Nas profundezas de uma vida (nada) normal - Capítulo 16

Nas Profundezas de uma vida (nada) normal

Capítulo 16 - Feitiço do esquecimento

Não lembro o que fiz e como vim parar ali, mas de alguma forma eu havia andado até a casa da minha melhor amiga chorando como uma tonta e batendo na porta com uma certa raiva, digamos, a ponto de ter medo de que a arrombasse sem querer.

O toque da campainha era irritante. Fiquei um tempo olhando para a pequena lua minguante prateada que enfeitava o topo da porta de madeira. O estranho era que eu não me lembrava de ter visto aquilo antes, e olha que eu já fui umas mil vezes na casa da Isa.

Quando me dei conta do que estava fazendo, e que na verdade não estava na frente da casa da minha amiga coisa nenhuma, já era tarde demais. A porta tinha cabado de se abrir.

- Mari? - ouvir a voz dela depois de tanto tempo me fez chorar ainda mais. - O que você está fa... Oh! O que aconteceu? Entre!

Não lembro se tinha dito que não tinha mais parentes além da minha tia. De qualquer forma, eu tenho. Uma prima. Uma prima distante, mas que também podia se transformar em humana. Na verdade ela não podia, mas encontrou alguém no fundo do mar que fez uma porção para que ela pudesse ter pernas. O nome dela era Alina.

Alina se apaixonou pelos humanos. E decidiu que queria viver como eles. Mamãe sempre dizia que ela era uma boa pessoa. E que quando precisasse de ajuda, ela seria uma ótima pessoa para me acolher, principalmente porque morava ali perto. Ela é um doce de sereia. Acho que não foi uma má ideia afinal ter ido até a casa dela. O único problema é que eu não vou desde antes de minha mãe morrer. E eu não tinha tanta certeza de que esse reecontro pudesse me ajudar em algo.

- Fiz um chá de camomila pra você. - minha prima disse colocando o chá na xícara com tanta facilidade que parece que ela nasceu sabendo fazer os costumes humanos. - Vai te acalmar. Assim você vai poder me contar o que houve. Quando você chora fala tudo tão embolado que eu nunca entendo nada - senti o canto da sua boca se curvar em um pequeno sorriso.

- Erik. - foi tudo o que eu consegui dizer. Não tinha reparado que minha garganta estava seca.

- Erik? Sempre achei que ele fosse um garoto bom... O que ele fez? - minha prima é mais velha que eu (deve ter uns vinte anos) e mesmo vivendo em um mundo de humanos elas consegue ser tão inocente quanto uma criança. Apesar de que nesse caso a culpa nem é toda do Erik.

- Ele... - um gole bem quente. Queimei a língua - Ele vai se casar. - suspiro seguido de uma respiração forte e pesada e mais algumas lágrimas. É... Eu não ia superar isso tão fácil.

- Ele vai o quê? Com quem? Por que? - Alina quase derrubou a xícara de chá que tomava. Seus cabelos castanhos claros que estavam presos em um coque frouxo se soltaram. E os seus olhos verdes se abriram tanto que pareciam de desenho animado.

- É. Vai se casar com uma sereia qualquer Na sei lá das quantas. Acho que você passou tempo demais aqui fora que não deve se lembrar dos rituais do oceano não é? - eu disse segurando mais uma lágrima - Ele vai fazer dezenove anos, precisa se casar para que possa ser o homem da família e controlar as ondas perto da sua casa e cuidar para que nenhum tubarão chegue à nossa cidade. Basciamente seria como virar um poilicial para manter a segurança. Mas o pior não é isso. Ele... Ele me pediu em casamento, e vai se casar com outra.

- Espera um pouco... O Erik, aquele menino que brincava com você há tão pouco tempo atrás te pediu em casamento? Eu sempre achei que vocês era... Sabe só amigos.

- Eu não te vejo a tanto tempo que bom... Você não tá por dentro das coisas - digo tentando parecer natural, mas é provável que meu rosto já está quase da cor do meu cabelo - O Erik disse que gostava de mim. Aquela coisa que ele tem de querer me proteger ou estar por perto não é algo só de amizade como um irmão, é algo mais. E bom, ele... Ele me beijou. E disse que teria que se casar, mas que preferia que fosse comigo mesmo que eu seja mais nova que ele.

- Calma. Mari, quando você conta uma história faz isso tão rápido que não me dá tempo de assimilar tudo o que aconteceu. O Erik te beijou? Foi o seu primeiro? Quer dizer que os poderes... Mari! Você sabe que um beijo de sereia não é qualquer coisa como são os dos humanos. Não pode ficar fazendo isso sem ter certeza do que está fazendo!

- Eu sei... Mas tem um certo probleminha em relação a isso... Não foi o Erik que... Hum... que me beijou primeiro. - tentei não corar, mas já era tarde demais.

- O QUÊ??? - ela quase explodiu. Senti que o ar a nossa volta estava quase que congelando. - MARINA CORAL O QUE VOCÊ FEZ? - acho que entendo porque ela sempre tinha sido como uma segunda mãe pra mim quando a minha mãe não podia estar do meu lado quando era viva.

