Deus escreve certo...

Um provérbio bem comum pode dar boas variações. E por ene razões. Apesar dos

senões.

Nossa horta no povoado do Brumado era bem pequenina - na proporção da casa,

e do espaço do terreiro, já loteado para para a plantação, o jardim, a criação, a

circulação, e, naturalmente, as 'terras devolutas', que ficavam mais pro fundo do

quintal e se disputavam por alguma plantação sazonal do milho, do quiabo, e do

matagal, que, no período das chuvas - diferentemente das uvas - crescia pra diabo.

Pequenina, e frontal à porta da cozinha, não deixava contudo a hortinha de dar um

trabalhão danado. Ou é só desculpa de moleque mal-criado?

É que as hortaliças eram muito delicadas, além das cobiças de que eram rodeadas:

e as mais implacáveis eram as formigas. Quietinhas durante o dia, uma noite

bastava, e tudo sumia. Uma praga que nem sempre com veneno se pagava.

E o sol, normal e mornalmente tão benfazejo, tinha também os seus caprichos, pois

quando dava de esquentar, chegava a tudo esturricar. Chegamos a cobrir com um

lençol (ou era virol?) umas mudinhas de alface, para lhes salvar ao menos o valor

de face. Num era face!

Mas dava gosto também saborear-lhe as couves tenras, suculentas, arrancar-lhe

uma cenoura - ainda daquele tempo de meio século atrás em que além da cor, as

plantinhas tinham aquele inescrutável gosto de algo natural...

E aquela vez em que a produção superou as expectativas e nos vimos todos juntos

num fim de tarde a trançar alho... Pois é, dava trabalho, mas também dava alho.

Afinal, reproverbiando, Deus escreve perto por lindas hortas.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 15/10/2013
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