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Capítulo 8 – Depois da tempestade vem a calmaria

Demétri Scholz

- Cara, sério. Foi foda demais!!!

- Precisa agradecer não. – Eu e Lucas trocamos um cumprimento. Ele estava me contando como fora a noite após eu lhe dar preciosas dicas sobre as gurias. Era uma terça-feira fria no Sul, e não há nada mais terrível que trabalhar em dias assim. – Tu sabe que quando precisar, pode contar comigo.

- To ligado. Cheguei em casa e contei pro Lennon e tal...

Entreguei seu pedido: um enorme lanche de churrasco e coca grande. É a cópia do irmão, meu Deus.

- E ele?

Como o horário estava tranquilo, eu podia dar atenção ao caçula Dias e ajudar na lanchonete. Com o dinheiro que ganhei no concurso conseguirei fazer uma boa reforma e até abrir outras lanchonetes. Emerson quer entrar em sociedade, vou ver no que isso dará.

- Bah... – Ele comia muito rápido. – Na frente da Isabel me deu mó bronca e etc, mas bastou ela dar as costas e levei parabéns e etc. “Esse é o meu irmão!”.

- Eu sabia que ele ia dizer isso!! – Falei, rindo alto. – Seu irmão só foi enlaçado, mas ainda é o mesmo de sempre.

- É. Ele e a Isabel tão muito parecidos. Esses dias eles brigaram né, Isabel estava com a macaca, saiu xingando-o de tudo que é nome, depois que se acalmou fez o mesmo que ele quando tá assim.

- Pediu desculpas?

- Aham. O problema é que, além disso, eles se resolvem de uma maneira muito barulhenta e desagradável. – Lucas não precisou ser muito claro pra eu compreender sua indireta. – É isso aí mesmo que tu pensou. – E fez cara de nojo. – Tipo. É como tu ouvir seus pais fazendo, só que mais nojento.

- Ah é? E por quê?

- Porque não são meus pais. É meu irmão e a namorada.

- Tu não existe piá. - Comentei, rindo.

(...)

E na parte da tarde onde eu já me encontrava num intenso ritmo de trabalho e cansaço físico (e também numa paranoia de olhar de 5 em 5 minutos pro celular), eis que uma visita muda meu dia.

- Aline?

A guria entrou na lanchonete com um sorriso de orelha a orelha. Eu saí de trás do balcão e nos abraçamos.

- Bah, eu sabia que te encontraria aqui! – Ela disse com sua calma que sempre me gerou paz e infinita. – Quanto tempo.

- É verdade, muito tempo. Como tu estás?

- Melhor agora. – E sorriu.

Aline foi uma das gurias que eu fiquei um pouco antes de conhecer Bruna. As duas nunca se gostaram (é praticamente impossível um rolo meu gostar de minha namorada) e já até brigaram na escola por minha conta. Ela não aceitou de eu ter ficado com Bruna e também não aceitou apenas a nossa amizade. O que gerou o nosso afastamento.

Das gurias que já fiquei com certeza Aline foi uma das mais bonitas. Loira, de altura mediana e olhos azuis intensos e um sorriso pacifico. Inabalável, inteligente, querida.

Engraçado que mesmo depois de tanto tempo, de tanta coisa ter acontecido, a nossa conversa fluiu em um modo incrível. Contamos sobre nossas vidas pós-escola. Ela, das viagens pela França, Itália e Estados Unidos. Falamos sobre nossos antigos sonhos e os atuais, também de nossos relacionamentos. E foi ai que a tensão pairou.

- Não acredito! – Exclamou, enojada e surpresa. – Sério como eu não acredito que você ainda está com ela.

- Bah... Nós voltamos faz pouco tempo. Terminamos na época do ensino médio, mas de certa forma sempre mantemos contato.

- E tu sempre vivendo atrás da luz de Bruna Merten... – Não foi uma pergunta e sim uma afirmação. O que me incomodou, pois ela não sabia como as coisas tinham mudado. – Você é tão incrível, Demétri. Talvez o homem mais incrível que eu já tenha tido o prazer de conhecer... Mereces algo melhor que ela.

- Eu a amo. – Dei de ombros.

- Amor não é o bastante. Nunca é.

Sorri sem jeito. Eu não queria discutir meus sentimentos. Não agora. Eu estava feliz por vê-la.

