Fármaco epopéia infantil

Fármaco-epopéia

A cidade tinha sua meia dúzia de farmácias - pra não

dizer que eram quatro ou cinco. Guardavam um aspecto

sóbrio, quase solene, se comparadas ao demais daquele

comércio renqüém da Velha Serrana, entre bares,

'vendas', lojas, padarias, açougues, e as duas ou três

casas de ferragens.

Porque eram limpinhas e cheiravam a remédio, pois

ainda se aviava muita fórmula prescrita pelos médicos

mais antigos. E o guarda-pó dos seus empregados fazia

a diferença, branquinho, feito a pureza que compensa.

Volta e meia a gente, ainda guri em fase de troca de

dente da frente, era mandado à farmácia fazer alguma

compra de urgência, ou a menos de necessidade: uma

chupeta pra mamadeira, o jatahy grindélia, o vick

vaporub, o bicarbonato.

Uma preocupação de mamãe ao nos despachar para uma

compra d´algum remédio menos comum, daqueles mais

brabos, em termos de eficácia e de preço, era sempre

procurar saber se havia amostra grátis.

Eu, que pra entrar em farmácia já sentia aquele

constrangimento, iria ainda dar conta de declinar pro

farmacêutico aquela expressão tão complexa? E ainda na

frente de outros clientes, como soía, e como doía? A

solução era passar na frente da farmácia, várias

vezes, bispando apenas o seu interior, para saber o

momento certo de entrar. Mas conseguiria, algum dia,

amostra gratis recitar?

Paulo Miranda
Enviado por Paulo Miranda em 20/09/2013
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