5 Canções - Parte 1: Capítulo 3 – Autismo por opção

Fazia muito tempo que não falava com Lucas, ele estava praticamente esquecido e eu estava feliz, no dia anterior eu fui ao cinema com Raissa ver Eclipse e havia dormido com a camisa que eu havia comprado do filme, naquele dia eu acordei com a campainha tocando:

- Oi – Ele falou e eu entrei em choque

- Oi – Me desesperei, mas consegui me acalmar e apelar para o sarcasmo – Nossa, quem é vivo sempre aparece.

- Pois é – Ele riu meio nervoso

Começamos a conversar sobre o filme e descobri que ele também estava no cinema noite passada, eu me diverti como nunca, pela primeira vez era fácil conversar com ele, o assunto parece que fluía normalmente:

- Ei, a Bella transa com o Jacob no filme?

- Não – Falei rindo – Ele só esquenta ela.

- Não é a mesma coisa?

- Não Lucas – Naquela hora minha mãe chegou, ele pediu para eu descer, disse que iria me arrumar, assim nos despedimos e ele foi embora, me arrumei e quando desci não havia ninguém lá em baixo, pensei em ir na casa da vó dele, mas pensei que estava muito bom para ser verdade, eu havia sido feito de idiota mais uma vez, subi decepcionada e resolvi esquecer essa história e esquecer ele, infelizmente as coisas não eram tão simples.

Alguns dias depois chamei minha amiga Renata para ir a minha casa e quando descemos para piscina ele estava lá com o resto do pessoal, conversamos, ele me empurrou na piscina para variar, e começamos a marcar de ir ao shopping, ele perguntou se eu ia eu disse que ia falar com minha mãe quando subisse, ele disse para eu falar logo e ficou insistindo na ideia, ate que coincidentemente minha mãe chegou para me dar a chave de casa que eu havia esquecido:

- Tia, Lúcia pode ir ao shopping comigo? – Ele perguntou e eu gelei

- Pode – Minha mãe riu e saiu

- Eu ia falar com ela Lucas

- Só para garantir – Ele riu.

Quando subimos, nos arrumamos e esperamos minha mãe servir o almoço que estava atrasado, o telefone tocou:

- Lúcia, você vem? – Era a voz de Lucas, como diabos ele descobriu o telefone da minha casa?

- Vou, estamos esperando o almoço

- Certo, certo, tchau

-Tchau – Eu estava ficando nervosa, e com esperanças.

Depois daquela ligação ele me ligou mais três vezes, ate meu pai já estava ficando com raiva, quando finalmente conseguimos chegar no shopping, eu liguei para ele:

- Oi, acabei de chegar no shopping onde estas?

- Estou por ai, a gente se esbarra – Ele desligou, eu estranhei, pois a alguns minutos atrás ele estava fazendo uma enorme questão que eu fosse, decidimos ir para o cinema e acabamos encontrando com ele, outro garoto e umas dez meninas, eu achei que ele fosse para o shopping com a gente:

- Oi – Fui falar com ele.

- Oi , esse é Rodrigo - Falou apontando para seu amigo de meio metro

- Muito prazer – Sorri e tentei ser amigável.

Ficamos nos encarando por alguns segundos e vi que ele não teria atitude sobre nada então me despedi deles e fui andar com Renata e Joana:

- Isso é ridículo, ele chamou a gente – Joana estava indignada assim como Renata

- Esqueçam isso, vamos nos divertir sem ele – Eu também estava achando aquilo errado, mas o que eu poderia fazer? Eu fui me divertir com as meninas, provamos roupas, tomamos sorvete e fizemos um monte de coisas, ate que meu celular tocou

- Lúcia, eu estou aqui na praça de alimentação, vem para cá. – Falei com as meninas e elas concordaram, Renata estava indignada e quando chegamos lá eu achei que ela ia bater no garoto, fiquei assistindo de longe quando ela acabou seu show eu fui para perto.

- Já acabou? – Falei para Renata

-Acabei

- Oi – Virei-me para Lucas tentando ser o mais amigável possível, naquela mesma hora Rodrigo apareceu e nos olhou de cima a baixo.

- Nada não, apenas disquei o número errado – Ele falou com a maior naturalidade, eu estava começando a entender as coisas.

- Ok, precisamos ir eu quero ir na Charlote Russe – Falei com raiva

- Não existe essa loja aqui no shopping – Rodrigo falou rindo, eu o fuzilei com os olhos e sai, as meninas me seguiram.

Não era óbvio? Lucas o menino que eu estava apaixonada não sofria de transtorno bipolar, sofria de algo muito pior: falsidade

Me convencer de que Lucas era um daqueles meninos populares do bairro foi uma das coisas mais difíceis para mim, pior ainda foi enxergar o quanto eu não ligava e continuava gostando dele, as pessoas gostam de dizer que o amor é cego, mas não é, ele consegue ver, e muito bem ele apenas ignora o que não o faz bem!

Alguns dias depois já era de noite e estávamos na área da piscina Lucas não estava conosco, já era tarde umas 12hrs e estávamos todos conversando descontraidamente ate que ele chegou: cambaleando, com a camisa em volta do pescoço e bêbado muito bêbado!

- Boa noite pessoal – Ele me deu um beijo na bochecha e sentou-se ao lado de Alex.

