Fármaco epopéia infantil
Fármaco-epopéia
A cidade tinha sua meia dúzia de farmácias - pra não
dizer que eram quatro ou cinco. Guardavam um aspecto
sóbrio, quase solene, se comparadas ao demais daquele
comércio renqüém da Velha Serrana, entre bares,
'vendas', lojas, padarias, açougues, e as duas ou três
casas de ferragens.
Porque eram limpinhas e cheiravam a remédio, pois
ainda se aviava muita fórmula prescrita pelos médicos
mais antigos. E o guarda-pó dos seus empregados fazia
a diferença, branquinho, feito a pureza que compensa.
Volta e meia a gente, ainda guri em fase de troca de
dente da frente, era mandado à farmácia fazer alguma
compra de urgência, ou a menos de necessidade: uma
chupeta pra mamadeira, o jatahy grindélia, o vick
vaporub, o bicarbonato.
Uma preocupação de mamãe ao nos despachar para uma
compra d´algum remédio menos comum, daqueles mais
brabos, em termos de eficácia e de preço, era sempre
procurar saber se havia amostra grátis.
Eu, que pra entrar em farmácia já sentia aquele
constrangimento, iria ainda dar conta de declinar pro
farmacêutico aquela expressão tão complexa? E ainda na
frente de outros clientes, como soía, e como doía? A
solução era passar na frente da farmácia, várias
vezes, bispando apenas o seu interior, para saber o
momento certo de entrar. Mas conseguiria, algum dia,
amostra gratis recitar?