Café
- Ei, táxi, táxi, tá...
Valentina estava há dez minutos no mesmo lugar, com a esperança de encontrar um táxi, que a levasse ao seu destino. Era natal e os taxistas corriam o máximo, - que a cautela em relação às ruas escorregadias permitia- para encontrarem suas famílias.
- Droga.
O jeito era encarar nada mais, nada menos que os dois quilômetros que a separava do seu ponto preferido na cidade, o Café Preto, - O melhor café da cidade, ou o seu dinheiro de volta- além de possuir a maior diversidade de café em Paris, disponibilizava um acervo de livros para seus clientes. Café e livros, combinação que atraia algumas dezenas de pessoas.
As ruas estavam quase desertas. Iria se atrasar. Ajeitou o seu casaco cinza e começou a caminhada. Ela frequentava o Café Preto duas vezes por semana – às vezes três- sempre no mesmo horário.
No caminho, enquanto andava, imaginou um mundo menos burocrático, onde tudo atendesse à suas necessidades, pensou bem, achou que não seria muito divertido. Continuou o seu caminho. E mais ou menos meia hora depois, já se podia ver a fachada do café. Estava realmente muito frio, e acelerou o passo para chegar logo e se aquecer, não deu outra, escorregou e se espatifou no chão.
- Merda, merda, merda. Hoje não é o meu dia.
Ao abrir a porta, um pequeno sino, no alto do batente, anunciou sua chegada. Rostos viraram em sua direção. “Alguém precisa tirar isso daqui.” – Pensou.
Sentou-se no mesmo lugar que costumava se sentar e pediu o de sempre. Valentina era uma mulher que não apreciava muitas mudanças. Correu os olhos pelas estantes com livros, um havia chamado sua atenção, o apanhou.
- Romance?
Revirou os olhos, mas não o devolveu. Alguns minutos depois e algumas paginas lidas; - Mais um desses, -ergueu a caneca- por favor. Fazendo mais um pedido à garçonete.
Sua concentração era surpreendente, para um livro que outrora desdenhara. Estava há horas naquele mundo, mergulhada em um romance típico, porém bem escrito. E mais uma vez a atenção de todos, foi atraída pelo pequeno sino no batente da porta.
Gabriel entrou com a cabeça baixa, revisava algumas notas em suas mãos, Valentina percebeu que ele caminhava em sua direção. Ao se aproximar mais de Valentina, ergueu a cabeça e quando a viu, pareceu muito confuso. A encarou por alguns segundos, olhou para os lados e sentou-se próximo a ela.
Valentina o observava de tempos em tempos, com os cantos dos olhos, e de tempos em tempos – não o mesmo tempo que o de Valentina- Gabriel a observava também, mas diretamente, sem disfarces, com um ar de nervosismo e indignação.
Gabriel soava, uma de suas pernas balançava em um ritmo cada vez mais acelerado, passou a mão pelo cabelo e novamente a encarou.
- Ei, você está bem? - Perguntou Valentina.
Ele se levantou bruscamente, pegou suas coisas e sentou-se à sua mesa.
Valentina o observava com espanto. Enquanto ele naturalmente revisava as mesmas notas de antes, porém, agora naturalmente, sem um aparente ataque epilético.
- Meu nome é Valentina.
(Silêncio)
Ele olhou pra ela sem entender, e se deu conta do que tinha feito.
- Minha nossa, me desculpe. Meu nome é Gabriel. Gabriel Vieira.
“Gabriel? Gabriel Vieira? Familiar.”- Pensou Valentina.
Apertaram-se as mãos, mas logo Gabriel desviou os olhos para as suas notas. Valentina cerrou os olhos, voltou à sua leitura e balançou a cabeça. “Louco” – Concluiu mentalmente.
Passaram alguns minutos dessa forma, hora ou outra Valentina o espionava, com olhares embuçados sobre o livro.
Gabriel ergueu sua caneca para a garçonete e fez um gesto com a cabeça, enquanto Valentina o observava, ele voltou os olhos para as notas e depois para Valentina, já ela mais que depressa voltou a ler, ele olhou para o titulo do livro que Valentina lia e esboçou um sorriso.
- Romântica, então? - Acenou com a cabeça para o livro.
- Ah, não, bem o livro chamou minha atenção, então o peguei e comecei a ler. Mas romance não é geralmente a minha escolha.
- Então, você não gosta?
- Não, bem, é que eu sou muito realista em relação a isso. Não sou daquelas que espera um príncipe encantado. Mas se eu tivesse a certeza, que o amor da minha vida, estivesse por ai, entre as sete bilhões de pessoas existente no mundo, eu juro, juro com toda a minha verdade que bateria de porta em porta, até encontrá-lo.
