RETRATOS DE INFÂNCIA - CAP. 20
Chegaram as crianças logo em seguida, com aquele barulho tão igual ao que fazíamos. Almoçaram e já foram direto para o quintal brincarem. Hoje em dia a esquina já oferece alguns poucos riscos que não existiam no meu tempo. Enfim, até o Indaiá passa pelas mudanças da modernidade, mesmo encravado nos rincões distantes das Minas Gerais.
Amália fez um almoço caprichado. Estava tão bom e já fazia tempo que eu não experimentava uma comida que não fosse de restaurantes. E ela desceu comigo a rua. Paramos na esquina e nos encostamos na parede de nossa velha casa. Ela mostrou a casa de Helena, da infância e eu a observava. Mas isso eu já tinha feito no primeiro dia de volta.
__ Tá vendo a casa onde morava o senhor Alonso? Ela tá diferente, mas é aquela mesma lá no final do quarteirão.
__ Sim, me lembro dele.
__ Pois é. Aquele jardim lindo que está agora na frente da casa foi Helena que fez. Ela vive ali. Preciso lhe dizer que Alonso e a esposa já faleceram. Seu filho vive ali com Helena. Eles tem dois filhos.
Na verdade eu já tinha imaginado que era mesmo assim. Porém saber com certeza nos comove um pouco. Amália deu-me um longo abraço e pediu que eu não a esquecesse. Agora eu poderia me comunicar com ela pelos meios modernos e nem precisava de saber endereço de ninguém mais. Fiquei observando enquanto ela entrava em sua casa e ainda voltou-se para um sorriso. Respirei fundo e tomei coragem. Fui e voltei inúmeras vezes e por fim, mesmo sem perceber eu acabei apertando o botão da campainha e chamando por alguém. Naquela hora ela deveria estar lá.
Ela apareceu à porta. Era a mesma Helena de minha infância e de meus sonhos. Era a menina que um dia bem distante no passado havia recebido um beijinho de amor no rosto com uma promessa de regresso breve para ficarmos juntos para sempre. Era a mesma garotinha que me havia retribuído o carinho dizendo que me esperaria por toda a eternidade se preciso fosse. Mas éramos apenas crianças, e não podíamos entender o que se estava passando com a gente. Não podíamos ter feito promessas que não poderiam ser cumpridas. Mas havíamos feito. E agora estamos de novo, frente a frente um do outro e cada um com suas lembranças fervilhando dentro da mente.
Devíamos ter ficado assim apenas nos contemplando por longos minutos. Era um olhar refletindo saudade, nostalgia, desejos incontidos e longas noites sem sono e de pensamentos vagantes por colinas e montanhas tantas... até que criei coragem.
__ Helena?
__ Sim, sou eu. Quanto tempo não é!
Ela falava com a suavidade de um anjo e sorria timidamente. Num primeiro momento não tivemos palavras, só olhares. Foi então quando ela disse:
__ Entra, Fredo. Vou lhe fazer um café.
Com apenas um gesto simples eu disse que não poderia entrar, que não ficaria bem, e coisas assim. Foi então que ela mostrou-me uma cadeira numa pequena varanda da frente da casa. Rapidamente me sentei e contei um pouco de mim e de minha vida. Ela falou do seu casamento e deixou a entender que não estava muito satisfeita. Foi, no entanto, uma conversa rápida. Não queria, de maneira alguma causar algum incômodo.
Lembramos-nos do tempo em que vivíamos naquela esquina e como nos divertíamos. Ela encheu os olhos de água quando relembramos nosso beijo e as juras de amor. Foi como se tivéssemos voltado ao passado e num momento de incompreensão ter acreditado que tudo poderia ter sido diferente. Não permiti ao menos que ela me oferecesse um café, como é o costume nestes cantos gerais. Foram momentos de intensa recordação, nostalgia e melancolismo. Eram olhares que cultivavam um brilho contido durante décadas. E que pareciam ter a certeza de que seria um adeus. Toquei a mão de Helena num ímpeto de despedida, beijei sua mão e sentindo a mesma suavidade de sua adolescente pele. Dobrei a esquina olhando sempre para trás e vendo as doces mãos dela sob o ar, despedindo, e pude igualmente sentir que suas lágrimas enevoavam sua visão, tal como a minha, como que a escurecer nosso passado e impedir nosso reencontro. Helena ficara para trás, novamente e novamente eu seguia meu caminho e deixava para o passado um presente intenso e uma centena de cenas de um futuro inexistente. Virei a esquina, virei meu passado.