RETRATOS DE INFÂNCIA - CAP. 21
Entrei no carro e dei partida. Amália apareceu na janela para um sorriso final e comecei a ir rua acima. Olhei pelo retrovisor e vi, parada na esquina ainda ela. Mãos postas como a fazer uma oração. Cabelos soltos, brilhantes ao sol quente e vestido colorido. Pensei em voltar e dar um abraço de despedida, mas me contive, afinal, tenho minha família e ela tem a dela. Eram apenas duas crianças ali se separando de novo. Pelo retrovisor via meu passado cruzando aquela esquina e deixando um rastro de saudade renovada. Embora na verdade tenha sido apenas um reencontro. Claro que passou por nós a possibilidade de tudo pudesse ter sido diferente. Mas não foi.
A estrada ao longe, já agora anuncia uma despedida e anuncia uma volta. Quero voltar aqui com minha família e visitar Amália. Entendi que não adiantam os anos se passarem, porque iremos voltar e ouvir os ecos de um passado que ressoa sempre na alma dos que partem. E partir é essência da humanidade desde os primórdios de nossa existência. Sempre em busca de uma sobrevivência possível partimos e nos despedimos de lugares, de circunstâncias e rumamos ao encontro do novo.
A estrada me direciona para um caminho diferente. A tranquilidade vai cedendo lugar aos ares modernos e vou observando diminuir pelo retrovisor o meu passado a ficar uma lembrança apenas, de um lugar, de uma esquina, de um cruzamento, de vidas, de sonhos, de saudades, de esperanças... perdida para sempre onde o futuro é um continuar perpétuo e o passado são esquinas dobradas. E nada mais.