Inapaixonável - Capítulo 5

5.

Um amigo de verdade

- O nome dele é Caio! - Luna exclamou assim que acabaram o almoço e estavam já na calçada, bem longe dos ouvidos do garoto e do pai que pagava a refeição no caixa. - Até que faz todo o sentido ele estar "caidinho" por você!

Lucy não fez outra coisa a não ser revirar os olhos. Que piada horrível tinha sido aquela? E além disso, o menino tinha sido realmente legal com ela, como nenhum outro, mas não era tão impossível assim que alguém pudesse ser legal com ela durante sua vida inteira não é mesmo? Afinal, até Luna estava sendo super divertida.

Agora que "ele" pudesse gostar "dela"? Isso sim era impossível. Ninguém nunca gostava dela de verdade, nem a própria mãe! E ela estava acostumada com isso. Estava acostumada com o fato de nunca se apegar às pessoas por mais amigáveis que elas pareçam ser. Sua zona de conforto não era atacada assim. Na realidade, ela nunca sentiu o coração bater forte como é dito nos filmes, a não ser que fosse pela própria vida.

- Não faz sentido não. Ele é só uma pessoa que pelo menos fala comigo direito, apenas. - Lucy respondeu olhando para uma pequena árvore que ficava do outro lado da rua.

- Ihh que defesa é essa? Nós temos que deixar com que as pessoas gostem da gente, porque isso faz com que nos sentimos amadas, bonitas e se estivermos para baixo, faz a gente se sentir melhor.

- Então eu vim com defeito, porque eu não acho isso. Se a pessoa parece gostar de mim, é porque quer que eu faça alguma coisa.

- Ai garota, que difícil, você hein? Na verdade eu tenho um nome melhor... Você se fecha tanto pro amor que vive como se fosse "inapaixonável".

Aquilo não tinha sido uma pergunta, mas Lucy sentiu como se fosse, porém não sabia o que responder. Quando passava pelas outras garotas sempre as ouvia falando sobre garotos. Mas ela mesma achava aquilo meio doentio. Quer dizer, já passou do tempo em que mulheres viviam na sombra de homens, por que se curvar a eles como se fossem príncipes ou alguém da realiza?

Só que gostar e se apaixonar eram coisas totalmente diferentes. E assim como nunca tinha gostado verdadeiramente de ninguém, nunca tinha se apaixonado. Mas seria ela capaz de ser "inapaixonável"? Como se ela nunca fosse se apaixonar na vida?

Luna a ficou encarando como se estivesse mesmo esperando uma resposta para a não-pergunta. Lucy abriu a boca para contrariar, porque era isso que vinha fazendo desde quando conheceu a menina, mas seu pai já estava saindo da padaria com um sorriso no rosto.

- Vamos, meninas? - ele disse abraçando-as uma de cada lado. - Acho que gostei da comida aqui. Até tive desconto na hora de pagar! Talvez venha aqui mais vezes.

A garota loira lançou um olhar para irmã quando o pai disse "desconto". A morena fingiu que não viu, mas mesmo assim não entendeu o que ela queria dizer. Essa coisa de conexão entre gêmeas também não funcionava com ela, assim como tudo no geral.

- Para onde "vamos"? Eu não tenho que ir para casa? Mamãe deve estar esperando. - Lucy disse entrando no carro primeiro.

- "Mamãe"! - a outra quase estourou o vidro do carro quando gritou - Eu sempre quis conhecer a mamãe! Você pode me levar para a casa dela também, pai? Por favor?

- Eu não sei se é uma boa ideia, filha... Sua mãe provavelmente não quer me ver, e acho que precisamos voltar para casa mais cedo, tenho uns trabalhos no computador...

- Mas se não puder "me" levar tá tudo bem. Posso ir a pé já que é aqui do lado. - Lucy respondeu tentando não alimentar uma discussão ali.

- Lucy... - o pai ia respondendo.

- Você vai com a gente. Pai, se você não quiser subir, está tudo bem. Eu vou com a Lucy, não vai ter problema.

