UMA NOVA BRANCA DE NEVE

A ESTÓRIA DE BRANCA DE NEVE CONTADA PELO ESPELHO MÁGICO

Encontrei em uma de minhas costumeiras idas a um brechó, um espelho de mão bastante interessante e aparentemente muito velho. Comprei-o em um impulso, levado pelo estilo rococó do espelho. Uma peça muito bonita, mas um tanto sujo e encardido. Uma boa compra! Quando cheguei em casa e comecei a limpa-lo, qual não foi minha surpresa: aquele espelho começou a falar! “Bom dia meu amo!” Imaginem o susto! Larguei o espelho no chão e desabalei a correr para sair de casa. Sorte minha que aquela peça magnífica não se quebrou. Quando me refiz do susto e já não achando ser obra de bruxaria, retornei e transcrevi palavra por palavra o que ele falou. Sempre achei uma estória muito esquisita, mas vamos lá:

“Bom dia meu bom homem! Quero, agora que tenho a chance, desfazer um grande equívoco e reparar uma grande injustiça.

Claro que você conhece a estória de Branca de Neve e de como sua malvada madrasta a tratava mal e coisa e tal... Pois bem. Meu nome é Micantis Lux , que quer dizer “Luz que brilha”, mais conhecido como Espelho Mágico ou Espelho Meu. Nesta estória fui retratado como o cúmplice da vilã, o que demonstrarei que não corresponde à verdade. O que vou relatar agora, com certeza, vai mudar os fatos e colocar um ponto final nesta injúria.

Em um tempo longínquo, um cidadão de 50 anos de nome Stanislaw, detentor de algumas posses (não era nenhum barão ou coisa que o valha), havendo ficado viúvo entendeu de procurar nova esposa. Não era a mais jovem, beirava os 30 anos, mas era com certeza a mulher mais bonita que este cidadão poderia conhecer. Uma mulher bonita, bondosa e inteligente que se chamava Brigitte. Foi por os olhos nela e Stanislaw apaixonou-se, não era para menos, tamanha a beleza de Brigitte e seus inúmeros encantos. Se minha senhora bem soubesse jamais teria dito o “sim”. Neste momento começava seu martírio!

Stanislaw era um homem bom e trabalhador, mas não estava só. Tinha uma filha de 9 anos (daquelas meninas mimada e cheias de vontades e birra, do tipo que todo mundo conhece alguma). Quando o pai, todo contente, apresentou Brigitte como sua esposa e a pessoa que iria cuidar dela a partir daquele momento, a menina (que se chamava Mônica) emburrou, fechou a cara, fez beicinho e correu para seu quarto, iniciando uma greve de fome (muito embora comesse escondido). Fechou-se em seu quarto, de birra, para conseguir que o pai brigasse com Brigitte. Como Stanislaw sabia da “pecinha ” que tinha em casa e fizesse pouco caso do fato, Mônica radicalizou e não comeu mais nada a partir da segunda semana, deixando Brigitte muito aflita. Como estava anêmica e magricela, os criados da casa puseram-lhe o apelido de “Branca de Neve”.

Quer saber como eu sei de tudo isto? Lembre-se: eu sou o espelho de Brigitte. Estive em sua cabeceira desde sempre e era de “cortar o coração” (se eu tivesse um, claro!) quando em seus momentos de solidão Brigitte me perguntava: “Espelho, espelho meu, existe alguém mais só do que eu?” e eu lhe respondia: “Calma, princesa você ainda vai achar alguém só seu!”. Quando Stanislaw surgiu em sua vida a pergunta passou a ser: “Espelho, espelho meu, existe alguém mais feliz que eu?” eu respondia a contragosto: “Princesa, não existe lar mais feliz que o seu.” Isto durou poucos anos...

