A presidente Dilma Rousseff e a crise na zona do euro

19/06/2012 - 19h40

No G20, Dilma cita Nelson Rodrigues ao falar sobre crise

A presidente Dilma Rousseff foi buscar em Nelson Rodrigues inspiração para falar sobre a complexidade da crise na zona do euro, ao conversar com jornalistas nesta terça-feira durante a reunião do G20, grupo que reúne as principais economias avançadas e emergentes do mundo.

Falando no aeroporto de Los Cabos, no México, após encerrar sua participação na reunião, a presidente lançou mão da sua veia rodrigueana para explicar que se conformou com o fato "inexorável" de que a solução para a crise depende menos do G20 e mais de outros fatores que têm lugar na Europa.

"Vocês lembram que o Nelson Rodrigues tinha um personagem chamado Sobrenatural de Almeida? Pois eu acho que tem um personagem, e ele é internacional, chamado Inexorável da Silveira. As coisas não são do jeito que nós escolhemos", disse Dilma.

"Se vamos esperar ou não (muito tempo pela resolução da crise na Europa), é o seguinte: depende de uma combinação de decisões políticas, com reações do mercado, com pressão popular. É real. Eu posso querer uma coisa e dar outra. O que a gente tem de fazer é entender as situações, por mais difíceis que sejam. Não se pode ocultar a realidade."

Brincadeira à parte, em outro momento da entrevista, a presidente disse que percebeu "consenso" do G20 - e "evolução" por parte da chanceler alemã, Angela Merkel - em prol de que as economias avançadas combinem seus processos de ajuste fiscal com medidas de estímulo, para evitar a estagnação. Essa é uma ideia defendida há tempos pelo Brasil como caminho para sair da crise.

Pouco antes de revelar sua verve literária, a presidente comentava sobre o longo tempo que a Europa vai necessitar para resolver seus problemas internos.

Um dia antes, também em Los Cabos, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Barroso, indicara que este processo dependerá do aprofundamento da integração na Europa - um processo que pode durar meses, até anos.

Dilma Rousseff evitou alfinetar os europeus, dizendo apenas que não achava "correto" pontificar a respeito da situação europeia. "Nenhum de nós pode assumir uma atitude de ficar dando lições para os países da zona do euro", disse.

"O que nós esperamos é que sejam tomadas medidas no tempo certo, e o tempo certo não é a gente que impõe, são as necessidades das populações, e isso é uma questão política, e do mercado, que é uma questão financeira. O que importa é que as medidas sejam rápidas e, mais que isso, suficientes."

'Evolução' de Merkel

Bem-humorada e em clima de "paz e amor" - segundo suas próprias palavras - a presidente brasileira disse que entende as dificuldades colocadas pela crise nos ombros das autoridades europeias, em especial da Alemanha.

"Há um problema de curto prazo (na Europa), que é o problema das dívidas bancárias, a relação das dívidas bancárias com as dívidas soberanas", disse.

"São problemas que decorrem do fato de terem uma moeda e não terem um ente que sustente essa união monetária. Você tem uma união monetária e não tem Estado, nem um Banco Central com as funções que qualquer Banco Central nacional tem, que é de ser emprestador em última instância."

As autoridades da zona do euro já sinalizaram que a solução é aprofundar a integração bancária, fiscal e política do bloco, mas este é um processo que deve levar anos - e os mercados, voláteis, exigem uma resposta já.

Em contraste com as determinações de adotar ajustes fiscais, no início da crise, esta cúpula do G20 reforçou a necessidade de contrabalançar estes processos com estímulos de crescimento, para evitar a estagnação.

Nesta discussão, a Alemanha - país com mais superávits orçamentários, nível de risco-país e atividade econômica da União Europeia - é visto como determinante. Mas o governo de Angela Merkel é também o mais enfático na solução fiscal.

Mas para Dilma Rousseff, que se reuniu em caráter bilateral com Merkel nesta terça-feira, a chanceler alemã está "evoluindo" na sua visão de dar importância ao crescimento.

"Eu acho que há uma evolução, uma percepção da importância da consolidação fiscal com o a questão do crescimento, eu senti isso", afirmou a presidente. "Eu percebi uma grande preocupação da chanceler e uma determinação, um sentido de resolver a crise."

Lições conhecidas

Para Dilma, as lições que o G20 endossou neste encontro já foram aprendidas pelo Brasil há muito tempo, mas que nem por isso pode ficar "deitando regras" para seus colegas.

"Há uma percepção de que não há como se fazer a consolidação fiscal sem crescimento - é nossa experiência. Nem tampouco ter crescimento sem contas públicas sóbrias - também é nossa experiência. Isso é consenso", disse a presidente.

"Agora, a partir daí, os mecanismo pelos quais a União Europeia, especificamente a zona do euro, vai resolver os seus problemas, obviamente implica decisões internas da liderança."

"Nem por isso podemos chegar e ficar deitando regras. Essa experiência, eles estão passando pela variante deles."