Eco e os limites da interpretação

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1. Umberto Eco: Os limites da interpretação DFCH 466: Estética e Linguagem – UESB Prof. Cristiano Canguçu 1

2. Umberto Eco (1932-) Pesquisador de semiologia e estética, discípulo de Luigi Pareyson e professor da Universidade de Bolonha; Teórico importante em 1960-70, articulando a semiologia francesa de Saussure com a semiótica de Peirce. Obras mais relevantes sobre interpretação: A obra aberta (1962), que explora a atividade interpretativa do leitor; Em Lector in Fabula (1979) e Os limites da interpretação (1990), procura corrigir a sua teoria da interpretação em uma direção diferente, ressaltando o papel da própria obra como “âncora” das interpretações; Esse argumento culmina no debate – publicado em Interpretação e superinterpretação (1992) – com Richard Rorty, Jonathan Culler e Christine Brooke-Rose. 2

3. Introdução Eco discute a atividade interpretativa de signos e de textos (conjuntos de signos), tomando a escrita e a literatura como principais casos(mas não exclusivos). Divergência entre a tese relativista da infinitude e da liberdade totais de interpretação (qualquer coisa poderia ser interpretada de qualquer maneira), típica dos estudos literários, e a praxe da comunicação cotidiana , em que há certo consenso e normatização dos significados mais prováveis (“literais”). Tese de Eco: não há sentido único e fixo, mas nem todas as possíveis interpretações são igualmente válidas. As interpretações são múltiplas, mas não infinitas, pois são interpretações de algo – o texto serve como âncora ou restrição às aventuras interpretativas. 3

4. Introdução “(...) a interpretação – fundada na conjectura ou na abdução (...) é o mecanismo semiósico que explica não apenas nossa relação com mensagens elaboradas intencionalmente por outros seres humanos, mas toda forma de interação do home (e quiçá dos animais) com o mundo circunstante” (p.XX). “Se, portanto, o problema filosófico da interpretação consiste em estabelecerem-se as condições de interação entre nós e algo que nos é dado e cuja construção obedece a certas constrições (é o problema de Peirce, de Merleau-Ponty, de Piaget, das ciências cognitivas, mas afinal era também o problema de Kant – assim como é o problema da epistemologia de Popper a Kuhn), não vejo por que não se deva manter a mesma atitude diante de textos produzidos pelos nossos semelhantes e que, de qualquer maneira (...) estão já ali, antes mesmo de serem lidos”. 4

5. 1.1. Arqueologia Desde W. Booth (1961), autores do século XX discutem o papel do leitor (e de uma suposição de autoria) na interpretação: • Uma corrente semiótico-estruturalista : Roland Barthes, Tzvetan Todorov, Gérard Genette, Julia Kristeva, Yuri Lotman, Seymour Chatman, chegando a Michel Foucault; • Uma linha hermenêutica: Roman Ingarden, Hans-Georg Gadamer, Jan Mukarovski, Hans-Robert Jauss, Wolfgang Iser... Mas seriam tais correntes inteiramente originais? • A estética e a poética se interessam pelo papel da interpretação ou do efeito desde Aristóteles, passando por (Pseudo-)Longino, Kant, a fenomenologia, os formalistas russos, Pareyson... • O que as correntes contemporâneas fazem é retomar uma tradição ignorada pelo estruturalismo rígido, pela teoria anglosaxã da linguagem e pela sociologia empírica. 5

6. 1.2. Três tipos de intenções Os estudos da significação se dividem entre dois enfoques metodológicos: o gerativo (regras de produção de objetos textuais) e o interpretativo (recepção de tais objetos). Além disso, há uma tricotomia hermenêutica : (a) A interpretação como pesquisa da intentio auctoris; (b1) A interpretação como pesquisa da intentio operis; (b2) A interpretação como imposição da intentio lectoris. Entre a intentio auctoris e a intentio lectoris, há a intentio operis, ou intenção da própria obra Eco considera qualquer obra como um “texto”, isto é, um conjunto de signos cuja decodificação depende de códigos e de repertórios culturais. A intentio operis não é acessível diretamente, mas é objeto da conjectura do leitor. 6

