Inapaixonável - Capítulo 2

2.

Bailarina? Eu?

Não bastava odiar a escola, Lucy, uma garota extremamente tímida e trancada em si, tinha que aturar a peça de teatro final. Sim, apesar de as provas terem acabado e tecnicamente as aulas também, ela fora forçada a interpretar um papel em uma peça para a nota final de artes cênicas, e justamente por na última semana de aula os alunos estarem mais livres em relação aos estudos, era a época perfeita para a apresentação.

Época perfeita para todos menos para ela. E adivinhem qual peça? Romeu e Julieta. Clássico dos clássicos do teatro.

Lucy até se contentava com o papel, a criada de Julieta, a qual a ajuda mandando suas cartas e avisos a Romeu, mas só porque aquilo tudo era necessário. "Obrigatório" seria a melhor palavra.

Só que infelizmente, a menina que iria fazer a Julieta quebrou a perna. Várias meninas ficaram no pé do ouvido do professor querendo o papel. Menos Lucy, que estava sentada afastada de todo mundo em uma daquelas cadeiras vermelhas macias do auditório. Quando o professor mandou um olhar para ela, a menina pensou: 'Não, Não, Não! Pelo o amor de Deus, eu não!'.

Não teve outro jeito. Ou fazia a graciosa Julieta ou adeus nota de artes cênicas. Como é que alguém que não acredita no amor pode interpretar alguma personagem romântica?

Os ensaios ficavam cada vez piores. O Romeu era um garoto que tudo o que tinha era beleza, de acordo com as meninas da sala, porque na verdade Lucy não via nada demais nele. Sinceramente. E o pior é que os dois ficavam brigando um com o outro sobre errar as falas ou exagerar demais em alguma cena e os alunos que estavam fora de cena não conseguiam parar de rir.

O professor ficou calado por um tempo, porém tentando conter o riso. Muitos alunos às vezes davam uma leve olhada para ele querendo saber o que ele iria fazer. Acontece que aquela "peça" estava sendo divertida de se assistir. E inconscientemente, os protagonistas estavam atuando, mesmo que de forma "improvisada".

No final do ensaio, o professor resolveu contar que o roteiro da peça não seria totalmente seguido ao pé da letra. Romeu e Julieta seriam improvisados. Afinal, por que não, em vez de tragédia, uma comédia (não muito) romântica? Todos gostam de idéias novas, ainda mais sendo uma readaptação de um clássico!

A 'Julieta' escolhida acordou, em um dos últimos dias de ensaio, tarde e quase chegou atrasada. Quase, porque o 'Romeu' chegou ainda depois. Ela odiava fazer aquilo. Era ridículo. Escutou o menino perto do corredor de banheiros dizer rindo que Lucy atuava mal e que se não valesse nota ele nunca chegaria perto dela de tão anti-social e feia que ela é.

Acontece que a garota não gosta de pessoas como sendo um apoio, nem mesmo para conversar sobre o dia a dia. Ninguém a entenderia e se abrisse a boca já sabia que ririam. O jeito era ignorar, mas no fundo era só uma máscara, uma tática que havia aprendido para não se magoar, o melhor era deixar seu pobre coração livre de dores.

O pior seriam as cenas de beijo. Ela nunca havia beijado ninguém por puro desisterece, e era a primeira vez que ficava nervosa em relação a isso. Em todos os ensaios eles nem precisavam fazer essa cena especifica, mas durante a peça... Bom, a primeira coisa que veio a sua cabeça foi negar tudo, tentando humorizar, como se Julieta gostasse muito de Romeu, mas não quisesse parecer desesperada. Uma das ideias que teve era fazer da história de séculos atrás, uma coisa um pouco mais atual.

Claro que, na apresentação, interpretou a nova personagem que criara na cabeça e o público adorou. Quando o último segundo se passou e as cortinas vermelhas se fecharam, Lucy finalmente conseguiu respirar normalmente. Nada de beijos, somente abraços, aos quais se esforçou para dar no menino insuportável e com um olhar orgulhoso do professor escondido atrás do palco.

A platéia aplaudiu. Não por causa da peça em si, mas pelas idéias de fazer dos personagens um pouco mais próximos do século XXI. Acontece que eles aplaudiam o trabalho de Lucy e não da turma inteira, mas isso pouco importava para ela. Estava finalmente livre!

A única coisa que a deixou triste foi o fato de na semana sua mãe ter chegado em casa tarde, descabelada e totalmente bêbada, aquela altura Lucy sentia vergonha da própria mãe pensou que era melhor mesmo na não ter ido vê-la, pois poderia ter sido um desastre.

