!! Claro que não! Tudo o que queria era me imaginar na areia da praia, esparramada como um siri e me sentir feliz com isso. Poxa, isso já é bullying social!!

E tudo estava relativamente bem, tirando as minhas crises de depressão constantes, até que uma mensagem no celular mudou tudo. Era a Nicole. A minha doce e Maria vai com as outras amiga de longa data. Nos conhecemos no colégio e nunca mais nos separamos. Fazíamos parte do FPBPLPC: Feias, pobres e bregas, porém legais para conversar! E embora tenha ficado muito pouco tempo convivendo juntas, foi tempo suficiente para criarmos laços fortes. : “Amiga você ta bem”?

Respondi: “Estado crítico, porém respirando”.

“Não vai acreditar no que a Britanny acabou de me mandar!”

“Não mesmo. Conte”.

“Está sentada?”

“Melhor ainda, to deitada. Continue”.

“Lembra do Daniel?”

“Aham. Ainda não estou grogue o suficiente. Lembro do meu nome, onde moro e quem são meus pais. Continue”.

“Então... Ele vai se casar”.

“Acho que o remédio está começando a fazer efeito. Quem vai se casar?

“O Daniel!”

“Não pode ser! Ainda nem me declarei!”

“Pode sim. Isso aconteceu há trocentos anos e você deixou o bofe escapar. Agora é tarde...”

“Preciso descansar. Até mais”.

“Natalie?”

“Agora não”.

Encostei o celular no peito e comecei a chorar. O Daniel, o meu Daniel iria se casar e não seria comigo! Era demais pra mim. Senti um nó na garganta e um aperto no peito. Fiquei rolando na cama o resto da tarde tentando me recuperar do golpe. Peguei o note e passei boa parte da noite pesquisando sobre a vida do Daniel e a sua... A sua... A sua... Melhor parar por aqui. Nunca tive coragem de adicioná-lo nas redes sociais e usava o perfil da Nicole pra fuçar no perfil dele sem sentir vontade de me enforcar por isso. Talvez no fundo não quisesse que ele soubesse de mim e que ainda existia. Preferia ser um fantasma nas suas memórias de adolescente. Sempre me senti um peixe fora d’água perto dele e da sua turma. Nunca tive coragem de me aproximar e tentar, talvez, algo a mais. Lembro que no colégio me sentia inferior a quase todas as pessoas e procurava estar sempre nos lugares que ninguém costumava ficar. Mas o Daniel era diferente. Ele sorria pra mim, sempre, e era legal comigo. E não era o garoto mais disputado e popular da turma, mas era um cara legal e divertido que todo mundo gostava de conversar e passar um tempo. Era um cara acolhedor. E eu sempre quis ser acolhida.

Não sei dizer ao certo quando tudo começou, só sei que foi bom. Um certo dia me dei conta dele e acho que ele se deu conta de mim também. Costumávamos trocar uma palavra ou outra, mas depois do ‘click’ a gente sempre ficava com vergonha um do outro. Tudo bem que abri a boca no ônibus pra dizer que achava a perna dele linda e ele acabou ouvindo...

Quem em sã consciência se apaixonaria pela perna de alguém? Mais um ponto pra mim!

Depois desse dia ele sempre usava shorts e ficava desfilando na minha frente com aquelas pernas lindas. Todo mundo tem suas fraquezas e eu tenho as minhas!

E mesmo a gente se paquerando e eu viver suspirando pelos corredores do colégio, nada aconteceu. Quando dois tímidos se apaixonam e um deles não toma a iniciativa de tomar um porre pra criar coragem, nada acontece!

E quando aconteceu a primeira festa da turma numa sexta-feira 13, fomos surpreendidos pelo apocalipse, mentira, mas bem que poderia ter sido numa sexta- feira 13. Resolvi criar coragem e decidi comparecer. Tudo bem que a Nicole ter me enchido a paciência ajudou um pouco, mas o Daniel colaborou bastante. E eu queria estar linda e aparecer diferente daquela habitual garota que ele via todos os dias no colégio. Talvez conseguisse diminuir as nossas diferenças.

E lá fomos feito loucas pela cidade, tínhamos pouco dinheiro e teríamos que economizar ao máximo para conseguir chegar à boate sem ter que pedir esmolas no caminho.

A nossa chegada foi triunfal, como um bando de desmioladas e a minha maior preocupação era onde estaria o Daniel e se já teria chegado... E todos estavam lá! E olhavam pra gente do outro lado da rua. Quase morri de vergonha e tentei sair o mais rápido possível do campo de visão deles. Foi impossível não ouvir os comentários e buchichos do pessoal, senti olhares de desprezo e só alguns poucos vieram nos cumprimentar, inclusive o Daniel. Aquele rosto era tão macio.