- E deixar você ir sozinha? Que eu me lembre Susana não é tão... "Temperamental". Não sei se ela vai querer saber que tem mais uma filha...

- Como assim "mais uma filha"? - Lucy ficou tão chocada que quase esqueceu que estava com a mão na porta para abri-la. - Mamãe não sabe que somos... Gêmeas?

- Saber ela sabe... - o homem estava tentando amenizar as coisas. Não queria ter dito o que disse daquela maneira, mas sabia muito bem que a ex mulher não iria aceitar muito bem o caso. E para consertar o erro teria de escolher as palavras certas. - Só que ela finge que não sabe. Digamos que em um tempo do nosso casamento... Eu a deixei desapontada. E ela... Ela perdeu a paciência. O Juiz acabou decidindo que uma ficaria comigo e outra com ela logo depois do divórcio. Mas parece que essa não foi a melhor opção. - ele olhou para a menina morena pelo espelho retrovisor por um breve segundo como se o jeito dela tivesse sido influência da mãe.

- Então isso quer dizer que ela não gosta de mim, mesmo não me conhecendo direito? - a loira perguntou.

- Isso quer dizer que agora não deve ser a melhor hora de conhecê-la. Foi o que te disse sobre a Lucy, se tivesse esperado mais tempo talvez fosse melhor. - ele respondeu seguindo o caminho que Lucy havia dito que ficava seu prédio. Em pouco tempo eles já estavam na frente do grande edifício. Ir de carro era muito mais rápido do que a pé ou de bicicleta.

- Você queria que eu fizesse trinta anos pra só então descobrir que tenho uma irmã gêmea? - ela disse quase gritando com as lágrimas ao ponto de escorrer pelo rosto.

- Não trinta anos... Mas talvez esperasse um pouco mais do que agora. Veja o estado que você está Luana!

Lucy não sabia o que deveria fazer. Então abriu a porta do carro e tentou sair de fininho. Só que esse plano não deu certo. Logo depois ouviu-se o barulho de cinto de segurança sendo retirado e um homem gritando o nome das duas meninas. Assim que ele as viu na portaria estacionou o carro direito em frente ao prédio e correu ao lado delas.

- Achei que não quisesse subir.

- Você é tão teimosa Luana! Eu não vou te deixar ir sozinha. Não quero que nada aconteça com você. E Lucy, você sabe como é sua mãe. Será que não consegue fazer essa menina aqui mudar de ideia e esperar um pouco mais? - o pai perguntou como se fosse a última esperança.

- A mamãe realmente não é alguém pra se "querer" conhecer... - ela tentou dizer, mas suas palavras saíram quase baixo demais.

- Sem chance. Ela pode ser um monstro, mas ela é minha mãe e eu quero conhecê-la.

Os três subiram o elevador com o coração na boca. Dois deles preocupados e uma extremamente ansiosa. Quando chegaram no andar certo o elevador abriu as portas apitando. Lucy parou em frente a porta e abriu a fechadura com a chave que estava no outro bolso da calça, aquele que não estava com o boletim dobrado.

Antes que pudesse abri-la totalmente, Luna passou na frente pulando de alegria e finalmente, depois de quase duas décadas, conheceria a mãe. Já estava imaginando milhões de rostos e fisionomias diferentes em sua mente quando a própria apareceu na sala segurando uma garrafa de vinho e uma taça em pleno começo e tarde.

- Mããããe! - a menina deu um abraço de urso quase amassando o vestido azul curtinho bem passado da mulher mais velha, por isso quase engasgou com a bebida.

- Lucy! Olha só o que você quase fez! Que história é essa de me abraçar, não está vendo que o vestido é novo, menina?

- Mãe! Eu nem acredito que tô finalmente te conhecendo! Fiquei perguntando um milhão de coisas sobre você, mas a Lucy quase não dizia nada...

