Alma de clérigo
Não sei como fui parar naquela casa, a não ser pela minha condição de
seminarista, recluso e timorato, acompanhando outro que, ao contrário,
tinha uma facilidade incrível na comunicação e no esplendor de seu pendor
para ser um senhor pastor.
E no sacro exercício preliminar de pastoreio, sem cabresto ou arreio, puxoume
travessas apertadinhas que circundavam a catedral. O patriarca, nos seus
cinquenta e tantos anos, encanecido, altivo e longilíneo nos recebeu com
cortesia, mas não se envolveu nos lances subsequentes de minha interna
folia: deixou que suas moças, três delas estavam ali, nos exibissem suas
graças.
E pode ser que nem tenham se incomodado com nossa presença, aquelas
três morenas sílfides, cujo mero olhar já era uma sentença: de aprisionar,
ou de libertar. Tudo conforme o coração, já sem razão, viesse a palpitar.
Para os meus 17 anos era muito, muito pesado teste para a castidade que
vinha eu votando dia a dia na rotina da vida clerical. Mas ao menos em
público, resisti, e o pior de tudo, calado, sem ao menos um brado, ainda
que por aquela visitação totalmente transportado. E ao fogo do interno
predestinado.
Voltei a ter aquelas visões, já fragmentadas e espaçadamente, nalguma
missa dominical, mas sem a intensidade e o arrebatamento daquela
primeira vez.
O mais perto que se me ofereceu de me redimir dos atribulados
pensamentos - e de partir para as ações de graça - deu-se no ano seguinte,
eu já distante das amarras canônicas e ensaiando meus passos na vida
profana, e já sem a companhia de Nil, que continuava na trilha eclesial,
fiel, pleno, pastoral. Pois bem, rondando aquelas imediações da visão
magnificat: vi, segui, o caminhar de uma daquelas três sobre o ladrilhado
de seu alpendre. Pude mirar e admirar, por uns poucos segundos que
foram, um par de calcanhares principescos que sustentavam na forma mais
segura aquela estonteante figura. Verdade pura. E embora já tênue a
lembrança, nunca perdi a esperança - de, ao menos, uma contradança.