RETRATOS DE INFÂNCIA - CAP. 19
O sol me acordou ao substituir o lugar da lua. Vou ao local da exploração e levo o relatório conclusivo aos engenheiros. Assinam, e sigo o caminho de volta. Na estrada rural, terra batida e poeira ao vento, vou olhando pelo retrovisor o caminho que vai ficando para trás e sinto que estou deixando um pouco de mim para trás que se vai pelo ar, sem rumo tal qual a poeira que se assenta no verde até que venha um vento e a leve aleatoriamente para outro lugar e mais outro.
Pensava em passar pelo hotel, colocar a bagagem no carro e partir. Mas não resisto em passar vez última naquela rua. Também indelicado seria não me despedir de Amália. Tenho, no entanto meus compromissos e preciso ir logo. Meio sem querer já me vejo dedo em riste na campainha.
__ Já vou! Gritou minha amiga lá de dentro e veio já enxugando as mãos num pano de prato, evidenciando que já preparava o almoço.
Abriu a porta:
__ Fredo, que surpresa! E na hora do almoço quase! Entra, vem.
E nem me deu tempo de dizer que não poderia entrar e nem demorar, que tinha que seguir viagem e entregar o relatório na matriz da empresa o mais depressa possível. E fui seguindo-a pela casa tentando dizer que só estava ali para me despedir...
__ Os meninos daqui há pouco chegam da escola, ai meu Deus! Mas que alegria você ter voltado. Pensei que já tivesse ido embora, e até já tinha lhe xingado de sumir sem se despedir. Passou outro dia apressado, deixou o livro e nem olhou a esquina.
Ela não parava de falar até que ordenou que eu me sentasse na cadeira da cozinha mesmo, que já íamos conversando, entre uma coversa e outra perguntando se eu gostava de frango cozido ou frito, se não me incomodava com as cebolas e etc. Por fim, Amália se cansou e abaixou-se para pegar uma panela maior e quando tive a oportunidade de falar.
__ Na verdade Amália, é que não posso me demorar, estou de partida e vim apenas lhe dar um abraço e agradecer pela recepção. Eu não posso ficar para o almoço...
__ De jeito nenhum, interrompeu-me. Mas nunca que você vai embora sem almoçar. Senta e descansa e vamos conversando. Você vai ter que parar no caminho pra almoçar não é? Então já vai pronto. Pode sossegar que não lhe solto antes.
Rendi-me à sua amabilidade. A viagem foi mais um passeio por mim mesmo e por minhas lembranças há muito amareladas.
__ Amália, perguntei meio gaguejando, e Helena? Ela ainda mora por aqui?
Ela virou-se para mim franzindo a sobrancelha, como que a dizer entendi o motivo de ter voltado aqui. Deu um sorriso e disse:
__ Desde que você chegou eu estava matutando como você ainda não me havia perguntado sobre ela. Pensei mesmo que a tivesse esquecido...
__ Não! Quer dizer, não é por isso. Helena é uma lembrança da infância, foi alguém de quem me despedi esperando voltar um dia e infelizmente crianças não são donas da sua vontade. Eu me casei, como já lhe disse, mas ela é uma boa recordação.
Enquanto ia mexendo as panelas, Amália ia sorrindo e desdenhando de minhas palavras.
__ Mesmo as lembranças da infância são fortes como os impactos da vida adulta. Não se esquece. O que não quer dizer que é amor, claro. Mas, Helena vive por aqui sim.
Neste momento senti meu coração pular e não consegui disfarçar meu nervosismo. Comecei a imaginar o sorriso que deixei aqui há muitos anos. Será que eu a poderia rever? Estaria ela também já casada e com família? Será que eu era uma lembrança ou apenas uma história do passado?
__ Ei... Disse Amália estalando os dedos em frente a mim. Que foi? Saiu do ar por uns minutos por falha técnica? Eu terminando o almoço Fredo, lhe mostro a casa onde ela está morando e o resto é por sua conta. Vai ser rápido, eu não vou lhe atrasar nem um minuto a mais do que você precisa. Precisa revê-la e ver como ainda é bela.