- E esse cabelo loiro? Pintou? Quem deixou você fazer uma coisa dessa? Vai lavar já! Quero que tire essa tinta agora. Não é possível que você seja tão cabeça oca de não saber que seu cabelo vai cair por causa disso. - a mulher estava bem irritada aquele dia e cheia de hematomas pelo corpo escondidos com base e olheiras profundas. Ela nem quis ouvir o que menina tinha dito.

Foi então que percebeu que havia algo errado. Aquela ali não tinha como ser a Lucy, porque ela não era daquele jeito. Sem contar que tinha acabado de reparar que a menina loira havia dito "mas a Lucy quase não dizia nada..."

- Oi mãe. - a verdadeira Lucy apareceu um pouco mais atrás com a roupa da escola e com o seu cabelo perfeitamente escuro como sempre fora.

- Se aquela é a Lucy, q-quem é você?

- Luna. A irmã gêmea da Lucy. eu sei que você não me conhecia direito, mas eu queria saber como você era. Papai disse que você era bem bonita.

- Ah, seu pai? Mas o que é que está acontecendo aqui? Que menina é essa que invadiu meu apartamento me chamando de mãe e clonando minha filha? Vou ter de ligar para a policia e...

- Não vai ser necessário, Susana. - a mulher reconheceu a voz grossa que não ouvia a muito tempo. Que achou que jamais ouvira. Que imaginou que o dono dela estava morto, para sempre. - Caso você não se lembre, Luna também é sua filha sim. Você sabe muito bem que teve gêmeas.

- Meu deus do céu!! - ela ficou horrorizada. O ex marido e a outra filha estava ali para assombrá-la. Ela tinha certeza de que os dois tinham ido para bem longe e inclusive deu na TV que o lugar para onde eles foram tinha sido totalmente destruído. Eles deviam estar mesmo mortos. E depois de ela tanto reclamar eles estavam ali para assombrá-la junto com Lucy. - Isso não é possível. Eu vi o acidente de carro. V-Vocês morreram eu tenho certeza. Lucy - ela puxou a filha para si - Não toque neles, não fale com eles, finja que não consegue vê-los.

- Como assim morremos? - Luna fez uma cara de ponto de interrogação.

- Quando você era pequena, houve um acidente na estrada que pegaríamos para morar em outro lugar. Só que eu descobri o que havia acontecido por lá antes de sairmos. Portanto Susana, estamos vivos. E eu sabia que não era uma boa ideia que Luna te conhecesse, olha só o seu estado mental.

Soltando Lucy ela chegou mais perto só a ponto de tocar no homem para saber que não estava tendo alucinações. Eram bem reais. Aquelas pessoas que fizeram da sua vida um inferno no passado estavam vivas. Aquelas mesmas pessoas que ela fez te tudo para esquecer, e com o tempo passou a odiar.

- Meu estado mental? Olha só o que você está fazendo agora. Está confundindo a cabeça dessas meninas. Não existe essa coisa de gêmeas. E nunca mais vai existir.

- Você não pode negar a verdade. Elas são irmãs e você sabe disso. Não pode tirar o direito de que se vejam.

- Nesse ponto você pode até ter razão, mas eu deveria saber... Que você ainda estava vivo em algum lugar e que mesmo assim viria aqui um dia para me assombrar mesmo com a sua vida inteira. Você não tem o direito de entrar nesse apartamento! E se você continuar aqui eu vou chamar a polícia! - ela bateu forte no braço do homem que estava gritando no mesmo nível para se fazer ser ouvido.

- Eles são minhas visitas. Luna queria muito te conhecer, mãe. - Pela primeira vez, Lucy respondeu a mãe. Estava cansada de ser tratada como um nada que só existe quando ela quer. - Então eles tem o direito de estar aqui.

Pelo o canto do olho a morena viu a loira chorando em um canto escondido perto da bancada da cozinha. Pelo jeito tudo estava saindo errado. O plano de ter uma família feliz estava indo por água abaixo. Mas Lucy não choraria. Pelo menos não enquanto a promessa que fez a si mesmo ainda estivesse de pé. Ela era forte. E fortes não deveriam chorar. Jamais.

