Decifra-me ou devoro-te.

Hoje é domingo. Andei durante a noite. Vi muitas coisas. Nesse caminho que todos devem fazê-lo sozinho. Na verdade quando se está só, se está bem acompanhado. Os modismos atuais dizem ao contrário, tudo é social, individualidade no sentido romano já não é bem visto. Penso o que já me disseram diversas vezes em vida: sozinhos viemos e sozinhos nós iremos. O verde do limbo é bonito e aclara minhas dúvidas.

O ser humano é composto de histórias, a bem da verdade ele é uma história que se reconta sempre e se busca incansavelmente. Quando conversamos com outro indivíduo buscamos histórias, seja a que contamos, seja a que ouvimos. Evidentemente devemos selecionar as histórias de qualidade das que não são. Corre-se o risco de apodrecimento do corpo e da alma. Felizmente a minha está segura.

Há uma lenda que ilustra isso.

Em um reinado em um tempo indeterminado, havia um rei e uma rainha. A rainha estava prestes a desfalecer. O rei sem saber como e o porquê disso. Empenhava-se em buscar uma cura. Certa vez encontrou um camponês e uma camponesa. Os dois muito bem alimentados em relação às pessoas que viviam no palácio e principalmente em relação à sua amada rainha. Aproximou-se do camponês e perguntou-lhe:

- Camponês o que fazes para manter-se e sua esposa saudável?

- Meu rei, nada de mais, alimentamo-nos do que é bom. Carne de Língua. As histórias que contamos nos deixam alimentados e saudáveis. Alimentam a alma. O corpo é resultado disso.

Daí reafirmar o que disse anteriormente, somos histórias. A simbologia dessa narrativa é exatamente isso. Somos o que contamos. A alimentação do corpo é extensão da alimentação da alma.

Por falar nisso, encanta-me as histórias de Hércules, não é só pelas tragédias que passou, mas outra personagem que, do ponto de vista das pessoas em geral, é uma personagem sem expressão, ou mesmo do “mal” como minha bisneta costuma dizer. Agnes se você soubesse! Creio que inconscientemente deve saber.

A Hidra! Personagem mítica que Hércules vence. Impressiona-me não a luta que é travada, mas a capacidade que a serpente tem de se renovar a cada golpe e multiplicar-se. Parece-me algo impressionante além da resistência. Cada vez que é derrubada levanta-se e multiplica-se. Linda metáfora humana. Hércules cumpre todas as suas tarefas. Nós também. Como doze são os trabalhos, doze são os meses, doze é a idade de Agnes...

Deveria ter feito mais. Não contei todas as histórias que deveria. Faço-as agora. As angústias humanas estão de uma maneira ou de outra representadas nas histórias. Somos histórias. Inveja, ódio, amor e tantos sentimentos são vivenciados. Todos estão lá! Uma sociedade que se esquece das histórias, morre. Não é difícil perceber quem ganha com isso. Os consultórios estão cheios. As pessoas deixaram de olharem para si. Não contam histórias. Não se compreendem e não percebem que está tudo lá. Basta decifrá-lo. “Decifra-me ou devoro-te”.