Suave aconchego

Quando a tarde caía, na sua hora mais sombria, o que mais doía não era o iminente

breu, que na certa viria, mas era a brevidade crespuscular que parecia deflagrar

em minhas manas, LaToya e Labelle, aquele cigarrear de cotovias em par. Aquela

cantoria.

Cantavam em dueto, coisas assim como Os Sinos de São João, ou o "...na Itália eu

vi, e traduzi..." e estou que cantassem afinadinhas, botando em cada canção, um

pedacinho de cada coração. E cantavam geralmente junto à janela que dava para

o quintal, numa indicação de que as galinhas, já empoleiradas, e o arvoredo, só

com as copas ainda tenuemente iluminadas, gratos lhes ficavam pelos vespertinos

trinados, sinalizando o bom momento para a reflexão e o recolhimento.

Minha tristeza vinha quiçá de não poder me juntar às vozes e espantar assim -

mais em mim - brava e galhardamente, o anoitecer iminente.

Com pouco as luzes se acenderiam, mortiças que eram, mas portadoras daquele

suave aconchego, digno de agradar a troiano e a grego, remetente ao sossego - se

o não interrompesse o vôo erradio d'algum morcego.

Rádio ligado, o que se ouvia era a Ave-Maria, pausada, pelo Júlio Louzada

serenada.

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 03/10/2013
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