Mal percebeu que ela estava no meio da briga também e de vez em quando um dos dois cuspiam nela enquanto gritavam. Até que sua mãe a puxou quase arranhando sua pela.

- Qual é o seu problema garota? por acaso te criei pra ser essa coisa idiota? Não tá vendo o que você causou? Se você nunca tivesse nascido, essas coisas nunca estariam acontecendo. E você ainda vem me dizer que esses impostores são suas "visitas"? - Logo que disse isso ela deu um tapa bem forte na cara da própria menina. Lucy gritou tanto que colocou uma mão no rosto. Não conseguia acreditar que sua mãe tinha sido capaz de fazer algo assim com ela.

Era tarde demais. Não tinha como manter a promessa. As lágrimas eram mais fortes que ela. Seu rosto já estava basicamente vermelho. Então era isso. Claro que sua vida não fazia sentido nenhum. Ela nunca deveria ter nascido.

O pai da menina até ficou assustado com o que tinha acabado de presenciar. A briga era apenas dos adultos, as filhas não deveriam estar vendo aquilo e muito menos chorarem por aquilo. Aquela hora tinha se lembrado o por que da separação. Susana só tinha olhos para si mesmo, e não possuía coração. Que tipo de mãe diria uma coisa daquelas para a própria filha?

Ele abraçou Lucy como se tentasse dizer que tudo ficaria bem. Mas sabia que não iria ser assim tão cedo. A mulher estava extremamente irritada e mesmo que a polícia viesse ali pará-la, ela jamais pararia de gritar e de fazer uma bagunça enorme e principalmente bater nas pessoas a sua frente.

Naquele momento a iria era tão grande que ela segurava um dos sapatos de salto que usava, na própria mão e tentava atacá-lo em Lucy. Não era possível que aquilo fosse algo normal. Talvez Suasana sofresse um transtorno ou alguma doença mental, que não fosse capaz de controlar. Lucy não era motivo de tanto ódio e nem mesmo de ter estragado parte de seu passado. Ela apenas havia nascido.

No momento que saiu dos braços do pai, ela sentiu seu braço sendo raspado por algo pontudo. Doeu. E ela não conseguiu mais conter os gritos e as lágrimas.

- Vai já para o seu quarto, agora! - ela ouviu a mãe dizer com uma voz tão ríspida que nunca ouvira antes. Essa era a primeira vez que além de dó de si mesmo, tinha medo. Medo de verdade.

Só que a garota não queria obedecer a mãe. Não iria para o seu quarto de jeito nenhum, porque assim que seu pai saísse daquele lugar levando Luna junto, ela a bateria mais do que nunca.

- Vai embora, Lucy. Não volte para casa até sua mãe estar melhor. Estarei no carro daqui a alguns minutos. - o homem contrariou.

Entre o pai ou a mãe, ela obviamente escolheria o pai. Pelo menos ele não a odiava. Ou não demonstrava isso com todas as forças. Antes de tocar na porta desviou de mais outro sapato que quase a atingira. Que coisa horrível estava acontecendo! Dessa vez copos de vidro estavam sendo jogados no chão e cabelos sendo espalhados por toda a parte. O apartamento estava um caos, e nenhuma pessoa de fora teria coragem de intervir.

A morena parou por um segundo antes de abrir a maçaneta e sair correndo corredor a fora. Ouviu choros entre os gritos. E sabia muito bem de onde vinha. Tentou ir até atrás da bancada e abraçar a irmã que chorava com a cabeça entre os joelhos, mas uma almofada a atingiu.

- Ficou doida Susana? Você quer machucar as suas próprias filhas? O que é que deu em você?

- Você! A culpa toda é sua! Você me fez ficar horrível com aquela barriga enorme e me deixou sozinha pra cuidar de dois bebês por causa do seu trabalho idiota! Você acha que eu queria ter filhos? É muito melhor o filho dos outros porque são bonitinhos e não fazem nada para você, mas olha o que essas aqui fizeram! Não está vendo que essas meninas paranoicas estragaram minha vida? Uma só já é demais e agora você me vem com a outra?