- Eu sei que não é... Bruna está mudada. Quer dizer... Passou-se um bom tempo desde aquilo tudo. Nós mudamos.

- Eu nem cheguei a vê-la, e nem quero, mas aposto que ela não mudou tanto assim.

- Aline... – Murmurei, desconfortável.

Sentada no banquinho de aço próximo do balcão, Aline me puxou pela mão e me deu um beijo na testa. Quando nos envolvemos anos atrás ela fazia a mesma coisa, e por mais estranho que fosse, eu gostava daquilo.

- Te cuida, guri. – Ela me olhou e um brilho tomou seu olhar. – Te cuida bem.

- Vou me cuidar. Prometo. Tu vai morar por aqui?

- Estou na casa da minha mãe... Ela reclama que não apareço, daí decidi passar uns tempos em Porto. Eu apareço por aqui.

- Vou te esperar.

- Me espere.

(...)

E a noite que eu tive certeza que o fluxo da lanchonete seria tranquilo, um jogo clássico do Sul embala a noite, o que faz com que muitos alunos e universitários lotem o lugar. Eu acho ótimo.

Eu prometi que não ia torcer descaradamente pelo Grêmio, mas não consegui. Emerson e eu nos escondemos na cozinha e fomos à loucura com um dos melhores jogos que já assisti na minha vida.

E melhor do que assistir um clássico que seu time vence, é poder zoar com seu amigo que é do time rival.

- Bah, cala a tua boca! Esse juiz é torcedor do grêmio!

- Não sabe perder mesmo, hein? – Voltamos para o balcão, a lanchonete ainda estava fervilhando de uma galera de azul comemorando e zoando os vestidos de vermelho. – Aline está ali.

- Aline? Que Aline? – Perguntou Emerson, seguindo meu olhar. – Uh... Essas roupas e esse cabelo... Impossível de esquecer. Ela não estava vivendo pelo mundo?

- Aham, mas voltou... Aline!! – Acenei para ela, que me olhou. – Vou lá, já volto.

- Tá bom. E cuidado, hein? – Eu o fitei sem entender o significado de suas palavras. – O passado é sempre um problema, mas eu acho que tu já sabes disso.

Franzi o cenho enquanto andava me desviando dos clientes.

- Isso me lembra do tempo em que éramos adolescentes e nós que lotávamos isso aqui... – Aline comentou, sorridente. Eu assenti. – Tudo bem?

- Ah, depois do jogo está tudo incrível. E tu?

- Bah, estou bem e você? – E novamente ela segurou as minhas mãos. Mesmo o tempo estando levemente frio, as suas mãos estava quentes. Os dedos dela se entrelaçaram aos meus e acabamos nos abraçando. Eu estava de costas para a porta, e por isso não notei o momento em que a lanchonete silenciou e Aline se aproximou um pouco mais - Me perdoa, mas é olho por olho e dente por dente. E eu nunca me perdoei pelo o que ela fez conosco.

E ficando na ponta dos pés, ela me deu um beijo quente. Eu tentei empurra-la, mas algo nela estava mesmo disposto a me beijar. As mãos dela foram para meu pescoço, e mesmo que eu não quisesse corresponder, eu não conseguia me soltar.

Com um pouco de força, (e também quando já parecia estar durando muito aquele beijo) eu a empurrei. Não estava com ódio até notar uma presença na entrada da lanchonete. E com muita classe e certa elegância, ela veio até nós.

- Eu sabia que mais dia ou menos dia isso aconteceria. – Disse como quem já esperava pelo pior em nosso relacionamento.

- Bruna... – Eu murmurei, sem saber como começar a me explicar.

- Te cala! – Gritou, me respondendo com um imenso tapa no rosto. – Eu te conheço de algum lugar... Esse cabelo loiro reluzente... Essa cara de paz e amor. – E fitou Aline. Ela estava com um ódio contido. Eu conhecia esse ódio contido. Ele era usado contra mim quase sempre.

- Eu sou a Aline. Te lembra de mim, Bruna?

Bruna riu com ironia.

- A gente não esquece de certas coisas, né? – Ela me fitou novamente. E com nojo, muito nojo. – Não aparece na minha frente. Por favor.

Tamiris Vitória
Enviado por Tamiris Vitória em 06/04/2013
Reeditado em 01/04/2015
Código do texto: T4227486
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