- Eu não fiz nada! Foi o Lipe! Eu juro que tentei pará-lo mas...

- Mari. Esse Lipe... é humano? E te beijou e o Erik vai se casar com outra e te pediu em casamento. O que é essa história toda? Dois garotos? Você é uma sereia. Uma SEREIA. Não pode ficar achando que é humana e pode fazer tudo o que eles fazem.

- O Lipe... Bem, eu acho que ele era humano. Mas agora não sei mais... E eu...

- Ai Poseidon. O que eu vou fazer? Sua mãe me mataria se soubesse que você fez esse tanto de coisa perigosa e eu nem ao menos sabia! Eu deveria morrer. - mal conseguia olhar para seus olhos. Ela estava com muita raiva que quebrou pelo menos duas xícaras em cima do tapete da sala. Tie que colocar os pés em cima do sofá azul em que estava sentada para não me cortar. - Você sabia que estava correndo risco. Agora sei porque o Erik vai se casar com outra. Os tritões de Thamisian gostam de lealdade. Eles querem uma sereia para a vida toda. Uma que escolha apenas eles. Eu sinto em te dizer isso, mas não acho que consiga recuperar o sentimento do Erik. Ele é um bom menino. E você, sereiazinha, merecia muito mais que um castigo pelo o que fez.

As lágrimas voltaram a molhar meu rosto. Eu sabia que estava correndo perigo e que Lipe se tornou um monstro de água doce por minha causa (aquilo que ele é não pode ser um tritão, não tem como). Mas eu achava que tinha algo para consertar o erro. Tinha que ter.

- Existe uma coisa. - Alina começou a dizer como se pudesse ler a minha mente - Uma coisa que talvez possa consertar esse seu erro. Mas seria perigoso demais usá-lo.

- Que coisa? - levantei os olhos e coloquei a última xícara intacta em cima da mesa. Minha voz saiu trêmula. Eu já não tinha tanta certeza de que ter ido na casa da minha prima tenha sido algo bom.

- Precisamos entrar no mar. - foi tudo o que ela disse antes de correr para a areia. A casa dela era uma das poucas que ficava perto da praia como a da minha tia.

- Mas você não mergulha há anos! - respondi horrizada. Eu não sabia nem se os pulmõesde Alina seriam capazes de respirar água, porque não fazia ideia se sua guelrra se abriria.

- Eu sei, Mari. Mas eu ainda posso entrar no mar e te levar até onde eu preciso que você vá. Posso não ter entrado na água salgada a muito tempo, mas não sognifica que eu tenha esquecido de como nadar.

- Mas eu... - não sabia nem ao menos o que ia dizer. Não dei nem dois minutos e já estávamos na bairada da pequena onda azul que se quebrava na areia.

- Nada de "mas". Você se meteu em uma encrenca. Só tem uma maneira de resolver isso e pode ser que nem ajude por completo, mas nós temos que tentar.

- Você podia ao menos me dizer o que é?

- É um feitiço do esquecimento. A ideia é: se você conseguir apagar a memória desse Lipe, talvez ele não se lembre de que pode se transformar... Porque é isso que aconteceu,não é? Ele está se transformando?

- É. Acho que sim. Mas você acha mesmo que um feitiço do esquecimento iria ajudar?

- Não, eu não acho. Mas a gente tem que tentar de alguma maneira.

Isso foi a última coisa que ouvi antes de pular de uma vez para o mar. Respirei com dificuldade até o fundo. Uma coisa estalou no meu pescoço e consegui puxar a água. Alina estava do meu lado de olhos abertos e com... Bem, ela estava respirando normalmente como se água fosse o ar, porém não tinha caudas. Ela tinha aprencia de humana, com suas pernas de sempre e uma camada de "roupa" onde deveria haver uma cauda.

- Ao menos, Mari... - ela começou a falar devagar para testar o timbre da sua voz. - Que você escolha jogá-lo em você mesma e esquecer de tudo o que fez.

- Mas eu esqueceria de tudo e isso não iria ajudar em muita coisa! - disse fazendo bolhinhas de água ao meu redor.

- Exatamente. Ele apagaria a sua memória. E tudo o que você fez possivelmente poderia ser apagado também. Esse feitiço é mais forte do que você pensa. Jogá-lo em alguém é como fazer o seu alvo recomçar do zero.

- Recomeçar... - as palvras vinham soltas em minha mente. Eu não tinha tanta certeza sobre esse feitiço. Não queria que apagassem a minha memória.

- Mas onde vou te mostrar tem outros feitiços, talvez algum outro seja o melhor para essa ocasião. Mas eu espero que até chegarmos lá você tenha ideia de que o que você fez é perigoso e vai ter de pagar caro para consertar.

Como apagar a memória e a vida de alguém.

Como me esquecer de tudo.

Como, talvez, morrer tentando achar uma solução cabível.

Bec
Enviado por Bec em 06/01/2014
Código do texto: T4638939
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