- Fique calma. Elas não fizeram nada. A culpa que eu tenho é que escolhi a mulher errada para ser mãe das minhas filhas e eu jamais vou deixar que você as machuque de novo. A única paranoica aqui é você. Devia ir ser tratar logo.

- Eu paranoica? Ah meu bem! Eu sou perfeita! P-e-r-f-e-i-t-a. Com as letras bem separadas pra você. O único problema aqui é você e sua idiotice. Tudo esta indo tão bem até você aparecer de novo. A Luciane nunca foi rebelde comigo, olhe como ela está agora. Urrgh! - ela tentou pegar mais alguma coisa no sofá e atirou pela bancada da cozinha fazendo algo de vidro se quebrar perto de Luna, mas não perto o bastante para machucá-la.

- Luna, você está bem? - Lucy falou alto do outro lado. O pai delas interveio antes que a mulher jogasse mais alguma coisa na filha que estava em pé.

- Saia logo daqui Lucy, você está muito machucada. A luna vai ficar bem enquanto estiver ali.

- Mas...

- Só vai! - dessa vez foi a própria garota que gritou entre as lágrimas ainda escorrendo pelo rosto. - A culpa é só minha não sua. Você tinha razão. E você não merece ser machucada assim.

Lucy não conseguiu esconder a cara de dor ao olhar para o pequeno machucado no braço. Estava sangrando um pouco. As lágrimas ardiam quando tocava nele e seu rosto estava mais vermelho do que nunca. Ainda devia estar com a marca da mão da mãe dela ali.

Sem hesitar correu para a porta e a bateu tão forte que o vento passou por ela. Com a respiração ofegante apertou o botão para chamar o elevador e desceu olhando para o espelho tentando pela primeira vez melhor a aparência. Mas estava óbvio que não conseguiria.

Assim que chegou ao térreo, não sabia o que fazer e nem para onde ir. O porteiro perguntou o que aconteceu ao ver seu rosto vermelho, mas ela não respondeu. Em vez disso, jogou o cabelo para frente para esconder o máximo que podia da sua face, principalmente a marca do tapa.

Mas para onde iria? Se não podia ficar na sua própria casa e não tinha nenhum amigo, o que faria? Fugir era a melhor coisa que podia fazer no momento mas ainda assim tinha seus furos.

E então uma ideia veio a sua mente. Talvez ainda houvesse um lugar que ela poderia ir que não a tratassem mal ou pior. Talvez ainda havia alguém que a ouviria falar coisas aleatórias, mesmo que dolorosas. Talvez a padaria ainda estivesse aberta.

Então Lucy não estava tão perdida assim.

Assim que passou pela porta de entrada seu cabelo foi jogado para trás como sempre por causa do mini ar condicionado que ficava ali em cima. Logo depois ela colocou o cabelo no rosto de volta tentando amenizar o soluço. Estava muito triste para consegui pará-lo totalmente.

- Lucy? - ouvir a voz do Cadu perto do caixa, fez a menina olhar para cima. Ela queria sorria mais não conseguia de jeito nenhum. Sua vida podia ter chegado ao fim, mas ela ainda estava ali viva, e aquilo não fazia sentido. Então começou a chorar ainda mais quando ouviu o típico "o que houve?" mágico que a fez contar tudo em segundos.

- Não é culpa minha. Eu juro que não pedi pra nascer. Eu juro. Eu não quis fazer nada ruim pra minha mãe e nem pro meu pai. Eu não queria que eles brigassem. Eu só queria saber antes que tinha uma irmã gêmea e eu queria ter amigos em quem confiar. Eu não sei o que fazer, mas tudo é mesmo culpa minha não é?

- Ei... Calma. Eu não consigo entender direito com você chorando. Olha, o movimento tá vazio, então a gente pode ir lá no refeitório que tá fechado agora, mas eu abro pra você e daí você respira e me conta o que aconteceu.