E como era de praxe havia uma linha invisível delimitando o lugar. Onde eles estavam nós não íamos e onde estávamos eles não se aproximavam. Achamos melhor esperar todos entrar pra gente poder respirar mais aliviada. E até pra dançar foi difícil porque todo mundo ficava olhando como se fossemos um bando de retardadas. Qual é, precisa de coreografia certa pra cada musica?!

E depois de fazermos vaquinha pra comprar um único drink resolvi que era hora de falar o quanto o Daniel era lindo, maravilhoso e que aquelas pernas... “Você quer ficar com ele?” Jenna perguntou animada. “Não!” Tentei acreditar nisso. “Ele nunca iria querer e eu tenho vergonha”... “Ah, qual é, não custa tentar?!” Me agarrou pelo braço e me arrastou pra perto deles. “Oh”... Olhou em volta. “Você ai”... E puxou uma das amigas dele que nunca falava comigo. “Será que você teria coragem de perguntar pro Daniel se ele quer ficar com a Natalie?” E sorriu satisfeita. “Não! É mentira!” Tentei voltar atrás. “Cala a boca Natalie! Pode ir lá falar com ele, ela quer sim!”

A garota me analisou um pouco até resolver ir falar com ele. “Por favor, Jenna, me solta!” Tentei me desvencilhar dela. Estava quase em pânico. “Não! Daqui você não sai!” E me segurou. Meu coração estava a mil por hora e meu rosto queimava. A hora que ele aparecesse na minha frente não saberia o que fazer... Talvez devesse começar segurando a minha tremedeira, seria um bom começo.

E depois de um minuto meu coração ainda batia descompassado.

Dois minutos depois e meu coração parecia bateria de escola de samba. E no meu rosto daria pra fritar uma omelete na bochecha.

Ficamos ali esperando um tempo e eu só pensava. “Por favor, apareça. Por favor, apareça”. E nada.

Talvez estivesse criando coragem, assim como eu. E alguém estivesse dando uma força pra ele. “Vai lá cara, vai lá, não tem nada a ver. Chega nela”.

A minha coragem começou a desaparecer e olhar as pessoas a minha volta só aumentou ainda mais o meu desespero. E se ele não viesse?

“Jenna, to passando mal, vou sair um pouco”. “Não! Volta aqui. E se ele vier e você não estiver?”

“Ele não vai vir”. Sai da boate aos tropeços e respirei o ar gelado. “Sua tonta e se ele for atrás de você?” Ela apareceu logo atrás. “Não. To passando mal”...

E aquele foi o fim da noite pra mim. Não voltei pra boate e nunca soube de nada. Não trocamos mais nenhuma palavra. Mas a dúvida nunca deixou o meu coração... A dúvida.

Tempos depois sai do colégio por não agüentar mais viver atrás da linha de separação. Era ruim ficar isolada e se alguém das minhas pouquíssimas amigas faltasse eu sempre acabava sozinha. E ainda tinha o fato de ter que encarar o Daniel... A resposta dele na noite da festa eu nunca soube, mas que chegou todo sorridente na segunda de manhã, ah, isso ele chegou! Talvez fosse um sinal, talvez não.

Passados alguns dias consegui transferência para outro colégio onde a linha de separação não existisse. E cheguei a quase me sentir totalmente legal, claro que sem exageros.

Me formei sem grandes festejos, fui pra faculdade e continuei com o mesmo peso.

E conforme o tempo foi passando, aquele dia deixou de ser real e tornou-se uma memória. Imagine a areia bem lá no fundo do mar. Imaginou? Então, lá no fundo do mar tudo é calmo, vazio, sereno e quieto. E é assim que essa memória existia na minha mente. Era silenciosa e quase imperceptível, mas bastava um pequeno movimento para movimentá-la e fazê-la vir à tona na minha mente. Assim como a areia no fundo do mar. E o sentimento não era ruim. Eu podia manter a esperança.

E assim se passaram varias primaveras. Me formei e arrumei um emprego. Trabalhar com Marketing era até divertido, mas não o tempo todo.

E como numa dança de roda eu sempre voltava para o mesmo lugar. Aquela noite, naquela boate. Uma garota espera um garoto. Entre um namoro e outro sempre acabava pensando nele e em como teria sido se eu tivesse ficado e ele decidido aparecer...

E por mais que a situação parecesse simples e superável, não era. Queria um desfecho pra história e seguir meu rumo. “Esquece isso Natalie, já passou, faz tanto tempo que ele nem deve se lembrar mais de nada”! A Nicole sempre tentava me consolar. “Como assim não deve nem se lembrar?” Falei ofendida. “Quer dizer que não significou nada pra ele?”

