Peter e as pulgas cantoras.

Enquanto tragava um cigarro ela rasgava o peito e suspirava tolices, sorvia ao máximo a sua dor. Já, para Peter bastava estar ao lado dela, afinal, conhecia as ciladas da mente, as canções soturnas e o degustar solitário do vinho à noite. Todavia, à medida que cresciam algo os incomodava, não sabiam ao certo o quê! Talvez fossem os sussurros sobre a vida fora da cidade, a velha Paris, as histórias dos viajantes sobre povos de infinitas cores! De fato, não sabiam, já que o mundo que conheciam era um mundo de recortes de revistas, relatos e fotografias das colunas de viagem.

Após três anos daquela vida pequena atrás dos murros da cidade, espalhou-se pelas ruas um brilho crescente, uma novidade multicolor, anunciada, magistralmente, pelo megafone e pintada nas faces dos artistas do circo. Logo, entusiasmado Peter acompanhou a montagem da lona e a instalação das barracas. E de tanto observar sequer custou para lhe oferecessem um emprego, de fato, não havia glamour em sua função, mas sua meta fora cumprida, estava inserido no circo, incumbido da lavagem dos elefantes.

Logo, no primeiro pagamento, que felicidade! Afinal, o dinheiro rendera o suficiente para que Peter investisse em um kit de mágica e também para proporcionar-lhe uma ida ao parque com sua garota! No entanto, apesar da euforia de Peter sua amada permanecia indiferente. Sim, Mel sequer sensibilizou-se com os truques desajeitados do namorado, para ela bastava observar a vida nos recortes de revista, amava as torres e as catedrais sombrias. Já, Peter respirava as cores, divertia-se com os elefantes e esperava tornar-se um exímio mágico antes da partida do circo.

Tamanha era a dedicação de Peter que o tempo ínfimo de uma semana fora o suficiente para torná-lo um ótimo aprendiz de mágico, título este que se oficializou com um convite para atuar ao lado de Kazan o grande, respeitado mágico do circo. Finalmente, Peter deixara a lavagem de elefantes, ofício do qual sentiria até saudades, no entanto, Peter transbordava de contentamento. Afinal, acabara de ganhar a oportunidade de auxiliar Kazan em suas apresentações, e com a promoção, evidentemente, veio o aumento de salário.

Agora, em suas raras horas de folga Peter dividia-se entre estudar novos truques e se dedicar a Mel que aparentava estar mais insatisfeita a cada dia. Talvez sentisse apenas falta de antes, das noites livres com Peter, das canções e dos beijos ao sob o gélido luar. Contudo, a desconfiança de pulga me leva a crer que o culpado por tal comportamento fora o sexto sentido feminino. Sim, Mel sabia o quanto Peter mudara e temia sua partida junto com o circo.

Todavia, os dias permaneceram calmos embora Peter começasse a sentir-se invisível devido ao fato de apenas auxiliar Kazan nas apresentações. Fora justamente, neste dia em que nos encontrou, estávamos perdidos nos emaranhados de galhos do bosque, entregues a sorte ao lado do corpo de nosso antigo dono. Peter, logo, estranhou ao ouvir uma bela canção de lamento vinda de uma pequena caixa. Sendo assim, rapidamente, prontificou-se a abrir a caixa e nos encontrou... Sim, nós as pulgas cantoras!

Nos primeiros dias, embora fossemos especialistas na arte do palavrão Peter fora atencioso ao cuidar de nós e, posteriormente, paciente ao ouvir nossa ideia de auxiliá-lo na criação de seu show. Tornamo-nos Peter e as pulgas cantores, unimos sua mágica ao nosso espetáculo de realizar acrobacias e criar trilhas sonoras para os truques, volta e meia contávamos até piada. O show de Peter fora de tamanho sucesso que o espetáculo do grande Kazan tornou-se obsoleto.

Todavia, não custou para chegar o dia da grande mágoa! Devido ao grande sucesso obtido com o show Peter fora convidado a deixar a cidade e seguir o circo. Logo, eufórico ele correu até Mel para contar a novidade, a pediria em casamento e juntos deixariam a cidade. Todavia, Mel havia começado um curso de poesias e julgou que não havia melhor local para desenvolver o seu trabalho do que em sua pacata cidade, considerada única por seu luar gélido. E assim apesar da persistência de Peter o Mel (o destino) impôs seu veredicto, eles haviam traçado caminhos opostos e estavam fadados a se separar. Restou a Peter somente retirar uma flor de sua cartola e entregar à amada. Sem dor, uma despedida sem lágrimas. Todavia, no dia da partida nós as pulgas estávamos animadas a brindar o mundo enquanto no canto vagão jazia um menino calado, em seus olhos um manancial de lágrimas. Sabíamos nós que havia um mundo pela frente, mas não ele... Em breve tornar-se-ia homem!

Buendia
Enviado por Buendia em 28/02/2013
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