- Isso se ele não te encontrar primeiro.
Valentina se surpreendeu com a citação que acabara de ouvir. Pois era a continuação da mesma que acabará de citar.
- Você está citando o livro Srta. Valentina?
- Ah, droga, já o leu?
- Fui eu quem o escreveu.
Ela olhou para a capa do livro, mas é claro, Gabriel Vieira, por isso que o nome soou familiar. Deixou escapar o mais vergonhoso dos seus sorrisos.
- Então... Você é um escritor? “Que pergunta obvia.” – Sua mente a puniu pela pergunta.
- Sim.
- Daqueles que amam as palavras e coisa e tal?
- Veja, se eu pudesse, organizaria gestos em uma vida ao invés de palavras em uma folha em branco. Palavras são lindas, não me entenda mal, mas também podem machucar. Muitos dizem que dariam todo o seu amor, um fato lindo se concreto, mas e se for apenas... Apenas palavras vazias? Isso pode matar.
(silêncio)
- Então, você gostou do livro?
- Ah, sim, muito bem escrito, parabéns.
- Obrigado, obrigado. E qual foi sua parte favorita?
- Ah, deixe-me ver... Deixe-me ver...
Ela folheava o livro, a procura de sua citação favorita.
- Ah, aqui, achei. Você sabe que não precisa me prometer uma casa com cachorro, dois filhos e um quarto enorme e branco. Você sabe que existe a probabilidade de que nossas promessas e planos feitos em guardanapo, não cheguem a sair do papel. Mas você gosta de fazê-los. E eu gosto quando você diz "nós". Me inclui naquele projeto de viagem e deseja que as horas comigo se arrastem, pra que os dias pareçam mais longos. Gosto do jeito que você pronuncia meu nome com o sotaque que eu amo, e ri do meu "porrr favorr". Gosto até do barulho irritante do bip, quando meu celular, anuncia uma nova mensagem, dizendo "escutei a música que você indicou o dia todo. Lembrei-me de você o dia todo.” E apesar de não sabermos do amanhã, sei que posso contar contigo amanhã, e você sabe que também pode contar comigo. Sei que posso chorar no teu colo e dizer coisas que não devia, porque você não vai fugir como não fugiu da primeira vez. Ficou e secou o meu choro. E me deu a mão. O mais importante me deu a certeza de que viver a dois é ver o mundo de três modos: o meu, o seu, e o nosso.
Os olhos de Gabriel brilharam, enquanto ouvia Valentina ler, a sua também, citação favorita.
- Realmente essa parte é muito boa.
- Como, como que é escrever um livro? Como você se sente?
- Bem, é muito engraçado, veja. Enquanto eu o escrevia, ele parecia uma extensão do meu corpo, era meu apenas. Agora, o vendo em suas mãos parece mais seu que meu.
- Você estava bem? Digo você parecia um pouco... Estranho na outra mesa.
- Ah me desculpe, você deve estar me achando um louco. É que eu venho sempre no mesmo horário aqui, no Café Preto e sempre, sento aqui, nessa mesa. Não consigo trabalhar de outra forma, a não ser assim, digo, aqui nessa mesa, ou no meu escritório é claro.
- Eu também sempre venho no mesmo horário, é que hoje eu me atrasei, sabe, taxistas desesperados pra chegarem em casa. - Valentina falava, enquanto beijava-o com os olhos. – E também sempre sento aqui, nessa mesa.
Um silêncio gritante pairava entre os dois, se deliciavam com olhares marejados, brilhantes.
- Então, o destino nos trouxe aqui? – Disse o rapaz.
- Destino? Creio que não, apenas as consequências. Você acredita mesmo nisso de destino?
- Estou começando acreditar...
- Então você...
Uma voz de repente corta a conversa. E dessa vez, não foi o pequeno sino que roubou a atenção de todos.
- Senhores, me desculpem, mas a previsão meteorológica é péssima. Possivelmente a energia cairá e tem tempestade pela frente. Teremos que fechar o café. Muito obrigada.
Valentina e Gabriel se olharam com um olhar de desapontamento, aquela noticia significaria o fim daquela conversa e estavam cientes disso.
- Bem então é isso. – Lamentou Gabriel.
- É isso. – Concordou Valentina.
Levantaram-se, após acertarem a conta – paga com insistência por Gabriel – seguiram os outros que também iam saindo do café.
Enquanto andavam, - coincidentemente para a mesma direção- agarravam-se aos segundos para se conhecerem melhor. Até Gabriel parar em uma esquina.
- Bem, é aqui que eu viro.
- Já eu sigo reto.
- Quando nos veremos de novo?
- Deixe por conta do destino.
- Achei que não acreditasse em destino.
- Também achava que não.