A pobre menina o seguiu já com um guardanapo tentando enxugar os olhos, mas cada vez que mexia o braço, mais ele doía. Sentou-se em uma das cadeiras mais longe da porta, perto de uma lareira que ainda estava ligada para aquecer o local e tentou respirar fundo.

Mas em vez de pensar em coisas boas só conseguia se lembrar de sua mãe gritando com ela. De certo modo ainda era culpada.

- Hum... Vou ali na cozinha e te trago um suco de maracujá pra te acalmar. Dizem que é bom. Fica aí.

Lucy não tinha ideia do que dizer. Era estranho confiar tanto em uma pessoa que mal conhecia. Se bem que a pessoa mais próxima dela, também não era lá das mais confiáveis. Então como deveria ser? Claro tudo tinha que ser diferente para ela, porque ela era ela.

Mas Cadu tinha sido legal desde o começo, então por que não confiar nele? Por que ela tinha que ser a única desconectada do mundo e nem ao menos ter um amigo de verdade?

- Aqui, toma. - ele voltou tão rápido que ela mal percebeu quando chegou. - Agora pode falar. Tem alguma coisa a ver com a sua irmã?

- Minha mãe. Ela está doida. Ela tentou de matar, eu acho. Ou só me machucar. - ela conseguiu dizer assim que bebeu um pouco do suco e respirou fundo mais uma vez. Desse modo mostrou o braço com o pequeno corte ardente. E logo depois deslizou uma das mechas do cabelo para atrás da orelha para mostrar a marca vermelha que ainda havia.

Ele não fez nada além de tocar delicadamente na bochecha dela, pegando uma das lágrimas rebeldes com o dedo. E observar como ela estava machucada. Era chocante ver que existia mães que batiam tanto nos próprios filhos.

- O que você fez? - ele perguntou com cuidado.

- Nasci. Ela disse que eu estraguei tudo porque eu nasci. Eu e a Luna. Mas a maior culpa deve ser minha porque eu fiquei com ela, enquanto a Luna vive com o papai.

- Com certeza ela não disse isso. Você deve ter ouvido errado, Lucy. Não tem por que ninguém te odiar.

- Ela disse isso mesmo. - Não adiantava uma lareira, um suco de maracujá e uma pessoa para quem contar o que estava acontecendo. Ela nunca conseguiria cumprir a promessa de nunca mais chorar, afinal já tinha falhado, mas aquela altura tudo estava pior, porque era como uma dor no fundo do coração que ela achava que só batia pela vida. Mas ele também sente. E sente muito. - Papai até me respondeu sobre isso. E Luna tá lá em casa chorando escondida. Eu não sei o que fazer.

- Não é culpa sua. Seja lá o que aconteceu deve ser um problema da sua mãe. Você não precisa fazer nada. Só parar de chorar, né? Olha, você pode vir aqui mais vezes se quiser. A padaria tá sempre aberta.

- Eu não te atrapalho?

- Não. Na verdade é legal quando você vem. Meu trabalho é sempre chato de abrir o caixa, fechar o caixa. As vezes é bom poder conversar, andar por aí, fazer outras coisas...

- Ah... - mais uma lágrima rebelde caiu do olho dela. Tudo o que queria era poder estar deitada na cama apertando o travesseiro até os braços ficarem dormentes.

Ele colocou um dos braços ao redor da cintura dela, par tentar abraçá-la. Ou pelo menos ele achou que seria melhor coisa a fazer. Não sabia o que fazer quando uma menina chorava na sua frente. Ainda mais uma menina como a Lucy, que ele nunca ia querer ver chorando.

Ela gritou quando esticou o braço e ainda viu o corte ali, pulsante. Cadu foi buscar um kit de primeiros socorros, também na cozinha enquanto ela mordia os lábios para ver se a dor passava. Mas mais do que uma dor física, havia também a dor do coração, que nunca tinha sentido antes. E pelo jeito não havia cura pra esse tipo de dor.

Bec
Enviado por Bec em 24/08/2013
Código do texto: T4449824
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