- Luuuuuuuuuuciane! - ela odiava quando a chamavam pelo nome. Já disse milhões de vezes, mesmo que com a voz bem baixa, que era apenas Lucy. E pra piorar as garotas da escola dela pareciam não saber pronunciar as palavras direito. Para que tanto "u"? Isso porque a voz de uma delas estavam tão alta e irritante que por instante pensou que a platéia do outro lado poderia ter escutado.

- Sim? - virou-se para trás apesar de já saber quem falava com ela.

Era Carol, a menina que quebrou a perna a qual seria a "antiga" Julieta. Era loura com o cabelo bem liso que chegava até a cintura bem brilhante e imensos olhos azuis. Tudo o que não era perfeito nela era justamente o gesso já cheio de recadinhos.

Por um momento a popular não falou nada. Depois de alguns minutos parada olhando da cadeira de rodas, seu cérebro voltara a funcionar. Olhava de um jeito estranho para Lucy. Estava chocada, pelo o que parecia. Por acaso a apresentação tinha sido tão tuim assim? Será que mais uma vez ela diria que era a melhor e que se não tivesse quebrado a perna, teria salvo toda a peça?

- Adorei que você fez a Julieta. Por que nunca me disse que sabia atuar? Eu que quase não rio, ri tanto que quase fiz um lago! - era uma expressão estranha, já que rir não solta lágrimas, como chorar. Sem comentar nada deu de ombros e continuou ouvindo pela primeira vez alguém a elogiar - E a propósito, não sabia que era bailarina também! Amei o espetáculo de ontem, quando vi você no palco nem acreditei!

Muitas pessoas vieram falar com Lucy, que ela mal conseguiu responder a Carol. Esquisito. Ninguém dava atenção para ela e de repente estava seguida por várias pessoas que queria realmente falar com ela.

Em um momento de descanso, depois de sorrir e agradecer todos os elogios, ela parou para pensar. Pelo jeito tinha feito um ótimo trabalho como atriz... Mas bailarina? Não foi só a menina loura que havia comentado sobre aquilo. Inclusive pais de alunos dizendo que até tinham conversado com ela na noite anterior e se espantavam pela menina não lembrar desse acontecimento. O que será que estava acontecendo?

No mínimo deveriam ter-la confundido com uma das bailarinas, mas seria quase impossível, já que eles tinham falado com a tal garota. As pessoas podem ser bem parecidas, como é o caso dos sócias de famosos, mas não a ponto de se confundirem desse jeito. Não havia explicação. O jeito era tirar isso a limpo.

Pegando a bicicleta do pequeno bicicletário da escola, Lucy olhou para o convite que uma das mães possuíam ao qual fora entregue para que ela pudesse "rever" o lugar onde supostamente teria feito uma apresentação de ballet.

Quando chegou no local estava vazio. Pelo o que tinha entendido, ali era tanto teatro para se apresentar quanto para se ter aulas. Provavelmente essas aulas eram dadas na parte de trás, quem sabe em salas escondidas.

- Olá? - ela disse em voz alta abrindo com cuidado a porta pesada gigante e marrom. O eco foi o único a responder abertamente. - Tem alguém aí?

O silêncio preencheu o ar. A porta havia se fechado atrás de si por causa do vento. Isso porque era tão pesada que não havia aguentado e resolveu entrar de uma vez. As cadeiras estavam vazias e as luzes parcialmente apagadas. As que estavam acesas ficavam mais ao fundo, perto, no caso, do palco. Só que lá também não tinha ninguém.

A garota deu de ombros e girou os calcanhares para abrir a porta e sair. Foi quando de repente ouviu um barulho ao seu lado e a luz mais próxima se acender. Levou um susto que quase gritou.

- Oi, você veio... - havia uma menina parada atrás de Lucy. Aquela voz... Estranhamente era familiar. Quando se virou levou um susto ainda maior. E dessa vez gritou. A outra também.

A situação era tão complexa que o silêncio não se calava. As duas se olhavam com os olhos espantados. Parecendo até uma cena de filme, as duas levantaram a palma da mão e tocaram juntas no espaço vazio que tinha entre elas.

Lucy não sabia o que fazer. Agora entendia sobre o que as pessoas estavam falando. Ela estava ali sentindo o estômago revirar. Nunca ficara tão nervosa antes, nem mesmo na peça. Era como estar de frente para um espelho, só que a imagem a sua frente não era um reflexo.

Bec
Enviado por Bec em 31/07/2013
Reeditado em 24/08/2013
Código do texto: T4413506
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2013. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.