O automóvel
Naquela época dizia-se melhor "automóvel". Carro também se ouvia, no entanto, as associações com carro-de-boi, ou carroça mesmo, acabavam desviando um tanto a solenidade da coisa, do au-to-mó-vel. E o curioso é que se falava vortá, sorto, mardade, mas o l final do automóvel era preservado, numa atitude lingüística quase reverencial àquela maravilha da tecnologia.
Andar de automóvel era coisa rara, para se contar depois e se gabar da aventura por muito tempo. Mesmo vê-lo de perto já se reconhecia como vantajoso, como um trunfo. Uma vez íamos subindo penosamente a encascalhada rua do campim, sob aquele sol de rachar taquara, quando, não mais que de repente, emparelha conosco o automóvel do Zé Amaral, pretinho, luzidio, um luxo até nas calotas.
Criado naquele mesmo vilarejo, na vizinhança da casa de vovó, e vindo da capital, o Zé Amaral pára o veículo e, gentilmente oferece carona à tia Rita e àquele bando de três ou quatro sobrinhos. Mal a porta se abriu, foi aquele desvario de euforia, saltar naqueles bancos tão confortáveis. E embora o trecho a ser percorrido não fosse mais que uns duzentos metros, o sabor celestial parecia eterno.
Eterno, até que o menorzinho, o Beu, apenas o automóvel entrou em movimento, entrou o pirralho em pânico desbragado e, desconcertada, Rita teve que apear renunciar ao prazer, e seguir com ele a pé o resto da jornada.
Idem, para os que estavam gostando do passeio. Ficou pra próxima. Mas que é de que o Zé Amaral voltasse?