- Você está bêbado? – Ele perguntou

- Só um pouquinho assim – Falou mostrando um pequeno espaço entre seus dedos – Mas eu só bebo porque no fundo do copo tem a foto da minha amada e se eu não beber ela morre afogada. – Ele riu, mas ninguém estava achando graça, principalmente eu, tínhamos um bêbado de quatorze anos na nossa frente, Alex subiu para a casa da vó de Lucas para ele dormir, o resto foi para casa, quando eu cheguei não podia acreditar no que tinha visto, estava muito decepcionada, com ele, comigo, pensando nisso eu dormi em uma ridícula tentativa de descansar mas no dia seguinte estava tão cansada quanto, parecia que havia tido um pesadelo!

Pesadelo era aquele tipo de coisa que te deixa abalado logo quando você acorda, mas logo depois passa e você pede por outro.

Minha amiga Juliana ia fazer sua festa de aniversário e pediu para eu chamar Lucas, as meninas estavam lá em casa e aproveitei a oportunidade e liguei para convida-lo, ele disse que não queria ir, eu insisti dizendo que não se recusa convites de aniversário, ele disse que não, depois perguntou se eu iria para festa de sábado:

- Sim eu vou, e você?

- Não sei, bem que me falaram que só ia dar criança!

- Desculpe, acho que não ouvi direito, repete.

- Não

- Se você for homem o bastante, você vai repetir.

- Me avisaram que só iria ter criança

- Você não presta, e você sabe. – Eu estava com muita raiva

- Você é uma criança, encare isso

- INFANTIL – Gritei

- CRIANÇA – Ele gritou do outro lado da linha

- GAY – Eu gritei mais alto ainda, e ele desligou o telefone, minhas amigas chegaram no quarto perguntando da gritaria.

- Ele é inacreditável – Deitei no colo de Ana e fiquei me perguntando o que tinha acontecido agora, o que tinha acontecido comigo, o que tinha acontecido com a minha vida e o quanto eu tinha mudado, eu rezava para que isso acabasse, ou eu iria enlouquecer!

Para minha sorte, ele não estava no prédio naquele dia, mas alguns meses depois ele voltou disposto a me deixar mais louca do que eu já estava:

Estávamos em baixo do prédio, e um amigo nosso estava estudando com seu caderno, Lucas pegou seu caderno e sua caneta e começou a “dar autógrafos”, quando ele me entregou o meu, eu recusei:

- Você vai recusar o que eu fiz com tanto carinho para você Lúcia? – Eu peguei o papel e lá estava escrito:

“Lúcia eu te amo muito

Lucas”

Eu me comovi, fui ler o que ele havia escrito nos outros, eram sempre piadas, ou brincadeiras com os mesmos, o meu era o único que dizia “eu te amo”, a questão agora era saber se aquilo era de verdade ou apenas mais uma brincadeira boba.

Depois da noite de autógrafos ele sumiu, e só o vi na véspera do meu aniversário de treze anos quando ele resolveu jogar o bolo de dois quilos em cima de mim, na hora eu fiquei tão decepcionada que mandei ele subir e limpei a sujeira sem a ajuda dele, eu preferia limpar bolo do chão só, do que olhar para ele por mais alguns minutos.

No dia seguinte ele brigou com Yuri, os dois se bateram, e mais uma vez eu me decepcionei com Lucas, quando ele estava indo em bora ele me abraçou, me deu parabéns e beijou de língua meu cabelo, sim meu cabelo, quando ele terminou simplesmente saiu andando em direção ao elevador sem dizer nenhuma palavra, todos ficaram confusos mas ninguém deu valor, em casa eu pensei no fato de ter ganhado um beijo de Lucas, ou pelo menos meu cabelo havia ganhado.

Depois daquele dia eu o vi de novo voltando do supermercado, ficamos no elevador em um clima tenso e nenhum dos dois se falou, depois eu o vi no meu aniversário de quatorze anos entrando no elevador do prédio, e a ultima vez ele estava em uma festa extremamente bêbado, atravessando a rua para fugir da polícia, naquele dia eu achei que ele ia ser atropelado.

A questão é que eu era louca por ele, ainda sou, não irei mentir, mas o primeiro amor é sempre inesquecível, e eu o amei, amei como nunca havia amado antes, e foi difícil, é difícil, eu nunca soube o que ele pensava sobre mim, as vezes parecia que ele me desejava como uma criança desejava o calor de sua mãe, mas as vezes parecia que ele não dava a mínima para mim, isso me confundia muito, isso me enlouquecia na verdade, ele me enlouquecia.

O que mais me revoltava era essa falsidade que ele carregava, quando estava comigo ele era a melhor pessoa do mundo, um amigo, você se sentia confortável, a conversa fluía, quando ele estava junto com a “galera”, eu ficava calculando o que iria dizer, e sentia que ele fazia o mesmo, muitas vezes estávamos todos conversando e ele pensando sobre algo, ele era como a pedra mais bruta do mundo, eu não conseguia entende-lo, ele tinha um mundo dele, ele era como um autista por opção própria.

Muitas vezes ele já havia me falado sobre uma garota que o decepcionou e problemas com os pais, não posso dizer que essa era a fonte do problema, porque eu não sabia, por mais que ele me contasse muita coisa o que ele me contava nunca era o bastante para que eu pudesse desvenda-lo. E por mais que eu tentasse fugir daquele inferno eu não conseguia, eu estava presa, presa em um porão sem ver a luz, sem saber como era o mundo lá fora, de uma hora para outra eu não conseguia mais viver sem pensar em algo para conquista-lo, eu estava louca, eu havia esquecido como era viver sem ele, eu estava presa dentro da minha própria comédia romântica, bastava ligar a câmera!

Não é um momento bobo

Não é uma tempestade antes da calmaria

Esse é o final e ofegante suspiro do amor que estivemos mantendo

Parece que não posso mais te segurar como quero

Slow dancing in a burning room – John Mayer