Bronca mesmo começou quanto Mônica já com anemia crônica e magricela (acho que hoje se chama anorexia) e com 13 anos começou a tomar corpo de mulher e a invejar a beleza de Brigitte. Certa feita a ouviu perguntar-me: “Espelho, espelho meu, quando a Mônica será mais bela que eu?” uma pergunta típica de alguém que já se sentia mãe daquela “pestinha”. O caldo entornou de vez: Mônica no auge do despeito decidiu fugir de casa, exatamente quando Stanislaw estava viajando a negócios (nada me tira da cabeça, claro se eu tivesse cabeça, que ela agiu de caso pensado). Brigitte ficou desesperada, não sabia o que fazer. Aquela “pestinha” era terrível, mas isto tinha sido o cúmulo! Como moravam próximo a uma mata fechada e ninguém vira nem o rastro de Mônica nos arredores... Dedução lógica: ela tinha entrado na mata. Uma mata pouco explorada, de certa forma perigosa. Brigitte não pensou duas vezes e contratou um caçador das redondezas para encontrar a fujona.

Após quase uma semana de caçada, o caçador, finalmente, encontrou Mônica, mas para seu espanto esta se recusou a voltar. Quando o caçador insistiu em levá-la de volta para casa viu-se cercado de sete homenzinhos enfurecidos e armados de picaretas, enxadas e coisa e tal. Eram anões e o caçador poderia dominá-los facilmente, mas teria que machuca-los (eu no lugar dele tinha “botado pra quebrar”) então pensando melhor deixou para lá. Só que havia um prolblema: havia sido contratado para encontrar uma menina e leva-la para casa e como ficou com pena daquela mãe que sofria por uma menina tão ingrata teve a ideia (de jegue é bem verdade): decidiu levar um pedaço da roupa de Mônica e informar que ela havia sido devorada pelos animais da floresta. Ora uma menina malcriada e ingrata, sua mãe não merecia ficar sofrendo... Era melhor esquece-la (uma péssima ideia, mas ele era um caçador, não um professor!).

Vejam bem: uma menina de 13 anos morando com sete homens, que mesmo sendo anões, eram homens feitos. Uma tremenda irresponsabilidade. Hoje isso seria caso de polícia!

Ainda não sei como surgiu a ideia de que Brigitte contratara o caçador para matar Mônica, quem poderia pensar uma coisa dessas?...

Brigitte desconsolada, com lágrimas nos olhos, procurou-me com esta pergunta: “Espelho, espelho meu, existe alguém mais infeliz que eu?” e eu lhe respondi com a única resposta possível: “Não chore princesa que Mônica não morreu!” O sorriso voltou à minha senhora. “Espelho, espelho meu, como posso achar quem se perdeu?” (a parte mais chata de ser espelho é ter que responder às perguntas rimando, mas esta era minha sina...) respondi: “Em uma casa com os portões escangalhados. No meio da mata, junto a uma mina, moram homenzinhos mal encarados. Lá se esconde esta menina.”

Brigitte não cabia em si de contentamento, afinal Stanislaw ainda não voltara e ele não precisaria saber do ocorrido. Disfarçou-se de velha (sabia que não seria recebida por sua enteada) e foi em busca de Mônica. Levava em uma cesta uma maçã com sonífero, esperaria que Mônica dormisse e a levaria de volta para casa... Deu tudo errado. Quando Mônica caiu em sono profundo, seus “protetores” apareceram e se Brigitte não fugisse, por certo teria sido trucidada.

A partir daí contaram o que quiseram, inventaram até a estória de um príncipe que beijou Branca de Neve e coisa e tal... E Brigitte uma mulher linda, inteligente, bondosa e trabalhadora passou a ser conhecida como uma bruxa feia e despeitada. Nunca mais vi um sorriso no rosto de Brigitte até o dia em que deixou este mundo ingrato. Minha bela senhora morreu de desgosto e eu fui esquecido em meio ao pó de um porão, com a minha história.

Quer saber a vida de uma madrasta? Tenha uma garota anoréxica e anêmica cheia de vontades como enteada!!

Micantis Lux (Luz que brilha) – O espelho mágico”