7. 1.2. Três tipos de intenções Ilustração dessas tendências: (a) deve-se buscar no texto aquilo que o autor queria dizer (Croce, Iseminger, Carroll); (b) deve-se buscar no texto aquilo que ele diz, independentemente das intenções do autor; (b1) é preciso buscar no texto aquilo que ele diz relativamente à sua própria coerência contextual e à situação dos sistemas de significação em que se respalda (Wimsatt & Beardsley, semântica estrutural); (b2) é preciso buscar no texto aquilo que o destinatário aí encontra relativamente a seus próprios sistemas de significação e/ou relativamente a seus próprios desejos, pulsões, arbítrios (Richard Rorty, Jacques Derrida). 7

8. 1.3. Defesa do sentido literal Advogar a liberdade interpretativa não é rejeitar a existência de sentidos literais (o que seria solipsismo). Não só usamos e compreendemos sentidos literais cotidianamente, como a compreensão de metáforas, piadas, trocadilhos e outras figuras de linguagem só é possível a partir desse primeiro sentido. 8

9. 1.4. Leitor semântico e leitor crítico Interpretação semântica (ou semiósica): “o resultado do processo pelo qual o destinatário, diante da manifestação linear do texto, preenche-a de significado”; Interpretação crítica (ou semiótica): “aquela por meo da qual procuramos explicar por quais razões estruturais pode o texto produzir aquelas (ou outras, alternativas) interpretações semânticas”. Para fazer sentido, todo texto prevê – implícita ou explicitamente – esses dois leitores-modelo (ou modos de leitura). 9

10. 1.5. Interpretação e uso dos textos A interpretação é sustentada pela estrutura e pela coerência do próprio texto (qual sejam as intenções do autor empírico e/ou do leitor empírico). Ou seja, é a leitura que se pauta pela intentio operis: “Agostinho, em De Doctrina Christiana dizia que uma interpretação, caso pareça plausível em determinado ponto do texto, só poderá ser aceita se for reconfirmada – ou pelo menos se não for questionada – em outro ponto do texto”. 10

11. 1.6. Interpretação e conjectura O leitor empírico conjectura a respeito da intentio operis (baseando-se no texto como parâmetro de interpretação). Isto não implica que só haja uma única conjectura interpretativa válida. “Um texto é um artifício que tende a produzir seu próprio leitormodelo. O leitor empírico é aquele que faz uma conejctura sobre o tipo de leitor-modelo postulado pelo texto. O que significa que o leitor empírico é aquele que tenta conjecturas não sobre as intenções do autor empírico, mas sobre as do autor-modelo. O autor-modelo é aquele que, como estratégia textual, tende a produzir um certo leitor-modelo”. 11

12. 1.7. A falsificação das más interpretações Para se apontar más interpretações seria necessário apontar critérios de boa interpretação? Não. Segundo Popper, é o inverso (critério da falseabilidade). “(...) um texto deve ser tomado como parâmetro de suas interpretações (embora cada nova interpretação enriqueça nossa compreensão daquele texto, ou seja, embora cada texto seja sempre a soma e sua manifestação linear mais as interpretações que dela foram dadas). Mas, para tomarmos um texto como parâmetro de suas interpretações, necessitamos admitir que, pelo menos por um instante, exista uma linguagem crítica que age como metalinguagem e permite a comparação entre o texto, como toda a sua história, e a nova interpretação”. 12

13. 1.7. A falsificação das más interpretações Por que aceitar essa suposta metalinguagem? Porque a alternativa (toda interpretação é uma má interpretação) é autocontraditória. Imagine três textos α, β e σ (este último uma resenha de α). Se um leitor diz que σ é uma interpretação de β, um relativista não pode contestá-lo sem se autocontradizer (considerando que o texto é um parâmetro). Se diz que pode ser também uma interpretação de β (pois toda interpretação poderia ser uma interpretação de qualquer coisa), tal autonomia destruiria o próprio sentido do termo “interpretação”. Não se poderia interpretar coisa alguma, mas simplesmente dizer coisas. 13

14. 1.8. Conclusões A distinção de Eco entre interpretação (que procura se regrar pela intentio operis) e o uso de um texto (que não tem esse parâmetro) não é moral, mas de princípio metodológico. Para Eco, o problema é quando os estudos literários (o Derridismo) ignoram a tal distinção e passa a “transformar tal método no critério de todo ato de interpretação”. 14

http://pt.slideshare.net/cristianofigueira/dfch466-eco-e-os-limites-da-interpretao
Enviado por J B Pereira em 01/03/2014
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