“Mas vocês nem ficaram?!” Ela não compreendia o que aquilo significava pra mim. “E mal se falavam”! “Nicole, isso não importa pra mim, tanto faz, acontece que o Daniel marcou muito a minha adolescência e é como um daqueles romances impossíveis sabe”? Não sei por que ainda tentava explicar aquilo pra ela. “Criatura de Deus, ele vai casar! Entenda isso, ele vai casar”! “E daí, ele só precisa saber de mim, daquele dia e o que eu sinto... Tanto faz o resto. O que importa é que quero que ele saiba o que sinto. Quero que ele se lembre de mim quando tiver sessenta anos, que pense em mim como uma paixão adolescente”.

Fiquei imaginando se já não era hora de procurar um psiquiatra e tomar Rivotril, talvez devesse primeiro acabar com essa dúvida e depois tomar Rivotril, ou devesse fazer os dois juntos. Optei pelo mais sensato a se fazer. Dar um jeito de falar com ele.

“Não vou fazer isso. É muita loucura”! Nicole respondeu tentando fazer o departamento inteiro ouvi-la. “Quer um microfone pra poder gritar mais alto”?! Vociferei. “Não vou fazer isso, Natalie, ele vai pensar que sou eu”! “Vai sim. E vai fazer pela nossa amizade”!

“E se eu não quiser? Acabou a amizade”?Tentou fazer drama. “Se não fizer eu não te ajudo com o bofe do departamento financeiro, é pegar ou largar”!

Pela primeira vez na vida estava tentando agir por impulso e não pensar nas conseqüências. Só queria fazer o que meu coração mandasse, mesmo que ninguém ao redor entendesse.

Dali a dois meses aconteceria o encontro de dez anos da formatura da turma. Meu nome nem sequer tinha sido lembrado, mas a Nicole estaria lá. E essa seria minha estratégia.

E em meio há tanta inovação tecnológica optei pela maneira mais simples e antiga de se comunicar. Seria minha ultima oportunidade de falar com ele, mesmo que não fosse pessoalmente.

“Uma noite, em uma festa qualquer, de uma boate qualquer, com uma banda qualquer. Uma garota comum esperou um garoto incomum beijá-la. E ele não apareceu.

A garota comum, com um sentimento comum, resolveu ir embora dali e o medo da rejeição fez com que não aparecesse mais.

O tempo passou e tudo foi esquecido. Menos no coração da garota. E em um dia como todos os outros ela descobriu que o garoto incomum, o seu garoto incomum, iria se casar. Mas aquilo não podia acontecer, não mesmo! Era ela quem deveria estar no lugar da noiva. Foi com aquele momento incomum com que sempre sonhou. Estar ali com o garoto dos seus sonhos, imaginando um beijo que nunca chegou!

E apesar de tanto tempo ter se passado, a garota nunca esqueceu o garoto, mesmo sem o beijo. E mesmo já sendo uma mulher seu desejo era reencontrar o garoto, agora um homem incomum, com alma de menino e sorriso perfeito. Ela amaria seu caráter, a sua gentileza e a forma amorosa como trata as pessoas.

E mesmo que o garoto se case com outra garota, a garota comum irá sempre pensar e sonhar com aquela festa, aquele dia em que o beijo poderia ter acontecido... E vai imaginar por toda vida em como teria sido se o garoto incomum tivesse aparecido”.

Garota qualquer

A carta foi entregue e nunca soube de qualquer reação por parte dele. O que foi triste e um alivio ao mesmo tempo. A ilusão é o combustível que alimenta o sonho.

Talvez se tivesse pedido uma resposta pra ele, quem sabe. A Nicole não falou nada na hora de entregar a carta e acho que não era necessário. E se optasse por ser mais direta: Por favor, não se case com ela! Eu também quero entrar na fila!! Eu também quero o seu sobrenome!! Qual teria sido a resposta dele?...

Só sei que essa história fará parte da minha vida pra sempre e muito provavelmente contarei aos meus filhos, netos e a quem mais quiser ouvir.

Mas o detalhe improvável ocorrido depois foi que, em um belo dia, recebi uma pequena carta, sem remetente e com um botão de rosa dentro.

“... Ao que foi, não foi e poderia ter sido. Ao passado, presente e futuro. Ao amor, a paixão e a amizade.

Ao certo, incerto, improvável, ao comum e ao incomum...

Um brinde as possibilidades, aos momentos, as surpresas da vida e ao que não pode ser explicado, pois assim é o amor... A nossa história incomum que nunca aconteceu”.

Daniel

Talvez as melhores histórias de amor sejam aquelas que nunca aconteceram, pois são elas que, mesmo tendo passado muitos anos, nos faz sentir um frio no estomago, o coração acelerar e o sorriso frouxo nos lábios.

M S Schultz
Enviado por M S Schultz em 18/03/2014
Código do texto: T4734449
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