Uma licão de valentia (Parte 2)
– Olha Pedrinho, amanhã convida os teus amigos para o lanche, que eu quero ter uma conversa com todos.
- Ora já estão todos. Passem ali para a sala e lanchem que eu daqui a pouco vou ter convosco. – Disse o Avô do Pedrinho.
Parecia a mesa de um casamento: sandes de queijo e fiambre, rolinhos de carne, rissóis, bolinhos secos, sumos e fruta, até amêndoas havia. Após o lanche, apareceu o senhor Coronel que, colocando-se ao lado do Ricardo, começou assim:
- Meus meninos: Pedi para que estivessem presentes, vocês todos, para comemorarmos o salvamento do vosso amigo Carlos e homenagear o nosso herói, o Ricardo. Mas antes, quero contar-vos uma pequena história. Talvez não acreditem, mas eu já tive a vossa idade e de idêntica forma fiz as minhas tropelias e tal como vocês também tive um amigo que não gostava de zaragatas nem aventuras que pudessem pôr a vida em risco. Então de armas! Isso é que nem pensar. E isso, naquele tempo, era visto como falta de coragem.
Fomos ambos para a tropa, eu como oficial de Infantaria e o meu amigo como enfermeiro. Quando rebentou a Primeira Grande Guerra, fomos ambos incorporados no mesmo Batalhão e na mesma Companhia.
Numa investida que fizemos ao terreno do inimigo, fomos surpreendidos pelos Alemães, que com fogo cerrado dizimaram as nossas tropas. Eu, com o impacto de um projéctil, caí numa cratera feita por obus de canhão. Os nossos, os que ainda estavam vivos, não se atreviam a levantar a cabeça para ripostar pois sempre que alguém se mexia, ouvia-se logo o matraquear das metralhadoras. Os que não estavam mortos estavam feridos. Eu a esvair-me em sangue, pensava que dali já não saía. Quando vejo a rastejar por entre os cadáveres, no meio daquele inferno, o meu amigo enfermeiro que, indiferente às balas, arrastava-se no socorro aos feridos.
- Então meu Alferes, como é que está?
- Pedro, meu querido amigo, acho que já não voltamos a ver a nossa terra. Daqui já não saímos com vida.
- Calma!.. Meu Alferes, calma! Vou-lhe colocar um torniquete na perna e outro no braço para estancar o sangue… acha que consegue municiar aquela metralhadora?
- Sim Pedro!.. Mas tu nunca pegaste em armas!
E sem mais, o enfermeiro que odiava armas, agarrou-se à metralhadora dos camaradas mortos e começa a varrer os ninhos de metralhadoras Alemãs, obrigando-os a baixar a cabeça, enquanto gritava.
- Provem lá meus lindos!.. Provem destas ameixas que são ameixas Portuguesas.
Das nossas trincheiras, ao verem o resultado do fogo do meu amigo, correm em nossa direcção disparando sobre o inimigo, possibilitando a retirada de todos os feridos.
E é assim rapazes que se hoje estou aqui diante de vós, o devo à valentia do meu amigo Pedro, o avô aqui do nosso herói, o Ricardo.
O silêncio pairou na sala, quando o avô do Pedrinho acabou de falar. Pedrinho avançou dando um abraço ao Ricardo e todos os rapazes o seguiram, o último, foi o Carlos que depois de o ter abraçado comovidamente lhe diz:
- Toma, é para ti, meu amigo.
Era aquela beleza castanha feita de buxo, com a brocha amarela luzidia na cabeça: o pião do Carlos.